Sementeira de Paz

Capítulo XXV

Um jovem procurou um mestre



14/08/1946


Rômulo, meu filho, Deus abençoe a você, concedendo-lhe saúde e paz no desdobramento de seus serviços de fiel trabalhador.

Estimei ontem a sua procura de luz, como, aliás, venho fazendo, de há muito, desde a consolidação de meus passos dentro da nova esfera a que fui chamado a viver. É a busca curiosa do espírito, meu filho, essa aflição bendita de claridade. Que Jesus abençoe o seu esforço.


Reza uma lenda antiga, creio, entre os hindus, que pedindo-lhe admissão à sabedoria. O ancião sorriu e perguntou-lhe diversas vezes se esse constituía, de fato, o seu propósito. O candidato respondeu afirmativamente. Então o sábio conduziu-o às águas profundas de um rio próximo e compeliu-o ao mergulho, durante longos segundos. O rapaz afligiu-se, torturou-se, debateu-se e sofreu, até que o instrutor o trouxesse, de novo, à luz.

Observando-o inquieto e amargurado, o orientador dirigiu-lhe a palavra:

— Ouve, filho meu! Quando te encontravas na profundidade, que desejavas? Riquezas, honrarias, prazeres, benefícios, beleza, satisfação a teus próprios caprichos?

— Não, nada disso! — respondeu o candidato. — Que desejavas então?

— Ar! Queria ar!

O velhinho tornou a sorrir e terminou:

— Assim é o problema da sabedoria. Para que lhe obtenhas a luz, é preciso desejá-la tão ardentemente, tão profundamente, como sentias sede de ar, sob a grossa corrente das águas.


Por isso mesmo digo que estimei o seu propósito ardente de ontem. Não que seu pai e seu amigo aprovem o anseio reiterado, filho da renúncia vazia e irmão da tortura improdutiva. Apreciei, sim, a essência do seu gesto, a sinceridade de sua atitude e a fome de seu coração, porque nasciam do puro desejo de elevação para o serviço melhor. Não queria você aquisições que atendessem a propósitos egoísticos e sim enriquecimento de percepções para ser mais útil. E porque a sua sinceridade era indiscutível, não houve ruído de vibrações, nem mudança de paisagem exterior, mas uma voz sublime conversou com o seu espírito, no grande silêncio. Nas sessões de efeitos físicos, os mensageiros espirituais costumam aproveitar as emissões de som produzidas pelos encarnados. Ontem, porém, os seus amigos aproveitaram as emissões do Evangelho para palestrarem com você, de espírito a espírito. Seus ouvidos e seus olhos carnais permaneceram sem elementos novos referentemente ao domínio material, mas sua consciência iluminou-se de súbito, seu coração inclinou-se, reconhecido e feliz. Tão poucas eram as palavras e tão grandes eram os efeitos! Retirou-se você, por fim, à consideração dos problemas cotidianos, assombrado, como o viajor que recebe novos roteiros para a jornada. Sim, meu filho, você ganhou infinitamente! Seu espírito avançou muito no pensamento para poder receber aquela pequena mensagem evangélica. Muitos, aliás, milhões de almas, leem o livro divino. Raras, contudo, devoram as distâncias psíquicas no mundo de si mesmas para lhe receberem a luz. Abençoado seja o seu esforço. Continue dispondo o seu vaso perispiritual, isto é, conserve sempre a sua alma em atmosfera receptiva, porque o entendimento de espírito a espírito prosseguirá com benefícios para você e para nós, que tanto o amamos. Em toda parte encontramos ligações espirituais entre os encarnados que nos estimam a conversação com eles. Raramente encontramos os que se dispõem a conversar conosco. Pretendem palestras e entendimentos de homem a homem, de criatura a criatura, de coração a coração, mas sentem enorme dificuldade para a conversação de espírito a espírito, compreende? Essa a importância de sua descoberta da véspera. Num dos tópicos da mesma epístola paulina, você encontrará, creio que no Gl 4:6, informações sobre “escravos e filhos” — os primeiros necessitam de tutores e curadores para se movimentarem nos campos da vida, os segundos, no entanto, são livres para se aproximarem dos desígnios do Pai, porquanto elevam-se no padrão do entendimento. Prosseguindo em seus esforços espirituais, você compreenderá melhor, em breve tempo, o seu título “de filho” — em vista de que todos somos “filhos de Deus”, mas a maioria se constitui, na Terra, de crianças, pela posição evolutiva inicial ou de escravos, em virtude dos débitos pesados que inúmeros companheiros fazem questão de cultivar. Continue trabalhando nessa semeadura de sua própria “terra interior”. Um dia, maravilhar-se-á com a abundância e a preciosidade dos frutos. Que Deus o abençoe.

Quanto à palestra havida, estamos de acordo com as ideias trocadas ainda há poucos minutos. O problema da mediunidade é complexo e faz-se preciso diferenciar mediunidades de tarefas. A certeza de que muitas tarefas, desenvolvidas simultaneamente, prejudicaria o esforço geral foi muito bem lembrada e deve servir como incentivo à coragem e à paciência, à confiança em Deus e à serenidade entre os homens.

Em sua viagem próxima, procure, de quando em quando, a solidão e continue com as suas aplicações de autoassistência, no que se refere ao magnetismo. Suas conquistas orgânicas representam motivo de muita satisfação para nós. Em serviço, guarde seu bom humor e sua alegria, recordando ainda a lição de ontem. O “aperfeiçoamento na carne” é mais extenso. Muita gente com responsabilidade nos serviços terrestres está apenas “exercitando na carne” para aprender a servir mais tarde. E é bom lembrar isso numa exposição de animais, porque esses dão o que podem e o que têm, fazendo muito para ministrar alimento à organização física dos homens. E pode crer que nenhum deles perde no jogo do sacrifício. Ganham sempre mais, elevando-se individualmente no setor de evolução a que pertencem.

Quanto ao Rio, façamos segundo o combinado. Não se incomode por apelar, pedir e reiterar. Ainda aí recordemos o “pão na água” das lições bíblicas. Atire a sua solicitação como quem atira a boa semente. Sei que isso custa muito ao seu temperamento, mas coloque os três amados que o Senhor confiou ao seu coração nestes anos de luta e se o pedido não é por você será por eles, que lhe merecem o sacrifício. Que Jesus nos abençoe.

Conduza também, ao sair, os elementos homeopáticos de sempre. Farão muito bem, em qualquer eventualidade, em que sua saúde ou a saúde de outrem os reclamem.

Boa noite, meu filho. Hoje ainda pretendo ver Maria, Wanda e Roberto, reafirmando em espírito o meu abraço ao nosso amigo General Aurélio. É compreensível que um amigo desencarnado só visite a estas horas, quando a alma dos companheiros se desligue, de alguma sorte, dos interesses mais imediatos da vida humana. De qualquer modo, estamos sempre tentando a palavra “de espírito a espírito”. Que a Providência guarde o seu coração, agora e sempre, enchendo o seu caminho de paz e luz divina, é o desejo muito sincero do papai,