Poetas Redivivos

Capítulo XCIV

Essa mendiga…



Essa mendiga que passa

Vestida de trapo ao vento,

De rosto cansado e atento

Aos óbolos que lhe dão…

Quem sabe porque te busca,

Na dorida caminhada,

Para deter-se humilhada,

Pedindo socorro e pão?


Não digas: “mulher da rua”,

Nem penses “mulher sem jeito”.

Guarda silêncio e respeito

Se nada tens para dar,

Que essa pobre, onde aparece,

Tem a tristeza por guia,

Por refúgio, a noite fria,

E, às vezes, o chão por lar.


Ao recebê-la, medita

Em tua mãe viva ou morta,

Jamais lhe cerres a porta,

Nem lhe indagues de onde vem;

Dá-lhe um momento de apoio

A marcha triste e insegura,

Em meio da desventura,

Talvez seja mãe também.


Recorda a infância risonha

Em tua casa florida,

As horas plenas de vida,

A mesa farta ao dispor…

As doces lições da escola,

Entre o recreio e a merenda,

A bola, a peteca, a prenda

Nos brincos de puro amor!…


Lembra a ternura materna,

Como estrela, em toda parte,

Teu pai chegando a beijar-te

Aos meigos abraços teus…

Durante o dia, os folguedos

Que a segurança entretece,

De noite, a bênção da prece

E o sono pensando em Deus.


Reconsidera contigo

Que essa mulher, entretanto,

Nasceu num berço de pranto

E de pranto vive assim…

Cresceu, rogando na rua

O pranto da vida amarga,

Sem que lhe visses a carga

De mágoas quase sem fim.


Acolhe-a com caridade,

Restaura-lhe a força e dize

A frase que lhe amenize

O peso da própria cruz.

Deus te manda essa mendiga,

A fim de saber, ao certo,

Se estás mais longe ou mais perto

Da redenção com Jesus.