Roteiro

Capítulo XVIII

Evangelho e exclusivismo



(“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” — Jo 13:35)


Quase todos os santuários religiosos divididos entre si, na esfera dogmática, isolam-se indebitamente, disputando privilégios e primazias. E até mesmo nos círculos da atividade cristã, o espírito de exclusivismo tem dominado grupos de escol, desde os primeiros séculos de sua constituição.

Em nome do Cristo, muitas vezes a tirania política e o despotismo intelectual organizaram guerras, atearam fogueiras, incentivaram a perseguição e entronizaram a morte.

Pretendendo representar o Mestre, que não possuía uma pedra onde repousar a cabeça dolorida, o Imperador Focas estabelece o Papado, em 607, exalçando a vaidade romana. Supondo agir na condição de seus defensores, Godofredo de Bulhão e Tancredo de Siracusa organizam, em 1096, um exército de 500.000 homens e estimulam conflitos sangrentos, combatendo pela reivindicação de terras e relíquias que recordam a divina passagem de Jesus pela Terra. Acreditando preservar-lhe os princípios salvadores, Gregório IX, em 1231, consolida o Tribunal da Inquisição, adensando a sombra e fortalecendo criminosas flagelações, no campo da fé religiosa. Convictos de garantir-lhe a Doutrina, os sacerdotes punem com o suplício e com a morte valorosos pioneiros do progresso planetário, quais sejam Giordano Bruno e João Huss.

Semelhantes violências, todavia, não passam de manifestações do espírito belicoso que preside às inquietudes humanas.

Cristo nunca endossou o dogmatismo e a intransigência por normas de ação.

Afirma não haver nascido para destruir a Lei Antiga, mas para dar-lhe fiel cumprimento.

Não hostiliza senão a perversidade deliberada.

Não guerreia.

Não condena.

Não critica.

Combate o mal, socorrendo-lhe as vítimas.

Dá-se a todos.

Ensina com paciência e bondade o caminho real da redenção.

Começa o ministério da palavra, conversando com os doutores do Templo, e termina o apostolado, palestrando com os ladrões.

A ninguém desdenha e os transviados infelizes lhe merecem mais calorosa atenção.

Prepara o espírito dos pescadores para os grandes cometimentos do Evangelho, com admirável confiança e profunda bondade, sem exigir-lhes qualquer atestado de pureza racial.

Auxilia mulheres desventuradas, com serenidade e desassombro, em contraposição com os preconceitos do tempo, trazendo-as, de novo, à dignidade feminina.

Não busca títulos e, sim, inclina-se, atencioso, para os corações.

Nicodemos, o mestre de Israel, e Bartimeu, o cego desprezado, recebem d’Ele a mesma expressão afetiva.

A intolerância jamais compareceu ao lado de Jesus, na propagação da Boa Nova. O isolacionismo orgulhoso, na esfera cristã, é simples criação humana, fadado naturalmente a desaparecer, porque, na realidade, nenhuma doutrina, quanto o Cristianismo, trouxe, até agora, ao mundo atormentado e dividido os elos de amor e luz da verdadeira solidariedade.