Evangelho por Emmanuel, O – Comentários ao Evangelho Segundo Mateus

Capítulo LXXXIX

III. — Amor.



— A resposta de Jesus aos seus discípulos — “Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?” (Mc 3:33) é um incitamento à edificação da fraternidade universal?

— O Senhor referia-se à precariedade dos laços de sangue, estabelecendo a fórmula do amor, a qual deve estar circunscrita ao ambiente particular, mas ligada ao ambiente universal, em cujas estradas devemos observar e ajudar, fraternalmente, a todos os necessitados, desde os aparentemente mais felizes, aos mais desvalidos da sorte.


— Nas leis da fraternidade, como reconhecer, na Terra, o Espírito em missão?

— Precisamos considerar que o Espírito em missão experimenta, igualmente, as suas provas no trabalho a realizar, com a diferença de permanecer menos acessível ao efeito dos sofrimentos humanos, pela condição de superioridade espiritual.

Podereis, todavia, identificar a missão da alma pelos atos e palavras, na exemplificação e no ensino da tarefa que foi chamada a cumprir, porque um emissário de amor deixa em todos os seus passos o luminoso selo do bem.


— O “amor ao próximo” (Lv 19:18) deve ser levado até mesmo à sujeição, às ousadias e brutalidades das criaturas menos educadas na lição evangélica, sendo que o ofendido deve tolerá-las humildemente, sem o direito de esclarecê-las, relativamente aos seus erros?

— O amor ao próximo inclui o esclarecimento fraterno, a todo tempo em que se faça útil e necessário. A sujeição passiva ao atrevimento ou à grosseria pode dilatar os processos da força e da agressividade; mas, ao receber as suas manifestações, saiba o crente pulverizá-las com o máximo de serenidade e bom senso, a fim de que sejam exterminadas em sua fonte de origem, sem possibilidades de renovação.

Esclarecer é também amar.

Toda a questão reside em bem sabermos explicar, sem expressões de personalismo prejudicial, ainda que com a maior contribuição de energia, para que o erro ou o desvio do bem não prevaleça.

Quanto aos processos de esclarecimento, devem eles dispensar, em qualquer tempo e situação, o concurso da força física, sendo justo que demonstrem as nuanças de energia, requeridas pelas circunstâncias, variando, desse modo, de conformidade com os acontecimentos e com fundamento invariável no bem geral.


— O preceito evangélico — “se alguém te bater numa face, apresenta-lhe a outra” (Mt 5:39) — deve ser observado pelo cristão, mesmo quando seja vítima de agressão corporal não provocada?

— O homem terrestre, com as suas taras seculares, tem inventado numerosos recursos humanos para justificar a chamada “legítima defesa”, mas a realidade é que toda a defesa da criatura está em Deus.

Somos de parecer que, agindo o homem com a chave da fraternidade cristã, pode-se extinguir o fermento da agressão, com a luz do bem e da serenidade moral.

Acreditando, contudo, no fracasso de todas as tentativas pacíficas, o cristão sincero, na sua feição individual, nunca deverá cair ao nível do agressor, sabendo estabelecer, em todas as circunstâncias, a diferença entre os seus valores morais e os instintos animalizados da violência física.


— Nas lutas da vida, como levar a fraternidade evangélica àqueles que mais estimamos, se, por vezes, nosso esforço pode ser mal interpretado, conduzindo-nos a situações mais penosas?

— De conformidade com os desígnios evangélicos, compete-nos esclarecer os nossos semelhantes com amor fraternal, em todas as circunstâncias desagradáveis da existência, como desejaríamos ser assistidos, irmamente, em situação idêntica dos que se encontram sem tranquilidade; mas, se o atrito dos instintos animalizados prevalece naqueles a quem mais desejamos serenidade e paz, convém deixar-lhes as energias, depois de nossos esforços supremos em trabalho de purificação, na violência que escolheram, até que possam experimentar a serenidade mental imprescindível para se beneficiarem com as manifestações afetuosas do amor e da verdade.


— A Terra é escola de fraternidade, ou penitenciária de regeneração?

— A Terra deve ser considerada escola de fraternidade para o aperfeiçoamento e regeneração dos Espíritos encarnados.

As almas que aí se encontram em tarefas purificadoras, muitas vezes colimam o resgate de dívidas assaz penosas. Daí o motivo de a maioria encontrar sabor amargo nos trabalhos do mundo, que se lhes afigura rude penitenciária, cheia de gemidos e de aflições.

A verdade incontestável é que os aspectos divinos da Natureza serão sempre magníficos e luminosos; porém, cada espírito os verá pelo prisma do seu coração. Mas, na dor como na alegria, no trabalho feliz como na experiência escabrosa, todas as criaturas deverão considerar a reencarnação um processo de sublime aprendizado fraternal, concedido por Deus aos seus filhos, no caminho do progresso e da redenção.


— Onde a causa da indiferença dos homens pela fraternidade sincera, observando-se que há geralmente em todos grande entusiasmo pela hegemonia material de seus grupos, suas cidades, clubes e agremiações onde se verifique a evidência pessoal?

— É que as criaturas, de um modo geral, ainda têm muito da tribo, encontrando-se encarceradas nos instintos propriamente humanos, na luta das posições e das aquisições, dentro de um egoísmo quase feroz, como se guardassem consigo, indefinidamente, as heranças da vida animal. Todavia, é preciso recordar que, após a eclosão desses entusiasmos, há sempre o gosto amargo da inutilidade no íntimo dos Espíritos desiludidos da precária hegemonia do mundo, instante esse em que a alma experimenta a dilatação de suas tendências profundas para o “mais alto”. Nessa hora, a fraternidade conquista uma nova expressão no íntimo da criatura, a fim de que o Espírito possa alçar o grande voo para os mais gloriosos destinos.


— Fraternidade e igualdade podem, na Terra, merecer um só conceito?

— Já observamos que o conceito igualitário absoluto é impossível no mundo, dada a heterogeneidade das tendências, sentimentos e posições evolutivas no círculo da individualidade. A fraternidade, porém, é a lei da assistência mútua e da solidariedade comum, sem a qual todo progresso, no planeta, seria praticamente impossível.


— Pode a fraternidade manifestar-se sem a abnegação?

— Fraternidade pode traduzir-se por cooperação sincera e legítima, em todos os trabalhos da vida, e, em toda cooperação verdadeira, o personalismo não pode subsistir, salientando-se que quem coopera cede sempre alguma coisa de si mesmo, dando o testemunho de abnegação, sem a qual a fraternidade não se manifestaria no mundo, de modo algum.


— Como entender o “amor a nós mesmos”, (Lv 19:18) segundo a fórmula do Evangelho?

— O amor a nós mesmos deve ser interpretado como a necessidade de oração e de vigilância, que todos os homens são obrigados a observar.

Amar a nós mesmos não será a vulgarização de uma nova teoria de autoadoração. Para nós outros, a egolatria já teve o seu fim, porque o nosso problema é de iluminação íntima, na marcha para Deus. Esse amor, portanto, deve traduzir-se em esforço próprio, em autoeducação, em observação do dever, em obediência às leis de realização e de trabalho, em perseverança na fé, em desejo sincero de aprender com o único Mestre, que é Jesus-Cristo.

Quem se ilumina, cumpre a missão da luz sobre a Terra. E a luz não necessita de outros processos para revelar a verdade, senão o de irradiar espontaneamente o tesouro de si mesma.

Necessitamos encarar essa nova fórmula de amor a nós mesmos, conscientes de que todo bem conseguido por nós, em proveito do próximo, não é senão o bem de nossa própria alma, em virtude da realidade de uma só lei, que é a do amor, e um só dispensador dos bens, que é Deus.