Eis hoje, caro José, Meu singelo parecer. Em carta você me fala Que só deseja morrer. E anota com insegurança, Dizendo espantado a mim: — “Você me diga, Cornélio, Se estou certo agindo assim.” Tal assunto em sua ideia, Tão lúcida quão travessa Realmente não entendo Como lhe vem à cabeça. Posso afirmar-lhe, de pronto, Na força de nossa fé: — — Reajuste o próprio passo, Não tente a morte, José. Quem se esquece de viver, Pensando em fim prematuro, Acaba sem perceber Caindo em salto no escuro. Observe a Natureza: Toda a vida se processa Para serviço no tempo Que não cogita de pressa. O sol não registra idade, A noite prepara o dia, O fruto surge na hora, Relógio não se abrevia. Não falha a Obra de Deus Cuja lei é a perfeição, Todos temos lugar próprio, Da estrela aos vermes do chão. Morte, em si, é um velho marco Na estrada de toda gente, Aceitá-la é conformar-se, Provocá-la é diferente. A Terra é um navio grande Nas águas do Amor Divino, Quem sai dele contra a ordem, Noutro barco é clandestino. E quem se faz clandestino, No grau em que se subleva, Encontra rudes lições No caminho a que se leva. Vivia pedindo a morte Nossa amiga Dona 1nês, Achei-a pior no Além, Rogando um corpo outra vez. Desanimou de viver Nhô Nico da Tanajura, Morreu mas vive isolado Nas pedras da sepultura. Xingando os filhos ingratos Nhá Quina morreu aos poucos, Mas vive cuidando agora Dos netos muito mais loucos. Por não suportar a nora, Finou-se Olavo Vilela, No Além não acha serviço A não ser velar por ela. Em não se ajustando ao genro, Morreu Pio Avanhandava, Hoje em dia quer ser filho Do genro que detestava. Por odiar a família Morreu Marcelino Gaza, Hoje, em luta, descobriu Que está preso à própria casa. Para fugir do trabalho Finou-se o Juca Pulchério, Mas hoje só sente paz Se fica no cemitério. Morreu Lino por pirraça Contra a esposa Ana Sarmento, Agora corre atrás dela, Gritando arrependimento. Conserve o seu próprio corpo, É a medida que lhe peço; Ele é seu campo de luta, Sua enxada de progresso. Não se descuide da Vida Nem viva no mundo às tontas, A morte nos muda a casca Mas não nos resolve as contas. A morte que traz descanso, Paz, reconforto, alegria É aquela que nos procura E chega sempre no dia. |