Palavras Sublimes

Capítulo XXVI

A obra dos espíritas



Irmãos, uma onda de inquietação e de amargura invade toda a Terra. As lutas fratricidas movimentadas pelas doutrinas políticas, na incompreensão sistemática das leis divinas, nodoam de sangue as bandeiras que separam os povos e o homem moderno, na mais intensificada abundância, sente o sopro frio da adversidade e da miséria, conduzindo-o para o esgotamento e para a morte.

A humanidade, no terreno material, nunca produziu tanto, e com tamanha facilidade, como nos anos que correm, e jamais sofreu tanta fome! Nunca as suas possibilidades científicas foram tão longe, como nos tempos atuais. Entretanto, jamais se revelou ela tão cética, caracterizando-se, os fenômenos evolutivos da sua marcha, pelas mais terríveis e ominosas perversidades. Considerando a diferenciação das épocas, estabelecidas pelas balizas da História, o homem do século XX reconhece que o homem primitivo era mais pacífico e mais venturoso.

A causa, porém, de tamanhos amargores que infelicitam a alma coletiva de todos os povos, não nos cansemos de repeti-lo, tem suas raízes profundas no esquecimento, por parte das criaturas, do quanto diz respeito às lições do Evangelho.

Será, debalde, que surjam reformadores à revelia do que já nos foi ensinado há dois mil anos? Todas as perquirições filosóficas que não buscarem no divino Mestre as raízes e a bússola dos seus trabalhos serão apenas fenômenos esporádicos e transitórios das atividades e cogitações de alcance meramente humano.

Ninguém poderá ultrapassar o código divino. O que se faz preciso, na época atual, é a aplicação integral dos princípios desse código.

Todos os sofrimentos que excruciam as nações e as criaturas, tomadas de penosos assombros ante a perspectiva ameaçadora e funesta da guerra, serão eliminados ao preço de experiências sagradas, nas quais o ensinamento de Jesus ressurgirá de todos os escombros para consagrá-lo à personificação de toda a verdade.

Os governos hão de reformar-se adentro desse plano de afinação de todos os espíritos ao ritmo evangélico do Mestre e até que isso se verifique a dor haverá de acepilhar piedosamente os corações.

A atualidade está repleta de arautos e mensageiros novos. Os mais absurdos princípios políticos e religiosos são propagados no mundo em face do esquecimento geral daquela advertência de que haveria falsos cristos. E o homem se entrega a todos os desvairamentos, olvidando que antes das disciplinas austeras dos tempos medievais, em que as criaturas se recolhiam aos conventos fugindo aos méritos da luta e à vitória sobre os pecados, antes dos enunciados do contrato social, antes do verbo de Mirabeau, que proclamava os direitos do homem na Revolução de 93 [Revolução Francesa 1789-1799], e antes que todos os Lenine e Marx engendrassem a teoria do homem econômico à base do materialismo dissolvente na ânsia de solucionar os grandes problemas da sociedade universal e da fraternidade humana, já uma voz, naquela Galileia humilde e agreste, havia ensinado o “amai-vos uns aos outros, amai-vos como eu vos amei”. (Jo 13:34)

Assim, pois, no problema das fórmulas sociais e políticas, tudo se encontra teoricamente resolvido no Evangelho. O que tem faltado, em todos os séculos assinaladores da rota humana, são os aplicadores desses divinos princípios. As doutrinas religiosas, depositárias do pensamento diretor dos tempos apostólicos, se entregaram às mais lamentáveis defecções espinhais. O princípio do auri sacra fames [sagrada fome de ouro] foi o começo de toda a deturpação do Cristianismo. E depois da fome do ouro criou-se, em todos os setores da atividade humana, a teoria do homem-lobo, do homem que devora o semelhante no mais esconso caminho da ambição, do impiedoso egoísmo!

, meus amigos, digo, em vos falando aqui, no templo bendito de nossas preces, que se elevam para Deus em volutas divinas, é a tarefa da restauração, da reconstrução da hora presente, prenhe de apreensões e sombras angustiosas.

A vossa civilização armamentista cresceu com todas as grandezas possíveis, esquecendo que terá de perecer no seu fastígio, humilhada e oprimida por sua própria vaidade e ignorância pervicaz na repulsa ao Evangelho. Aquele templo, do qual não ficaria pedra sobre pedra nas afirmações do evangelista, (Mt 24:2) de modo algum pode ser a igreja minúscula da Judeia. Esse edifício, que terá de fender-se e desmoronar de alto a baixo, é o do farisaísmo contemporâneo, no qual, em nome da justiça, do amor, da liberdade e da fraternidade tantas ignomínias se vão praticando.

A hora se aproxima, vem soando devagarinho. Cumpre que os bons trabalhadores se identifiquem plenamente na aplicação e no ensino exemplificado do Evangelho.

Não vos esqueçais de que todos os patrimônios materiais são expressões transitórias do mundo. Atentai, ao invés, na obra espiritual, a única que se eterniza no âmbito das atividades humanas, tantas vezes deslocadas para a semeadura entre espinheiros.

Antes das obras, é preciso lançar os fundamentos da verdade nos corações. A humanidade está tomada de profundas desilusões, em face dos monumentos e das obras grandiosas. Grandes, sim, mas frios, uns e outros, frios em si mesmos, porque destituídos de qualquer vibração de espiritualidade! Que a Deus praza derramar sobre todos a Sua bênção e que o manto misericordioso da Mãe de todas as mães vos agasalhe e proteja!

Senhor, bom e divino Mestre, dá aos trabalhadores de Ismael a inspiração profunda de tuas verdades! Vela pela tua casa, Senhor, onde todos os corações te veneram e te amam!

Concede clarividência aos que militam nos labores da tua seara na Terra e protege-os da investida das ondas reacionárias do mundo!

Que a Casa de Ismael possa cumprir seu glorioso destino, elevando bem alto a sua bandeira branca, de paz, na qual o trinômio “Deus, Cristo, Caridade” se gradua em penhor seguro de suas vitórias! Que dentro desse símbolo, Senhor, possam os seus irmãos servir à tua casa na Terra, e que todos eles possam receber o suave bafejo da tua piedade, do teu amor, da tua misericórdia e do teu perdão!




Reformador — 16 de abril de 1937.


Segundo consta do original, a mensagem foi recebida na FEB, em sessão pública do dia 2 de abril de 1937.