Novamente em Casa

Capítulo II

Argemiro Correa de Azevedo Filho



Filho de Argemiro Correa de Azevedo e Nilza Freire de Azevedo, Técnico em Mineração, aluno de Geografia na Universidade Católica de Goiânia, poeta, estudioso da Língua Inglesa, Argemiro faleceu aos 25 anos, vítima de acidente de trânsito.

Em decorrência do mesmo acidente, faleceram também Josemarcos Antônio Silva Motta e Joelma Alves de Carvalho, lembrados por Argemiro na mensagem.

A carta mediúnica do Argemiro foi recebida quatro meses e vinte dias após sua partida e o depoimento que se segue nos foi enviado por sua irmã, Lanir Freire de Azevedo Blumenschein.




ALVISSAREIRA NOTÍCIA DA SOBREVIVÊNCIA


Dizer de que modo a mensagem calou em meu coração e no coração de meus familiares é impossível.

Uma sensação indescritível de alegria, amor, esperança e paz que nenhuma palavra do vocabulário que usamos na Terra é capaz de retratar.

Tive ímpetos de gritar, chorar, correr, abraçar, fazer tudo o que pudesse realmente retratar o tufão de sentimentos que percorria todo o meu ser.





Querida Lanir. Deus nos abençoe.

Tentarei resumir o que desejo grafar no papel. Compreendo com você e com o nosso Blumenschein que este é um grande momento.

Hora de retomar o homem que fui para ser o irmão que você espera. Efetivamente, ainda não há tempo bastante para que me desagarre da personalidade. Os meses são poucos sobre a transformação a que me vi obrigado.

A verdade, querida irmã, é que eu pressentira todo o choque e toda a inquietação daquele dia em que o poste me recebeu na queda de movimento em que me vi de crânio fraturado, numa espécie de ballet de ponta-cabeça.

Não houve ocasião para refletir, nem mesmo a fim de rezar. Aliás, as minhas preces já haviam sido formuladas, porque, desde agosto passado, uma força inexplicável me impelia a pensar no acidente.

Deve ter havido alguma concessão para mim, cuja procedência ainda ignoro.

O passado estava chegando aos meus dias últimos de rapaz. Um pretérito que não saberia definir. Muitas vezes, a sós com meditações e livros, me reconhecia atirado para longe de algum lugar, que não sabia onde era, à frente de um poste imenso que me aguardava, qualquer gigante de ferro ou de pedra, de encontro ao qual sofreria a grande mudança.

Amanhecia com a visão anterior centralizada no assunto e à noite me abraçava para que semelhante quadro se me acentuasse ainda mais na imaginação.

Os dias rolaram, uns sobre os outros, mas a tela mental não se desfixou, permanecendo, intacta, em minha cabeça. Até que chegou o dia inesperado, embora intimamente soubesse que ele chegaria.

Tenho os derradeiros movimentos do carro na memória. Pobre Leila! Dirigia cautelosamente, sem qualquer sinal de nervosismo ou de aflição, mas surgiu um instante em que o veículo passou a retratar por fora alguma perturbação que o desfigurava por dentro, e, sem que a nossa amiga pudesse controlá-lo, diante de nossa ansiedade, rodopiou sobre si mesmo e atirou-nos para longe.

Nada mais vi no momento da crise, porque me apaguei inteiramente. Depois, creio que muito depois, é que despertei sentindo dores fortes em toda a região intracraniana e imaginei que fora colhido por algum refúgio de pronto socorro a fim de sanar os resultados do acidente.

A consciência me dizia que o desastre não era uma ilusão, no entanto, nada sabia quanto às consequências. Creio que tudo sucedeu conforme a previsão que fora inexplicavelmente transmitida.

Alguém me amparava e vim a saber que esse alguém era e continua sendo a vovó Augusta, agindo em minha proteção.

Recebi tratamento, à maneira de qualquer acidentado, numa internação de hospital, e, quando me senti livre dos sofrimentos periféricos que me aturdiam, pude visitar a nossa casa e abraçar os nossos entes queridos.

Diga à mãezinha Nilza e ao papai Argemiro, que se realmente me afligi foi justamente pelo fato de observar a flagelação de que se tomara toda a nossa família.

Consegui, porém, volver a fases esquecidas: as fases da confiança em Deus nas preces do tempo de criança. Reconquistei um bálsamo que perseverava comigo e não sabia.

Coloquei minhalma toda no anseio de me apropriar das bênçãos de Deus que nunca nos faltam e melhorei rapidamente.

Pude visitar os nossos amigos Josemarcos e Joelma, cientificando-me de que também haviam sido vítimas do acontecimento infeliz.

Informei-me quanto aos dias em que se demoraram, preparando a largada final do corpo e inteirei-me afinal de quanto haviam sofrido.

Em compensação, o período de desencarnação gradativa e dolorosa igualmente fora o tempo em que me vi liberado do corpo físico, mas sob as consequências daquele golpe imprevisto.

Golpe naturalmente decorrente de meus débitos atrasados. Teríamos de saldar contas que pretendemos revisar no momento oportuno e nada tínhamos de que nos queixar.

Felizmente, tudo está claro agora e tenho motivos para me deter nos agradecimentos às Leis de Deus sem qualquer disposição de pedir isso ou aquilo.

Aproveito estas páginas para afirmar-lhes que a nossa amiga Leila não teve culpa alguma, acredito que ela será portadora de traumas psicológicos de grande penetração dos quais se descartará com a bênção de Deus. Ela continua sendo a pessoa notável pela bondade e compreensão que os companheiros e eu passamos a reverenciar.

Agora, querida mana, é encerrar o palavrório e conservar a lição. Já que devíamos, o resgate foi feito. Digo isto, porque as Leis de Deus são justas e não nos será lícito duvidar do Poder que nos dirige os caminhos.

Expressando-me assim, rogo à nossa família, a todos os nossos para que se detenham de modo tão profundo nos problemas da .

Há sempre tempo para que se nos renove o caminho e o instrumento para semelhante transformação é a nossa própria vontade, a prática do bem que nos exonera de compromissos com o mal.

Quem puder compreender esta realidade, vivenciando o bem, de modo incessante, recolherá surpresas e bênçãos sempre maiores.

Não posso alongar-me. Devo terminar o que faço pedindo-lhe expressar aos nossos familiares e amigos a certeza de que estamos quase perfeitamente bem, se não fosse a saudade a se interpor entre nós e os que ficaram. Entretanto, já sabemos que não pode ser de outro modo e aqui deixo a você o meu abraço de irmão e amigo.

Querida mana, para você, extensivamente a todos os nossos, aquela imensa estima de sempre do


21/5/1983



Leila, a amiga que dirigia o veículo, quando do acidente.


Augusta Freire Vieira, avó materna, já desencarnada.