Notáveis Reportagens com Chico Xavier

Capítulo V

Inicia-se a fase mais decisiva da reportagem, em plena sessão espírita



Ainda a narrativa de duas façanhas do médium — Barbas abaixo — Uma casa cheia de vivos à espera dos mortos — Ponham de lado as armas — Invocação — No pórtico dos esquivos segredos.


PEDRO LEOPOLDO, 25 (Do enviado especial do GLOBO, Clementino de Alencar) — Foi por volta das 19:30 horas que deixamos, ontem, o hotel para assistirmos à sessão espírita na casa de José Xavier.

Durante o jantar, o mais concorrido que tivéramos aqui, as palestras só perseguiram um assunto: Chico Xavier.

Aliás, , a sessão de ontem com a presença da reportagem e personalidades locais, viera dar à data uma significação muito especial para a cidade. E ainda outro fato havia de assinalar essa quarta-feira bonita de Pedro Leopoldo: o Zéca, dos canários, pôs a barba abaixo.

Frases em inglês


Foi durante esse concorrido jantar, uma hora antes, pois, da sessão, que pudemos colher ainda, de bocas respeitáveis, notícia de dois episódios muito interessantes das atividades mediúnicas de Chico Xavier.

Um dos casos foi narrado assim:

O Sr. Rômulo Joviano, inspetor-chefe da Fazenda Experimental do Ministério da Agricultura, em Pedro Leopoldo, depois de ouvir o que se contava sobre os feitos do caixeiro de Zé Felizardo, teve a curiosidade de assistir a algumas sessões, embora sem manifestar crença alguma, a respeito.

Numa dessas reuniões, o médium em transe grafou, ou melhor, psicografou algumas frases que os componentes da mesa não puderam decifrar: eram escritas em inglês.

O Dr. Rômulo, naturalmente desconfiado, solicitou que a mensagem lhe fosse entregue para poder examiná-la melhor, em casa.

Conhecedor do inglês observou, então, que as frases continham alguns erros. Anotou-os e compareceu à sessão seguinte, disposto a interpelar o médium e os Espíritos sobre tais erros.

Antes, porém, que pudesse fazê-lo, Emmanuel, o Espírito-guia do Chico Xavier respondia, logo ao início do transe, às interpelações que não tinham sido ainda feitas, esclarecendo que os “erros observados pelo doutor Rômulo e sobre os quais este pretendia fazer perguntas” resultavam da deficiência do aparelho, isto é, do médium: como este nada conhecesse do idioma inglês, a mensagem, transmitida por seu intermédio, podia ressentir-se dessa falha, fato esse, aliás, já previsto e explicado dentro da doutrina.


Um sacerdote falecido no Rio, em 1902


O outro episódio narrado foi esse:

Um certo Sr. F.G, que perdera a esposa, pouco tempo antes, compareceu à sessão realizada pelos irmãos 10avier, em 19 de novembro de 1934.

Abismado na mágoa imensa que lhe ficara pela perda sofrida, o referido cavalheiro fora ali na esperança, sem dúvida, de um pouco de consolação.

Findas as primeiras preces, um Espírito baixou e fez uma comunicação espontânea dirigida a F.G.

Essa mensagem era cheia de palavras confortadoras, dizendo a certa altura assim:

“A tua ex-companheira de amarguras, alegrias e lutas terrenas está recuperando as suas forças, sob as vistas de amigos devotados que buscaram suavizar seus derradeiros tormentos.”

Exortava a seguir o citado cavalheiro a enfrentar seus combates morais com serenidade e fé.

Afinal, afirmou o Espírito ter sido vigário em S. Cristóvão e haver desencarnado no ano de 1902.

Investigações levadas a efeito pouco depois, revelaram que realmente, a 3 de março de 1902, segundo notícias encontradas em jornais da época, falecera no Rio, o reverendo cônego Luiz Antônio Escobar Araújo, vigário da Freguesia de S. Cristóvão.

Assinalando sua passagem por aquele posto, existe, na sacristia da igreja de São Cristóvão, no Rio, embutido na parede, um quadrilátero de mármore com os seguintes dizeres:

“Justa homenagem da Irmandade do S.S. Sacramento de São Cristóvão ao seu Provedor Honorário e Perpétuo, o Revmo. Sr. Vigário Luiz Antônio Escobar Araújo. — Sessão de 6-12-1894.”

Proposta de um homem desconfiado


Deixamos o hotel em companhia do promotor da comarca, Dr. Washington Floriano de Albuquerque. Esse magistrado, que reside em Santa Luzia, mas aqui se encontra por se achar funcionando o Tribunal do Júri local, quis, também, assistir à sessão.

Quando chegamos ao fim da rua Herbster, o Sr. Andrade Pinto, engenheiro da Central do Brasil, reúne-se a nós, disposto também a comparecer à reunião.

Damos alguns passos mais pela rua deserta e o referido técnico lembra:

— Vamos propor que as páginas grafadas pelo médium sejam rubricadas por algumas das pessoas insuspeitas presentes à reunião?

Aceitamos a proposta e o mesmo engenheiro fica encarregado de apresentar a exigência dos descrentes, mas só quando os trabalhos já estiverem iniciados.

Pouco depois entrávamos .

Chegara o momento decisivo.


Os presentes


Os presentes reúnem-se, por enquanto, na sala da frente, ou melhor, na oficina do seleiro. Estão já ali o prefeito do município de Pedro Leopoldo, Sr. José de Azevedo Carvalho, médico distintíssimo e operador de grande fama; o juiz Dario Lins; o Sr. Christiano Ottoni, outro médico também de nomeada na região; o Sr. Maurício Azevedo, coletor federal; os advogados Jerônymo Figueira de Mello e Walfrido de Andrade Bernardes; o escrivão Raymundo Gonçalves; os Srs. Theodoto Viana, Caetano Carvalho, José Vianna, Balthazar de Arneira Neves, e várias outras pessoas, inclusive senhoritas da localidade.

Esse é o grupo que se poderia chamar de “curiosos”, dos que ali foram levados pelo interesse que vem despertando o médium sensacional, pelo desejo de “ver” aquilo de que tanto se fala. Desse grupo ficam a participar o jornalista, o promotor e o engenheiro Andrade Pinto.

Quanto aos adeptos, aos espíritas propriamente ditos, sua afluência é também numerosa.

— A casa já está cheia de vivos — observa alguém. — Faltam os mortos…


“Nossa corrente é forte”


José Cândido, o dono da casa, atende a todos, prazenteiramente, mas talvez com o secreto temor de não poder acomodar tanta gente no exíguo recinto de sua residência pobre.

O promotor Washington Floriano, um pouco versado em assuntos espíritas, prevê o fracasso da sessão:

— É muita gente. Vão perturbar a concentração, prejudicar a “corrente”.

José Cândido concorda até certo ponto; mas ainda confia:

— Felizmente, nossa corrente é forte.


Espíritos e rapadura


A propósito um dos presentes observa que as faculdades mediúnicas de Chico Xavier são tão poderosas que o rapaz, às vezes, recebe Espíritos mesmo durante suas horas normais, quando está só, lendo, meditando ou descansando.

— Geralmente, também, quando está comendo rapadura.

— Espíritos gulosos…

— Talvez não. É que ele, muitas vezes, lê ou medita comendo rapadura…


Proletário…


São 8:10 horas.

Chico Xavier ainda não chegou.

José Cândido justifica a demora:

— O trabalho. Ele só pode sair quando fecha a venda. E a venda fecha às 8 horas.

Nós já tínhamos verificado isso.


Gente em pé, sentada, montada.


Chegam ainda outras pessoas. A sala já não dá. Alguns passam para a outra peça, reservada às sessões. Já faltam cadeiras. Na banqueta do seleiro há um arreio inacabado. Serve, porém. Um rapazinho monta. Assim, temos já ali gente em pé, sentada, acocorada e montada.


As calças remendadas


Às 8:20 horas, Chico Xavier chega, afinal, pedindo mil desculpas por ter feito a assistência esperar.

É a mesma simplicidade de sempre, com o mesmo sorriso bom e ingênuo, as mesmas calças remendadas. O mesmo caixeirinho humilde de “seu” Zé Felizardo…


Na sala das sessões


Entrando, dirige-se ele imediatamente para a sala das sessões.

Aí, tomam também lugar os assistentes, alguns em pé, outros sentados. Não todos, porém. A sala não dá. Muitos ficam na oficina. Acomodada a assistência da melhor maneira possível, o grupo que forma a “corrente”, Chico Xavier, José Cândido, Fausto Joviano, Carmosino Penna 10avier, Nelson Penna, senhorita Nancy Penna, toma lugar na pequena mesa colocada ao centro da peça e coberta com uma toalha branca.

José Cândido, que presidirá os trabalhos, de um dos extremos da mesa, dirige-se aos presentes: pede encarecidamente, aos que estejam armados que se desfaçam de suas armas durante a sessão. Às vezes, “descem” maus Espíritos…

Ninguém estava armado.

José Cândido pede ainda a todos a maior calma e silêncio. Depois convida o repórter a sentar-se no outro extremo da mesa.

O repórter aceita o convite.

José Cândido senta-se por sua vez, tendo Chico Xavier à direita. Um menino põe, ao centro da mesa, dois copos d’água e um bloco de papel diante do médium.

O presidente abre o livro de preces e faz sua invocação ao Senhor, à Virgem, ao patrono do “centro”, Luiz Gonzaga e aos Amigos do Espaço. Depois, “em nome de Deus, estão abertos os trabalhos, como, de fato, abertos estão”.

As cabeças se inclinam sobre a mesa. Concentração. Prece. Silêncio.

Sente então o repórter que uma vaga emoção lhe aquece a fronte, afina-lhe os nervos, apalpa-lhe o coração.

Sobre a mirada fria e indagadora com que — na tentativa da abstração de si mesmo — vinha ele no encalço das horas e dos fatos, tremem afinal, e ligeiramente, suas pálpebras humanas.

O observador abstrato personaliza-se, humaniza-se no alvoroço de suas sensações.

Silêncio.

Agora, os homens ali se englobam, nivelam, confundem na mesma expectativa ansiosa.

Os olhares já se não cruzam, as palavras já se não buscam, curiosas, de boca em boca; os pensamentos se inclinam todos para o mesmo rumo, como as espigas da seara farta sob o vento.

A Vida lança, no silêncio, sua ampla rede perceptora e queda-se, muda e atenta, diante da Morte.

Hoje, como há dois mil anos, como há três mil anos, como sempre.

E eu — poeira de migalha arrastada no turbilhão das incertezas eternas — escancaro os meus olhos de dúvida para o pórtico das sombras insondáveis e dos esquivos segredos.