A senhora M. C., funcionária dos Correios de grande metrópole atendia à seleção da correspondência recolhida pela manhã, prelibando a festa marcada para a noite. A véspera do Natal lhe surgia excitante. Encontro alegre de amigos.
Separada do marido, depois de dois anos, promovia o desquite. Com ele, deixara o filho único e os ideais mais lindos de mulher. Escolhera uma profissão, vencendo as dificuldades por si mesma.
Agia com as mãos e pensava: “Hoje, renovarei o caminho. Um sonho diferente. Afinal, estou livre e posso aceitar obrigações para com outro homem. Partirei, de hoje em diante, para a formação de novo lar. Já disse tudo a ele e ele me compreendeu. É um rapaz desquitado, sofrido quanto eu mesma”.
Enquanto isso, os dedos tateavam cartas e jornais. Quase mecanicamente, revisava nomes, carimbos, anotações. Escolhia material, aqui e ali.
Em dado momento, um papel dobrado, sem envelope, lhe caiu aos pés. Apanhou-o. Uma folha simples com um endereço em letras desajeitadas: “Para Jesus — No Céu”.
A funcionária examinou o pequeno e estranho documento e, porque estivesse claramente aberto, mergulhou-se na leitura, de modo a inteirar-se de como devia agir e devorou o conteúdo, palavra por palavra:
“Querido Jesus.
Soube que o senhor é quem distribui presentes para todos no Natal. Muita gente acredita no Papai Noel, mas tia Belinda me disse que Papai Noel é o senhor mesmo.
Vou colocar esta carta na caixa do correio, pedindo uma cousa. Vou explicar.
Não queria que o senhor me desse brinquedos, nem mesmo o automóvel que vi na loja. Queria que o senhor me trouxesse minha mãe.
O senhor sabe que ela nos deixou porque sofria demais. De noite, quando meu pai chegava da rua, fechava a porta com força e xingava muito, porque havia tomado bebidas fortes. Dava pontapés nas cadeiras e depois avançava para ela querendo bater e, às vezes, até batia.
Mamãe chorava, abraçada comigo, mas, uma noite, ela saiu e não voltou mais. Fiquei muito triste e papai também. Ele é bom para mim, mas quando bebe diz que eu não presto, que vai me levar para um asilo ou para o hospital.
Estou doente, querido Jesus, mas estou na escola. Quando é de noite, sinto frio e tenho muita tosse. Tia Belinda e Dona Silvana cuidam de mim, mas não é a mesma cousa que minha mãe.
O senhor poderá encontrar mamãe e traze-la. Se o senhor falar com ela que estou doente, sem dormir de noite e tomando remédios, sei que ela virá.
Querido Jesus, não precisa mandar brinquedos nem bombons como no ano passado. Traga mamãe para mim.”
A senhora M. C. leu a assinatura engasgada de emoção. Chegara-lhe às mãos a missiva do filhinho de oito anos.
Recompunha o rosto, lavado em pranto, quando foi chamada ao telefone. Atendendo, disse apenas ao interlocutor que conversava no outro lado do fio:
— Agradeço, mas sinto muito. Não me espere mais. Tenho novos compromissos.
E, à noite, a senhora M. C. demandou o antigo lar. Recebida alegremente pelas duas senhoras que lhe chefiavam agora a casa, passou na sala de visitas pelo esposo que, embora embriagado, a cumprimentou, surpreendido.
Rapidamente, alcançou o quarto do filhinho, com a ansiedade de quem reencontra um tesouro perdido e o pequeno, ao vê-la, ergueu-se do leito, exclamando, feliz:
— Ah! Mamãe!… Mamãe!… Então Jesus recebeu minha carta e trouxe a senhora?!…
E ela somente respondeu, com o peito rebentando em lágrimas de ventura:
— Ah! meu filho!… meu filho!…