Leitor amigo.
Quando Francisca Clotilde, o educadora, acabou de contar a história de Tintino, num de nossos serões espirituais, o enternecimento nos tomara, de todo.
— Escreva, Francisca, escreva algumas notas sobre o nosso herói de vida simples — solicitou uma de nossas companheiras — transmita alguma notícia dele aos nossos irmãos do mundo físico. Esse é um episódio em que se reconhecerá o salário dos Céus aos que distribuem na Terra coragem e esperança, paz e alegria.
No dia imediato, estávamos a postos, em companhia do instrutora, junto do médium que nos acolhia.
A nobre amiga, depois da nossa prece, passou o escrever, mediunicamente, a história-poema que te colocamos nas mãos, agradecendo a Bondade de Deus.
Quando terminou o narrativa, reconstituindo a saga autêntica de um palhaço sensível e afetuoso, a autora mostrava os olhos iluminados de profunda alegria, relembrando a figura de Tintino que os arquivos da memória lhe colocavam à frente do coração.
Quanto a nós, acompanhando-lhe as páginas simples e belas, tínhamos a alma dominada, de novo, pela emoção, sem conseguir articular palavra.
Uberaba, 2 de setembro de 1976.
Segue Tintino doente, Segue sempre, rua em rua. Nem ele sabe onde mora, Só sabe que continua… Continua caminhando Com vontade de chegar… Chegar aonde?!… Sozinho, Não tem a porta de um lar… Escora-se unicamente No cajado a que se aferra. Guarda noventa janeiros No corpo inclinado à terra. Todo o rosto encarquilhado Parece em rugas de cera. Fora somente palhaço, Em muitos circos vivera… Nesse dia, estava aflito, Sentia dores sem conta. Tinha mais frio, mais febre, Trazia a cabeça tonta. Ah! se tivesse — anotava Tristemente a refletir Uma esteira e um cobertor Num quarto para dormir!… Lembrava a infância risonha No rancho humilde e bem posto O pai cultivando a roça, A mãe a beijar lhe o rosto!… De manhã, café à mesa, Pão com manteiga em sacola; Depois, as rixas alegres Entre os colegas da escola… Após a morte dos pais, Levados por Deus ao Céu, Fez-se menino de circo, Seguindo de déu em déu. Criou-se nele um palhaço… Brincava de cena em cena. Agora rememorava As piruetas de arena… Deram-lhe um nome: Tintino… Isso talvez porque usasse, Toda vez que se exibia, Diversas tintas na face. Recordava as grandes noites, A música alvoroçada, As palmas, chapéus em flores E os gritos da petizada… Quando mais ampla era a festa, Quanto aplauso, quanta gente!… Depois… Enfermo e cansado, Era Tintino somente. Começara a chuva leve… Sob indomável temor, Decidiu se a procurar Quem lhe desse um cobertor. Vinha a noite… Sob a ponte, Em que, há muito, residia, Enfrentaria, decerto, Geada com ventania. Foi ao próximo armazém, Pediu, recebendo um “não”. E o dono inda acentuou: Saia daqui, beberrão!… — Cachaça? Nunca bebi… Disse o pobre amargamente. Mas o chefe replicou: — Caia fora, siga em frente!… Um homem que observava Acrescentou do balcão: — Este velho é conhecido, Era palhaço e ladrão. Não se ouviu qualquer resposta Do infortunado pedinte… Foi-se Tintino, em silêncio, Bater à casa seguinte. Respeitoso, pôs-se à porta De Dona Estela, a viúva; Pediu, em nome de Deus, Mostrou receio da chuva… Dona Estela resmungou: — Vá-se, patife indecente; Você viveu na folia, Sem folia que se aguente!… O pobre mudou de rumo, Foi ao bar de João da Lua; Mas João disse aos empregados: — Joguem Tintino na rua!… Um moço de corpo enorme, O lutador Marturino, Tomou de grande vassoura E avançou sobre Tintino… Tintino arrastou-se a custo, Pôs-se, ao longe, na calçada; Recebera nas costelas Vigorosa vassourada. Caíra a noite chuvosa, Quantos carros em vai-vem!… Tintino queria amparo, Mas não surgia ninguém. Meia-noite… Trevas densas… Sobre a pedra, fraco e mudo, O pobre não mais se erguera; O vento gelava tudo. Se pudesse, gritaria, Em vão, tentava falar!… Quem lhe traria remédio À dor do peito sem ar? Por fim, dormiu e sonhou Que estava como queria. Renovado e bem disposto Numa noite de alegria. Escutou alguém cantando… Que linda voz!… De quem era? Viu-se em noite enluarada Com cheiro de primavera. A roupa nova, que usava, De tão bela parecia Toda tecida de prata, Mais clara que a luz do dia. Seguia estrada entre flores, Admirado por vê-las… E, andando, achou-se ante um circo Todo enfeitado de estrelas. Pediu entrada e ouviu logo As palmas de muito povo; Crianças vinham em bando Para abraçá-lo de novo. Onde estaria? — indagava — Em que formoso país? E, embora seguindo a esmo, O pobre ria feliz. Ouviu-se música em festa… Quis trabalhar, prazenteiro; Entretanto, a criançada Vibrava no picadeiro. Um moço surgiu à frente E falou, dando-lhe a mão: — Tintino, você chegou À grande libertação. Você construiu no circo, Servindo de bom humor, A senda que o trouxe agora Ao reino de paz e amor. — Que vejo? — gritava ele… E o brando amigo explicava: — São as crianças da Terra A quem você consolava. Mais além, é a multidão, Que trabalhava e sofria, Para a qual você levava O pão de luz da alegria. O Céu vela sobre todos, Não há serviço infecundo; Eu sei que você chorava Embora alegrando o mundo… Há quem reclame dos outros Recreações sem medidas, Sem ver que os outros caminham Por lágrimas escondidas. O circo pagou a graça Que você distribuiu. Mas Deus lhe premia agora As dores que ninguém viu. Tintino em pranto indagou Ao moço vestido em luz: — Diga senhor…. quem me fala?… Ele disse: — Eu sou Jesus!… Tintino abraçou-se a ele E ele abraçou-se a Tintino… No alto fez-se uma estrada Aberta em fulgor divino. Amparado por Jesus, Ia-se o terno palhaço, Crendo fitar nas estrelas Trapézios soltos no espaço… Vozes cantavam, de manso, No caminho em brilho e flor: — Deus engrandeça na vida A fonte eterna do amor!… No outro dia, uma senhora Viu Tintino olhando o alto. Mas verifica: — o mendigo Morrera à beira do asfalto. No rosto imóvel pairava Uma expressão de criança Que tivesse adormecido, Numa festa de esperança. |