O Espírito de Cornélio Pires

Capítulo XXI

Bota-fora de Nhô Chico



Caiu Nhô Chico morto, ao fim da janta,

Papou tatu ervado e foi caipora.

O povo segue o enterro, reza e chora:

— “Coitado de Nhô Chico Couro D’Anta!”


O avarento vivia de penhora.

Sovinaria nele era já tanta,

Que engastalhava o cuspe na garganta

Com pena de jogar o cuspe fora…


Mas Nhô Chico sabia tanto ensino!

Assunto o céu sereno e não atino

Por onde sobe ele e se agasalha…


Pasmo, vejo o caixão roxinho perto;

Nhô Chico está no corpo, de olho esperto,

Caçando aflito um bolso na mortalha…


Onde a força manda em tudo,

Não dês conselhos em vão.

No terreno da galinha,

Barata não tem razão.


Doutrinação sem trabalho,

Conflito que não discuto.

Conselho sem benefício,

Figueira que não dá fruto.


Ensino sem boas obras,

Caixa dourada mas oca…

Discurso que o vento leva

Tão logo escapa da boca.


Nem sempre existe defeito

Onde o chiste desagrade.

Às vezes a troça é o jeito

De transmitir a verdade.




[As poesias destacadas com o texto em cor diversa do negro são devidas à psicografia de Francisco Cândido Xavier, e as outras à de Waldo Vieira.]