Ante nossa acalorada conversação para definir o Testamento de Jesus-Cristo, o ancião de olhos lúcidos, complacente e humilde, esclareceu:
— O Evangelho, meus filhos, pode ser comparado a uma árvore divina, produzindo sementes de vida eterna, sustentada pelo Senhor junto às fontes do tempo…
Todos os viajores humanos que se abeiraram dela, aproveitaram-lhe os dons de maneira diferente.
Adorou-a um sacerdote, colheu-lhe preciosa tinta na seiva e escreveu muitas livros, expondo seus pontos de vista com referência à Soberana Lei, tornando-se, por isso, poderoso condutor de almas.
Apareceu um filósofo e consagrou-se ao exame de suas menores particularidades, pondo-se em atitude de interminável indagação.
Visitou-a um geneticista que se revelou fascinado pela ofuscante luz de suas raízes, mergulhando-se em estudos complexos, sem cogitar das horas.
Procurou-a um pregador de frases corretas e escalou-lhe o tronco, improvisando nele luminosa tribuna em que passou a ensinar o roteiro do bem aos caminhantes.
Aproximou-se um pastor e retirou-lhe pequeno ramo que transformou em vara disciplinadora para as ovelhas.
Veio um negociante, recolheu-lhe as folhas curativas e montou vasto empório de remédios tonificantes, adquirindo imensa fortuna.
Passou um pintor, contemplou-lhe a beleza e compôs maravilhosos painéis, conseguindo, ao vendê-los, a prosperidade e a fama.
Apareceu um escultor hábil, seccionou-lhe alguns galhos robustos e converteu a delicada madeira em primorosas estátuas que o encheram de riqueza e renome.
Surgiu um polemista, anotou-lhe a posição no solo e fez minuciosa estatística de todas as suas possibilidades, de modo a discutir com base sólida as ideias que pretendia oferecer aos semelhantes.
Apareceu infortunado vagabundo que se lhe ajoelhou à sombra acolhedora e dormiu satisfeito.
Veio um doente desesperado que lhe fixou as flores perfumosas e arrancou-as, ansioso, a fim de obter um elixir de consolação.
Cada qual se uniu à árvore preciosa, satisfazendo os propósitos de que se sentiam possuídos; todavia, embora dessem o máximo de seus esforços à obra do progresso coletivo, em tarefas respeitáveis, continuavam sempre radicados ao campo inferior da vida, atormentados pelos interesses que os ligavam entre si.
Eis, porém, que surge um homem diferente. Caracterizado por grande boa vontade, não exibe título algum, a não ser indiscutível disposição à fraternidade real. Admirou com simpatia o sacerdote, o filósofo, o geneticista, o pregador, o pastor, o negociante, o pintor, o escultor, o polemista, o vagabundo e o doente e, após longa meditação, abraçou-se respeitosamente à árvore, colheu-lhe os frutos e comeu-os. Seus olhos iluminaram-se. Fez-se mais sereno, mais forte e mais digno. E, em silêncio, passou a servir a todos, em nome do Divino Pomicultor. Como persistisse trabalhando abnegadamente, sem ser catalogado na convenção do serviço terrestre, determinou o Mestre fosse chamado Discípulo, com vantagens ocultas no Céu.
O velhinho interrompeu-se, sorriu e rematou:
— Segundo reconhecemos, o Evangelho permanece entre nós. Em derredor de sua claridade, porém, toma cada aprendiz o título que deseja.
E, antes que pudéssemos interpelá-lo para mais amplo esclarecimento do apólogo, fez significativo gesto de adeus e seguiu adiante.