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Capítulo XIII

Maio



As comemorações terrestres muitas vezes têm no Espaço o seu eco suave e doce. Os mortos frequentemente se reúnem aos vivos, nas suas lágrimas ou nas suas glorificações. Quando as luzes e os perfumes de Maio banham os dois hemisférios onde se agita a cristandade, com as suas várias famílias evangélicas, as preces da Terra misturam-se com as vibrações do Céu, em homenagem à Mãe do Salvador, no trono de sua virtude e de sua glória. Se o planeta da lágrima se povoa de orações e de flores, há roseiras estranhas florindo nas estradas prodigiosas do paraíso, nos altares iluminados de outra natureza, e Maria, sob o dossel de suas graças divinas, sorri piedosamente para os deserdados do mundo e para os infelizes dos Espaços, derramando sobre os seus corações as flores preciosas de sua consolação.

Na Terra, as suas bênçãos desabotoam a palma da esperança, no ânimo dos tristes e dos abatidos; no Além, as vibrações do seu amor confortam o coração dos desesperados, entornando sobre eles o cântaro de mel da sua infinita misericórdia.

Foi assim que a voz de Jeziel, anjo mensageiro da sua piedade, nos acordou:

— “Hoje — disse-nos com a sua palavra tocada de suave magnetismo —, o paraíso abre suas portas douradas para receber todas as súplicas, vindas da Terra longínqua… Dos altares terrestres e dos corações que se desfazem nas ânsias cristãs, no planeta das sombras, eleva-se uma onda de amor, em volutas divinas e a Rosa de Nazaré estende aos sofredores o seu manto divino, constelado de todas as virtudes… Celina já partiu para as vastidões escuras do planeta das lágrimas, a fim de repartir as bênçãos carinhosas da Mãe de Jesus com todos aqueles que têm pago ao Céu os mais largos tributos, em prantos e rogativas, nos caminhos espinhosos das penas terrestres. Mas a Senhora dos Anjos não vos poderia esquecer e mandou-me anotar as solicitações dos vossos Espíritos, a fim de que as vossas esperanças alcançassem guarida no seu coração maternal.”

E cada entidade expôs ao anjo piedoso de Maria as suas expectativas angustiosas. Antigos afortunados do mundo pediam para os seus descendentes na Terra o necessário esclarecimento espiritual; outros imploravam um bálsamo que lhes aliviasse o coração amargurado, ferido nos espinhos dos enganos terrestres. Não foram poucos os que lembraram seus antigos sonhos e suas paixões nefastas, sepultadas no planeta como negros resíduos de florestas incendiadas, suplicando da Rainha dos Anjos a esmola do conforto ao seu amor. Posições convencionais, erros deploráveis e malignas ilusões foram amargamente recordados e, esperando a vez de enunciar o meu desejo, pus-me a analisar as aspirações mais sagradas do meu Espírito, depois de sutilmente arrebatado, pela morte, às suas atividades do mundo.

Assim como um estudioso de matemática pode dissecar todas as coisas físicas compreendendo que a linha é uma reunião de pontos acumulados e que a superfície é a multiplicação dessas mesmas linhas, o Espírito desencarnado, na sua acuidade perceptiva, pode ser o geômetra de suas próprias emoções, operando a análise de si mesmo, autopsiando os fatos dos tempos idos, fazendo-os ressurgir, um a um, na sua milagrosa imaginação.

Lembrei, assim, a paisagem pobre e triste da minha aldeia natal. E vi novamente Miritiba, com as suas ruas arenosas e semi-destruídas guardando no litoral maranhense as antigas tradições dos guerrilheiros balaios, o lar humilde e farto da minha primeira infância, o gênio festivo de meu pai e a figura bondosa e severa de minha mãe… Em seguida revi os quadros de amargura e de orfandade, vividos na Parnaíba distante. E depois… era o meu veleiro, rudemente jogado no oceano largo onde com os remos da minha coragem procurava enfrentar, inutilmente, a maré alta das lágrimas, até que um dia, desesperado na ilha dos meus sofrimentos, e cansado de afrontar, como a cólera dos deuses submergi-me involuntariamente, na grande noite, para despertar no outro lado da vida.

No espírito humano, existem abismos insondáveis de sombra e luz, de misérias obscuras e sublimes glorificações. Num minuto, pode o pensamento rememorar muitos séculos com o seu cortejo maravilhoso de trevas miseráveis e de luminosas purificações.

Chegada a minha vez, supliquei ao anjo solícito:

“Jeziel sobre a superfície da Terra longínqua e escura, onde quase todos os corações se perdem nos desfiladeiros do ateísmo, da impenitência e da impiedade, tenho os filhos bem-amados da minha carne e do meu Espírito; mas esses têm, diante do porvir, o banquete risonho da esperança e da mocidade; ensinei-os a buscar no mundo o contentamento sadio do trabalho, em afirmações de estudo e de perseverança, dentro das leis da consciência retilínea. Porém numa nesga pequenina da Terra há um coração dilacerado, como o da Mãe de todas as mães terrestres, trespassado de divinas angústias, desde a Manjedoura até o Calvário… É para minha mãe que peço todas as tuas graças… A mão nobre e forte, que me conduziu à lição proveitosa da vida humana, acena-me do mundo, enregelada de saudade, ansiosa do beijo do filho que ela criou, com todos os sacrifícios do seu corpo e com todos os martírios do seu coração… É para ela, Jeziel, que desejo leves a bênção maternal da Rainha dos Céus, numa profusão de lírios de esperança santificadora… Dá ao seu Espírito valoroso, que nunca teve as suas ânsias de ventura realizadas no orbe do exílio, a vibração da paz de que gozam os redimidos nas dores austeras e ignoradas… Todas as bênçãos de Maria sejam depostas na sua fronte, que os cabelos brancos aureolaram, numa epopeia de sacrifícios desconhecidos e de heroísmos santificantes… Despetala sobre o seu coração fervoroso e agradecido todas as flores que hoje desabrocham no paraíso e que no obscuro recanto da Terra onde o seu Espírito aguarda o alvará da liberdade suprema, possa minha mãe sentir, nos seus olhos nublados de lágrimas, o orvalho das lágrimas do seu filho, redivivo e reconfortado na alegria e na esperança.”

E foi assim que a alma piedosa de minha mãe, nas dores com que vai penetrando a antecâmara da imortalidade, recebeu, neste mês de Maio, o coração saudoso e amigo do seu filho.


(.Irmão X)