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Capítulo XII

Ludendorff



O grande general da Linha Hindenburg, depois de ensarilhar os fuzis da Grande Guerra, empunhara as armas do pensamento dedicando-se à mais intensa atividade intelectual na construção da Alemanha Nova.

Do seu recanto solitário, Erich von Ludendorff conseguia o mais assinalado êxito com as suas publicações, que se multiplicavam indefinidamente. Só a sua revista conseguia uma tiragem de setenta mil exemplares. Seus livros eram disputados em todos os centros culturais da velha Germânia, ciosa das suas tradições militares e dos seus sonhos de domínio. Ludendorff personificava esse espírito de renovação e de imperialismo. As lutas de 1914-1918 haviam cessado, mas o valoroso militar empregava todas as suas energias, após o armistício, no sentido de reerguer o povo alemão, depois da derrota. Nacionalista extremado, não tolerava a república, era adversário declarado da Igreja Católica e ferrenho inimigo dos judeus e da maçonaria, concentrando todas as suas aspirações de homem e de soldado no pan-germanismo, acreditando que somente da Alemanha poderia surgir o próprio aperfeiçoamento do mundo. Com Hindenburg, havia sido a coluna inexpugnável dos exércitos das potências centrais na Grande Guerra. Do seu pulso de ferro haviam emanado quase todos os coeficientes de força, em Liège e Tannenberg. Suas tradições de chefe eram objeto de veneração dos seus próprios inimigos, e, nos tempos atuais era o valoroso soldado a única voz tolerada na Alemanha hitlerista, nos problemas da análise do novo regímen, em virtude da sua situação excepcionalíssima perante as forças armadas de sua pátria, que se ufanavam de possuir um roteiro no seu grande espírito.

Agora porém, nos últimos tempos fora o general internado numa Casa de Saúde de Munique, a fim de estudar-se a possibilidade de uma operação na bexiga, cujo resultado lhe devolvesse a saúde abalada, aos setenta e dois anos de idade.

Todos os seus compatriotas acompanharam-lhe o tratamento aguardando a volta do valoroso soldado aos misteres de cada dia, pelo bem da Alemanha. O prognóstico dos médicos era o mais favorável possível. Ludendorff era senhor de uma invejável constituição orgânica. E não seria de estranhar que voltasse um dia à caserna para a vida ativa. Na época do armistício, Hindenburg contava mais de setenta anos de idade, Foch tinha aproximadamente sessenta e oito. Era assim que o exército alemão esperava ainda e sempre a inspiração daquele homem extraordinário. Os facultativos, não obstante a impossibilidade de uma intervenção cirúrgica, consideravam-no a caminho de franco restabelecimento, chegando a conceder-lhe a precisa permissão para afastar-se do leito diariamente. Tudo fazia entrever a devolução de sua saúde.

Mas, naquele dia, o general, dentro de um círculo de recordações, rememorava, apunhalado de saudade, todos os caminhos percorridos. Do seu leito, parecia contemplar ainda a batalha de Tannenberg, onde a sua coragem substituíra a indecisão do general Prittwitz, e, conduzindo mais longe a sua memória, voltava aos seus estudos militares na Academia de Grosslichtenfeld, revendo afetos da mocidade e abraçando em pensamento, velhos camaradas da infância. Uma singular emotividade fazia vibrar o seu coração enrijecido nas lutas, até que suave e momentâneo repouso físico lhe fechou os olhos do corpo, abrindo a sua visão espiritual, dentro de uma considerável amplitude. Parecia-lhe haver regressado aos tempos longínquos da mocidade, tal a sua lucidez e extraordinária desenvoltura.

Ao seu lado estava o grande amigo de todas as lutas. Hindenburg, porém, já não era mais o soldado cheio de audácia e de aprumo. Seu corpo se achava destituído de todas as insígnias e de todos os uniformes, e no seu olhar andava uma onda de tristeza e de humildade, saturada de indefinível ternura.

— “Erich — falou brandamente —, não tardarás também a transpor os portões da Eternidade… Guarda em teu espírito a esperança no Céu e no Deus de misericórdia, que é a vida de todas as coisas… Abandona todas as tuas preocupações de grandeza e de imperialismo, porque diante da morte desaparecem todos os nossos patrimônios de posse e de domínio materiais! Renova as tuas concepções da vida, para penetrares o templo da Imortalidade, abandonando o mundo com um pensamento fraterno para todas as criaturas. O nosso sonho de imperialismo e de superioridade da Alemanha não passa de uma vaidade tocada de loucura, que Deus pode desfazer de um instante para outro, como o vento poderoso que move as areias de uma praia. Fecha todas as portas do orgulho e da exaltação, porque, se a nossa pátria quis guardar as minhas cinzas no Panteão de Tannenberg, o meu espírito foi obrigado a se socorrer do último dos nossos comandados… O generalíssimo das batalhas, para Deus, não passava de um verme obscuro e insolente, condenado a prestar as mais severas contas de suas atividades sobre a Terra…”

Ludendorff ouvia, com estranheza, as palavras que lhe vinham ao coração, das profundezas do túmulo. Dentro do seu orgulho inflexível conseguiu balbuciar:

— “Deus? Não existe outro Deus a não ser aquele que simboliza a força, a superioridade da Alemanha…”

— “Cala-te! — replicou ainda a voz pungente da sombra. — Acima de todas as pátrias do planeta, está a misericórdia suprema de um Deus, cuja providência é a luz e o pão de todas as criaturas. A sua sabedoria permitiu que os homens se dividissem à sombra de bandeiras, não para a carnificina das batalhas, mas para que amassem a escola do mundo terrestre aproveitando os seus trabalhos, dentro do idealismo das pátrias, até que conseguissem, longe de todo o estímulo do espírito de concorrência, compreender integralmente as leis da fraternidade e da solidariedade humanas… Na balança do seu amor e da sua justiça inviolável, a Alemanha não vale mais que a Palestina. Os judeus que combates são igualmente nossos irmãos, no caminho da vida… Reconhece toda a verdade das minhas fraternas revelações, porque, na realidade, nenhuma nação, como nenhum homem, se pode antepor à Vontade Suprema… Unamos as mãos, longe dos combates incompreensíveis, dilatando o ideal da fraternidade sobre a Terra, sob a bênção compassiva de Jesus-Cristo, que é o único fundamento indestrutível na face deste mundo onde todas as glórias passam, como o fulgor de um relâmpago. Em breve teu corpo repousará nas cinzas da terra, como os nossos despojos guardados na solidão de Tannenberg… Sobre a poeira das ilusões, hão-de elevar-se os cânticos guerreiros mas nós com a serenidade da distância, nos uniremos nos céus da nossa pátria, implorando ao Senhor derrame sobre todos os nossos compatriotas os eflúvios do seu amor, de sua misericórdia e da sua paz!…”

Nesse momento entretanto Ludendorff não conseguiu ouvir mais a voz consoladora e amiga da sombra.

Suas fibras emotivas haviam-se dilatado ao Infinito. Seu coração parecia parado de angústia, na sepultura do tórax envelhecido, e uma lágrima dolorosa lhe pairava nos olhos saturados de espanto. Todas as suas ideias de domínio estavam destruídas nos raciocínios de um instante. Seu espírito voltara à vigília, cheio de angústia inexprimível.

Cercam-no os facultativos, verificando a queda brusca de todas as suas forças. O valente soldado da Grande Guerra estava ali, vencido, em face da morte, e, daí a algumas horas, sem que os médicos pudessem explicar o desenlace inesperado, Ludendorff penetrava os pórticos do mundo espiritual, amparado por uns braços de névoa, não mais para pregar o imperialismo do seu país ou para recordar os dias gloriosos de Tannenberg, mas para orar humildemente, diante da misericórdia divina, suplicando ao Senhor a inspiração necessária para os vivos da sua pátria.


(.Irmão X)


(Recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 28 de Dezembro de 1937)