Missionários da Luz

Capítulo I

O psicógrafo



Encerrada a conversação, referente aos problemas de intercâmbio com os habitantes da Esfera carnal, o Instrutor Alexandre, que desempenha elevadas funções em nosso Plano, dirigiu-me a palavra, gentilmente:

— Compreendo seu desejo. Se quiser, poderá acompanhar-me ao nosso núcleo, em momento oportuno.

— Sim, — respondi, encantado, — a questão mediúnica é fascinante.

O interlocutor sorriu benevolentemente e concordou:

— De fato, para quem lhe examine os ascendentes morais.

Marcou-se, mais tarde, a noite de minha visita e esperei os ensinamentos práticos, alimentando indisfarçável interesse.

Surgida a oportunidade, vali-me da prestigiosa influência para ingressar no espaçoso e velho salão, onde Alexandre desempenha atribuições na chefia.

Dentre as dezenas de cadeiras, dispostas em filas, somente dezoito permaneciam ocupadas por pessoas terrestres, autênticas. As demais atendiam à massa invisível aos olhos comuns do Plano físico.

Grande assembleia de almas sofredoras. Público extenso e necessitado.

Reparei que fios luminosos dividiam os assistentes da região espiritual em turmas diferentes. Cada grupo exibia características próprias. Em torno das zonas de acesso, postavam-se corpos de guarda, e compreendi, pelo vozerio do exterior, que, também ali, a entrada dos desencarnados obedecia a controle significativo. As entidades necessitadas, admitidas ao interior, mantinham discrição e silêncio.


Entrei cauteloso, sem despertar atenção na assembleia que ouvia, emocionadamente, a palavra generosa e edificante de operoso instrutor da casa.

Grande número de cooperadores velavam, atentos. E, enquanto o devotado mentor falava com o coração nas palavras, os dezoito companheiros encarnados demoravam-se em rigorosa concentração do pensamento, elevado a objetivos altos e puros. Era belo sentir-lhes a vibração particular. Cada qual emitia raios luminosos, muito diferentes entre si, na intensidade e na cor. Esses raios confundiam-se à distância aproximada de sessenta centímetros dos corpos físicos e estabeleciam uma corrente de força, bastante diversa das energias de nossa Esfera. Essa corrente não se limitava ao círculo movimentado. Em certo ponto, despejava elementos vitais, à maneira de fonte miraculosa; com origem nos corações e nos cérebros humanos que aí se reuniam. As energias dos encarnados casavam-se aos fluidos vigorosos dos trabalhadores de nosso Plano de ação, congregados em vasto número, formando precioso armazém de benefícios para os infelizes, extremamente apegados ainda às sensações fisiológicas.

Semelhantes forças mentais não são ilusórias, como pode parecer ao raciocínio terrestre, menos esclarecido quanto às reservas infinitas de possibilidades além da matéria mais grosseira.


Detinha-me na observação dos valores novos de meu aprendizado, quando o meu amigo, terminada a dissertação consoladora, me solicitou a presença nos serviços mediúnicos.

Demonstrando-se interessado no aproveitamento integral do tempo, foi muito comedido nas saudações.

— Não podemos perder os minutos, — informou.

E, designando reduzido grupo de seis entidades próximas, esclareceu:

— Esperam, ali, os amigos autorizados.

— À comunicação? — Indaguei.

O instrutor fez um sinal afirmativo e acrescentou:

— Nem todos, porém, conseguem o intuito à mesma hora. Alguns são obrigados a esperar semanas, meses, anos…

— Não supunha tão difícil a tarefa, — aduzi, espantado.

— Verá, — falou Alexandre, gentil.

E dirigindo-se para um rapaz que se mantinha em profunda concentração, cercado de auxiliares de nosso Plano, explicou, atencioso:

— Temos seis comunicantes prováveis, mas, na presente reunião, apenas compareceu um médium em condições de atender. Desde já, portanto, somos obrigados a considerar que o grupo de aprendizes e obreiros terrestres somente receberá o que se relacione com o interesse coletivo. Não há possibilidade para qualquer serviço extraordinário.

— Julguei que o médium fosse a máquina, acima de tudo, — ponderei.

— A máquina também gasta, — observou o instrutor, — e estamos diante de maquinismo demasiadamente delicado.

Fixando-me a expressão espantadiça, Alexandre continuou:

— Preliminarmente, devemos reconhecer que, nos serviços mediúnicos, preponderam os fatores morais. Neste momento, o médium, para ser fiel ao mandato superior, necessita clareza e serenidade, como o espelho cristalino dum lago. De outro modo, as ondas de inquietude perturbariam a projeção de nossa espiritualidade sobre a materialidade terrena, como as águas revoltas não refletem as imagens sublimes do céu e da natureza ambiente.


Indicando o médium, prosseguiu o orientador, com voz firme:

— Este irmão não é um simples aparelho. É um Espírito que deve ser tão livre quanto o nosso e que, a fim de se prestar ao intercâmbio desejado, precisa renunciar a si mesmo, com abnegação e humildade, primeiros fatores na obtenção de acesso à permuta com as regiões mais elevadas. Necessita calar, para que outros falem; dar de si próprio, para que outros recebam. Em suma, deve servir de ponte, onde se encontrem interesses diferentes. Sem essa compreensão consciente do espírito de serviço, não poderia atender aos propósitos edificantes. Naturalmente, ele é responsável pela manutenção dos recursos interiores, tais como a tolerância, a humildade, a disposição fraterna, a paciência e o amor cristão; todavia, precisamos cooperar no sentido de manter-lhe os estímulos de natureza exterior, porque se o companheiro não tem pão, nem paz relativa, se lhe falta assistência nas aquisições mais simples, não poderemos exigir-lhe a colaboração, redundante em sacrifício. Nossas responsabilidades, portanto, estão conjugadas nos mínimos detalhes da tarefa a cumprir.

Raiando-me a ideia de que o médium deveria esperar, satisfeito, a compensação divina, Alexandre ponderou:

— Consideremos, contudo, meu amigo, que ainda nos encontramos em trabalho incompleto. A questão de salário virá depois…


Nesse ponto da conversação, convidou-me à aproximação do aparelho mediúnico e, colocando-lhe a destra sobre a fronte, exclamou:

— Observe. Estamos diante do psicógrafo comum. Antes do trabalho a que se submete, neste momento, nossos auxiliares já lhe prepararam as possibilidades para que não se lhe perturbe a saúde física. A transmissão da mensagem não será simplesmente “tomar a mão”. Há processos intrincados, complexos.

E, ante minha profunda curiosidade científica, o orientador ofereceu-me o auxílio magnético de sua personalidade vigorosa e passei a observar, no corpo do intermediário, grande laboratório de forças vibrantes. Meu poder de apreensão visual superara os raios 10, com características muito mais aperfeiçoadas. As glândulas do rapaz transformaram-se em núcleos luminosos, à guisa de perfeitas oficinas elétricas. Detive-me, porém, na contemplação do cérebro, em particular. Os condutores medulares formavam extenso pavio, sustentando a luz mental, como chama generosa de uma vela de enormes proporções. Os centros metabólicos infundiam-me surpresas. O cérebro mostrava fulgurações nos desenhos caprichosos. Os lobos cerebrais lembravam correntes dinâmicas. As células corticais e as fibras nervosas, com suas tênues ramificações, constituíam elementos delicadíssimos de condução das energias recônditas e imponderáveis. Nesse concerto, sob a luz mental indefinível, a epífise emitia raios azulados e intensos.


— Observação perfeita?… — Indagou o instrutor, interrompendo-me o assombro. — Transmitir mensagens de uma Esfera para outra, no serviço de edificação humana, — continuou, — demanda esforço, boa vontade, cooperação e propósito consistente. É natural que o treinamento e a colaboração espontânea do médium facilitem o trabalho; entretanto, de qualquer modo, o serviço não é automático… Requer muita compreensão, oportunidade e consciência.

Estava admirado.

— Acredita que o intermediário, — perguntou, — possa improvisar o estado receptivo? De nenhum modo. A sua preparação espiritual deve ser incessante. Qualquer incidente pode perturbar-lhe o aparelhamento sensível, como a pedrada que interrompe o trabalho da válvula receptora. Além disso, a nossa cooperação magnética é fundamental para a execução da tarefa. Examine atentamente. Estamos notando as singularidades do corpo perispiritual. Pode reconhecer, agora, que todo centro glandular é uma potência elétrica. No exercício mediúnico de qualquer modalidade, a epífise desempenha o papel mais importante. Através de suas forças equilibradas, a mente humana intensifica o poder de emissão e recepção de raios peculiares à nossa Esfera. É nela, na epífise, que reside o sentido novo dos homens; entretanto, na grande maioria deles, a potência divina dorme embrionária.

Reconheci que, de fato, a glândula pineal do intermediário expedia luminosidade cada vez mais intensa.


Deslocando, porém, a sua atenção do cérebro para a máquina corpórea em geral, o orientador prosseguiu:

— A operação da mensagem não é nada simples, embora os trabalhadores encarnados não tenham consciência de seu mecanismo intrínseco, assim como as crianças, em se fartando no ambiente doméstico, não conhecem o custo da vida ao sacrifício dos pais. Muito antes da reunião que se efetua, o servidor já foi objeto de nossa atenção especial, para que os pensamentos grosseiros não lhe pesem no campo íntimo. Foi convenientemente ambientado e, ao sentar-se aqui, foi assistido por vários operadores de nosso Plano. Antes de tudo, as células nervosas receberam novo coeficiente magnético, para que não haja perdas lamentáveis do tigróide, (corpúsculos de Nissl), necessário aos processos da inteligência. O sistema nervoso simpático, mormente o campo autônomo do coração, recebeu auxílios enérgicos e o sistema nervoso central foi convenientemente atendido, para que não se comprometa a saúde do trabalhador de boa vontade. O vago foi defendido por nossa influenciação contra qualquer choque das vísceras. As glândulas supra-renais receberam acréscimo de energia, para que se verifique acelerada produção de adrenalina, de que precisamos para atender ao dispêndio eventual das reservas nervosas.

Nesse instante, vi que o médium parecia quase desencarnado. Suas expressões grosseiras, de carne, haviam desaparecido ao meu olhar, tamanha a intensidade da luz que o cercava, oriunda de seus centros perispirituais.

Após longo intervalo, Alexandre continuou:

— Sob nossa apreciação, não temos o arcabouço de cal, revestido de carboidratos e proteínas, mas outra expressão mais significativa do homem imortal, filho do Deus Eterno. Repare, nesta anatomia nova, a glória de cada unidade minúscula do corpo. Cada célula é um motor elétrico que necessita de combustível para funcionar, viver e servir.


Despreocupado de meu assombro, o instrutor mudou de atitude e considerou:

— Interrompamos as observações. É necessário agir.

Acenou para um dos seis comunicantes. O mensageiro aproximou-se contente.

— Calixto, — falou Alexandre, em tom grave, — temos seis amigos para o intercâmbio; todavia, as possibilidades são reduzidas. Escreverá apenas você. Tome seu lugar. Recorde sua missão consoladora e nada de particularismos pessoais. A oportunidade é limitadíssima e devemos considerar o interesse de todos.

Depois de cumprimentar-nos ligeiramente, Calixto postou-se ao lado do médium, que o recebeu com evidente sinal de alegria. Enlaçou-o com o braço esquerdo e, alçando a mão até ao cérebro do rapaz, tocava-lhe o centro da memória com a ponta dos dedos, como a recolher o material de lembranças do companheiro. Pouco a pouco, vi que a luz mental do comunicante se misturava às irradiações do trabalhador encarnado. A zona motora do médium adquiriu outra cor e outra luminosidade. Alexandre aproximou-se da dupla em serviço e colocou a destra sobre o lobo frontal do colaborador humano, como a controlar as fibras inibidoras, evitando, quanto possível, as interferências do aparelho mediúnico.

Calixto mostrava enorme alegria no semblante feliz de servo que se regozija com as bênçãos do trabalho, e, dando sinais de profunda gratidão ao Senhor, começou a escrever, apossando-se do braço do companheiro e iniciando o serviço com as belas palavras:

— A paz de Jesus seja convosco!