Uberaba, 8 de agosto de 1969.
Minha querida mãe, lance sobre mim a sua bênção e ajude seu filho sofredor.
Estou aqui. De que modo não sei. Trazido como um doente que enlouquecesse e foi recolhido à cela de tratamento obrigatório, mas trazido pelo seu carinho e pelo de minha outra mãe, a querida tia Tereza, por minutos a fim de rogar perdão e paciência.
Desde o dia 16 de março entrei num martírio sem saber que tempo estou. Escuto apenas a explosão, como se eu mesmo destruísse o mundo — o mundo que Deus me deu no corpo que eu tinha.
Terrível o suicídio, dura lição, horrível prova, mas não estou aqui para fazê-las chorar e, sim, para dizer-lhes que vivam.
Não queiram morrer, não queiram uma despedida forçada, ninguém morre.
Pensei erradamente. Loucura de rapaz inconformado, sem disposição para trabalho e sacrifício.
Não julguem que alguém me tenha ferido. Foi só o medo de viver que me acovardou.
Carregava conflitos do sentimento que supus tão grandes quando eram somente pequeninas alfinetadas que me ajudariam a progredir.
Rebelei-me mãezinha, até contra … Deus, rebelando-me contra a vida e pago muito caro a decisão de criança irrefletida.
Muitos disseram que havia-me rendido à tentação, porque a senhora, com tanta razão, se casou de novo. Isso não é verdade. A senhora fez o que devia.
Procurou em nosso Moacir um companheiro e um protetor para a travessia do mundo. E encontrei nele o pai que cedo me faltou.
Não, mãezinha. Até mesmo o pai Ademar ajudou a senhora a tomar nova companhia. E graças a Deus, vejo-a feliz.
O que sucedeu é que seu filho enlouqueceu, de repente.
Quando a aconselhei com carinho a tomar nova fé, pressentia que essa fé me transformaria, afastando-me à vocação do suicídio, e fugia — fugia de tudo o que me pudesse salvar.
A responsabilidade, mãezinha, me pertence por inteiro, mas se a senhora e a tia Tereza ficarem conformadas, terei forças novas.
Meu pai Ademar e vovó Iracema são aqui meus novos pais. Ampararam-me e estão comigo no sanatório de onde vim por momentos para trazer-lhes a certeza de que vocês duas precisam e devem viver.
Temos tanta gente sofrendo mais, muito mais do que nós. Por que não vi antes? Simplesmente porque a rebeldia me tomara de assalto.
Ah! Mãezinha, fique tranquila e esqueça. Abrace vida nova e trabalhe. Faça seus estudos do Espiritismo e ampare os filhos das outras mães! Quantos deles se encontram entre a penúria e o desequilíbrio!
A senhora e tia Tereza queriam que eu estudasse mais, que não permanecesse tão só no laboratório, entretanto, contrariei-as para meu sofrimento próprio.
De agora em diante, porém, serei outro. E logo que o barulho me deixar a cabeça e asserenar o coração, serei de novo, seu filho.
Caminharei ao seu lado, lembrando as preces que a sua ternura e o carinho de minha querida tia me puseram nos lábios, ensinando-me a esperar por Deus de mãos postas.
Serei um novo homem. Cuidarei do futuro e saberei sofrer, sem revolta, em meu próprio proveito.
Perdoem-me se lhes trago lágrimas novas. Elas são diferentes, choro também aqui, mas de espírito aliviado, aguardando a bênção com que me consolarei.
Trabalhem. Façam por mim o que ainda não posso fazer.
Ensinem que o suicídio é um despenhadeiro nas trevas e digam a quantos sofram no mundo que a dor é bendita e que a vida se aperfeiçoa por ela em nome de Deus.
Os amigos que me trouxeram não me permitem escrever mais. Orem por mim, mas confiem no filho que o sofrimento está renovando.
E se posso trazer algo a vocês — minhas duas mães do coração — se posso oferecer-lhes alguma cousa, ofereço a promessa de ser melhor amanhã.
Recebam todo o carinho e arrependimento, com muito amor e confiança do filho reconhecido.
José Teodoro Caldeira
Publicada em “O Triângulo Espírita” Uberaba, Ano 3, nº 27, 15 de Março de 1970, sob o título “Jovem suicida dá interessante comunicação”.