Ainda a democracia — As leis são boas, mas os homens são maus… Patriotismo e coletividade — E versos de Antônio Nobre
PEDRO LEOPOLDO, 8 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — De acordo com o que adiantávamos ontem, iniciamos hoje a divulgação de respostas colhidas do Além pelo médium, e relativas às consultas selecionadas da vasta correspondência que lhe chegara desde o início da maior divulgação do seu caso.
Conforme já observamos, muitas das indagações, embora acolhidas com a mesma e respeitosa delicadeza que as demais, foram postas de parte, por estarem fora não só das possibilidades do médium, ou antes, de seus protetores, como também das altas cogitações de ordem moral e espiritual da doutrina.
A abertura das cartas era feita à noite na residência do médium e este mesmo as lia e enunciava as consultas nas mesmas contidas.
Reunidas algumas perguntas admissíveis, a caixa da correspondência era posta de lado e o médium concentrava-se a seguir para a consulta aos protetores e amigos do espaço.
O repórter limitava-se a recolher as respostas porventura obtidas.
A primeira das consultas atendidas foi a seguinte:
Depois de algumas referências à mensagem de Emmanuel, , e na qual o “guia” diz que “para o estado atual do Brasil não se enquadra outro regime fora da democracia liberal”, um missivista, talvez pouco simpático a esse mesmo regime, fez esta indagação:
— “Como poderá o Brasil resolver a sua situação econômica dentro da democracia liberal?”
A resposta de Emmanuel é pronta e coerente com o ponto de vista favorável à liberal democracia, já antes expendido. Revela ainda o “guia”, em suas considerações de agora, estar mais ou menos a par dos aspectos gerais da atual situação patrícia…
Eis essa resposta de Emmanuel:
— A República Brasileira necessita de forças vitalícias, no terreno político-administrativo, que predominem sobre suas instituições de caráter temporário.
Contrariando o facciosismo, as lutas de clã, existiam no Brasil Império os grandes poderes centralizados. É da formação de um poder como esses que a República necessita, a fim de corrigir os baldões, os defeitos, a instabilidade da política administrativa.
O conjunto de leis brasileiras, os dispositivos constitucionais refletem a evolução moral dos habitantes das terras do Cruzeiro. Não só a nova carta política ultimamente promulgada — excetuando-se as incompreensíveis emendas religiosas — como a Constituição de 1891, são documentos de alto valor histórico e político, atestando as concepções avançadas da alma brasileira.
Temos, porém, a considerar no país o combate prejudicial dos partidos sob a ditadura dos mais implacáveis individualismos.
Os interesses dos chefes nunca são prejudicados. Sob o despotismo de sua vontade pessoalíssima estão os interesses da nação e das coletividades.
Ora, nas condições atuais, não se enquadraria no país outro regime que não seja o da democracia. As experiências, porém, requerem uma salutar aproximação entre governantes e governados, e todo o individualismo deve desaparecer nos interesses gerais.
A solução dos problemas das classes tem sido tratada com a mais acentuada ausência de tato, pelos que dirigem o Estado. Os grandes desequilíbrios econômicos e o cepticismo de quantos vivem a esperar melhores dias para a nação são oriundos justamente dessa odiosa campanha personalista que infelicita, há muitos anos, as correntes políticas do país.
A questão é de homens e não de leis. As leis são boas e bastavam para controlar todos os fenômenos da vida nacional.
Faltam os executores, os cérebros e os sentimentos.
Evite-se a expansão do interesse pessoal, as competições mesquinhas, a ambição de ganhos e domínios, os assaltos ao Tesouro Público, o exibicionismo, e cultive-se, acima de tudo, o interesse da coletividade. Basta isso. A coletividade é a nação e não se compreende o patriotismo fora dessas normas.
Vê-se pois que todos os problemas econômicos estão enfeixados nas questões de ordem administrativa.
Nestes tempos de confusão, em que a crise se manifesta dentro de todas as modalidades, Deus proteja o Brasil, inspirando àqueles que o governam e concedendo a todos os seus filhos paz e prosperidade.
Atendendo sempre a solicitações de leitores que não querem perder o contato com o arquivo do médium, juntamos, aqui, como complemento à correspondência de hoje, algumas das “Quadras de um poeta morto”, Antônio Nobre, constantes daquele arquivo, e nas quais o suave cantor nos diz:
1 Coração, não vos canseis De bater… que importa lá? Porque os amores fiéis, Nem a morte os vencerá. 2 Ó figuras de velhinhos Que andais dormitando ao léu! Como são belos os linhos Que vos esperam no Céu! 3 Dizem que os mortos não voltam… Voltam sim. E porque não? Os corpos daí nos soltam, Como às aves o alçapão. 4 Nem gritos e nem cantigas Entre vós que à noite andais; As almas das raparigas Inda sonham nos choupais. 5 Nas grandes mansões da morte Inda há romance e noivados, Venturas da boa sorte, Corações despedaçados. 6 Quem riu ontem, quem ri hoje, Nem sempre poderá rir… Um dia o riso lhe foge. Sem que o veja escapulir. 7 Riquezas, que valem elas Se estão na sombra ou sem luz? Tesouro são as estrelas Da bondade de Jesus. 8 Pode-se amar o veludo De uns olhos e os brilhos seus, Porém, acima de tudo Devemos amar a Deus. 9 Vós que amais a luz da Lua, De vossa alma abri as portas Para os fantasmas da rua, Que choram nas horas mortas. 10 Pensei que a morte era o fim Das ânsias do coração; Contudo, não é assim… Nem pó e nem solidão. 11 Às vezes acham-se fojos Onde há música e festins E há muitos cardos e tojos Entre as flores dos jardins. 12 Se eu pudesse, estenderia Minhas capas de luar sobre Os filhos da agonia Que andam no mundo a penar. 13 A morte só pode ser A vida risonha e pura Para quem a padecer Vive aí na sepultura. 14 Mal vais, se vais caminhando Na ambição de ouro e glória; Nesse mundo miserando Toda ventura é ilusória. 15 Chorai! chorai órfãozinhos, Vossas dores amargosas: Achareis noutros caminhos As vossas mães extremosas. 16 Deixa cantar, ó menina, Teu coração sonhador… No sepulcro não termina O novelário do amor. 17 Um anjo cheio de encanto vive sempre com quem chora, Guardando as gotas de pranto Numa urna cor da aurora. 18 No Universo há céus profundos, Cheios de vida e esplendor, Um céu é um ninho de mundos, Um mundo é um ninho de amor. 19 A caridade é a beleza De um divino plenilúnio, Luz que se estende à pobreza, Na escuridão do infortúnio. 20 Aos mendigos desprezados Não ridicularizeis, São senhores despojados Dos seus tesouros de reis. 21 Aqui, a alma inda espera O alguém que na Terra amou, O raio de primavera Que aí jamais encontrou. 22 Há quem faça aí mil contas, Que os interesses resuma, Mas morrem cabeças tontas, Sem fazer conta nenhuma. 23 Tecei sonhos, fiandeiras, Oh! almas enamoradas, Vivei aí nas clareiras De luzes alcandoradas. 24 Ah! que sinto aqui saudades Das noites de S. João, Sonho, estrelas, claridades, Cantigas do coração. 25 Na minha vida de agora Não canto as festas louçãs, Naquelas toadas de outrora Às moçoilas coimbrãs. 26 Acompanha-me a tristeza Das saudades por meu mal; Minha terra portuguesa!… Meu querido Portugal!… |
Essa reportagem foi publicada primeiramente em 1935 pela LAKE e é a 3ª da 3ª Parte do livro “”
. O repórter citou apenas alguns versos, respectivamente os de nº 1, 4, 16, 3, 12, 6, 17, 2 e 24, reproduzimo-la completa, conforme publicada originalmente em 1931 pela FEB; ela é a 1ª do 11º capítulo do livro “”