Pontos e Contos

Capítulo XVII

Resposta de companheiro



Meu amigo, pede você um roteiro de nosso Plano, que lhe sirva às incursões no campo mediúnico. “A região é quase inexplorada, as surpresas imensas” — diz você desalentado.

Como os velhos portugueses do litoral do Brasil, que perdiam longo tempo, antes de enfrentar a selva fascinante, seus olhos contemplam a magnitude do continente espiritual, sentindo-se você incapaz do serviço de penetração, na terra maravilhosa dos novos conhecimentos. Observa as possibilidades infinitas de realização, a grandeza do serviço a fazer; entretanto, a incerteza impede-lhe a marcha inicial.

Sabe você que os sacrifícios não serão reduzidos. Os bandeirantes antigos, para semearem a civilização no oceano verde, sofreram, muita vez, privações e dificuldades, solidão e angústia indizíveis. Os pioneiros da espiritualidade, nos tempos modernos, para distribuírem a nova luz, na floresta dos sentimentos humanos, não devem nem podem aguardar excursões pacíficas e felizes na esfera imediatista. Experimentarão igualmente os choques do meio, sentir-se-ão quase sós, padecerão a sede do espírito e a fome do coração.

Tochas acesas contra as sombras da ignorância e do convencionalismo inferior, sofrem o desgaste natural de suas possibilidades e energias.

Quem se abalance, pois, no ideal de servir, no campo da mediunidade, espere por lutas árduas de purificação.

A técnica da cooperação com a espiritualidade superior não é diferente daquela que norteia as atividades dos realizadores do progresso humano. É razoável que o individualismo aí prepondere, como coloração inalienável da ação pessoal no trabalho a desenvolver; todavia, esse individualismo deve ajustar-se aos imperativos do supremo bem, apagando-se, voluntariamente, com alegria, para que as claridades da vida mais alta se destaquem no quadro penumbroso da atividade terrestre.

Não é o fenômeno desconcertante e indiscutível a base fundamental da obra. É o espírito de boa vontade, de sacrifício e renunciação. Ser o medianeiro de fatos transcendentes, que constituam alicerce de grandes e abençoadas convicções, é admirável tarefa, sem dúvida. No entanto, se as demonstrações obedecem a impulsos mecânicos, sem o condimento da compreensão elevada, no setor da responsabilidade, do serviço e do amor fraterno, toda a fenomenologia se reduz a fogo-fátuo. Impressiona e comove, durante a festa, para cair no absoluto esquecimento, nas horas seguintes.

Não basta iniciar a edificação para que o trabalho se realize. É indispensável saber prosseguir e saber terminar. Imprescindível compreender também nesse capítulo que todos os homens do mundo são médiuns, por serem intermediários do bem ou do mal.

As fontes do pensamento procedem de origens excessivamente complexas. E, nesse sentido, cada criatura humana, nos serviços comuns, reflete o núcleo de vida invisível a que se encontra ligada de mente e coração. Não nos cansaremos de repetir que as esferas dos encarnados e desencarnados se interpenetram em toda parte.

Não posso desviar-me, contudo, da linha essencial de sua consulta fraterna. Você, em suma, deseja informar-se quanto ao processo mais eficiente de atender aos imperativos do bem, no intercâmbio com o Plano invisível, e, em face de seu desejo, nada tenho a aconselhar-lhe senão que intensifique sua capacidade receptiva, dilatando conhecimentos, elevando aspirações, purificando propósitos e quebrando a concha do personalismo inferior para poder refletir o infinito.

Mediunidade é sintonia. Cada mente recebe segundo a natureza e extensão da onda de sentimento que lhe é própria.

Subamos, desse modo, a montanha do conhecimento e da bondade. Ajustemo-nos à esfera superior da vida, para merecermos a convivência dos Espíritos Superiores. A virtude primordial em semelhante tarefa não consiste, substancialmente, em ser médium, mas em ser trabalhador fiel do bem, instrumento do Divino Amor, onde quer que você se encontre.

Na execução desse programa, encontrará contínuo engrandecimento de poder espiritual.

Guarde a harmonia de seu vaso físico, faça mais luz em sua mente, intensifique o amor em seu coração e o trabalho será sempre mais lúcido, mais sublime.

Quanto às arremetidas dos descrentes e ironistas do mundo, não se prenda ao julgamento que lhes é peculiar. São mais infelizes que perversos. Em todos os tempos, tanto riem como choram, inconscientemente. Não emito semelhante conceito, para envolver-me em fumaças de superioridade; é que também me demorei longo tempo entre eles, e conheço, de experiência própria, os sorrisos e lágrimas do picadeiro da ignorância.

Siga, portanto, seu caminho, estudando com o Mestre Divino e ouvindo a própria consciência.

Não serei eu, pobre amigo do Plano espiritual, quem lhe vá traçar diretrizes.

No fundo, o que você deseja é o encontro divino com o Senhor, o ideal que me impulsiona agora o espírito de pecador.

Em vista disso, ouçamos juntos a advertência do Evangelho:

— “Negue cada qual a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” (Lc 9:23)

Tem você suficiente disposição para satisfazer o sagrado apelo? Quanto a mim, esteja certo de que, não obstante a condição de alma do outro mundo, é o que estou procurando fazer com toda a sinceridade do coração.


(.Humberto de Campos)