Em virtude do meu interesse, no estudo dos fenômenos de materialização, não hesitei em solicitar o prestigioso concurso de Alexandre, que se colocou gentilmente ao lado de meus desejos.
— Nosso grupo, — informou, atencioso, — não realiza trabalhos dessa espécie, mas não teremos dificuldade em recorrer a outros amigos. Temos companheiros devotados cooperando em núcleos de atividades dessa natureza.
E porque revelasse minha profunda curiosidade científica, o orientador prosseguiu:
— Trata-se de serviço de elevada responsabilidade, porquanto, além de exigir todas as possibilidades do aparelho mediúnico, há que movimentar todos os elementos de colaboração dos companheiros encarnados, presentes às reuniões destinadas a esses fins. Se houvesse perfeita compreensão geral, respeito aos dons da vida, e se pudéssemos contar com valores morais espontâneos e legitimamente consolidados no espírito coletivo, essas manifestações seriam as mais naturais possíveis, sem qualquer prejuízo para o médium e assistentes. Acontece, porém, que são muito raros os companheiros encarnados dispostos às condições espirituais que semelhantes trabalhos exigem. Por isso mesmo, na incerteza de colaboração eficiente, as sessões de materialização efetuam-se com grandes riscos para a organização mediúnica e requisitam número dilatado de cooperadores do nosso Plano.
— Compreendo, — intervim, valendo-me de pequena pausa do generoso instrutor. — Muitas vezes, quando envolvidos na carne, não sabemos conduzir a pesquisa intelectual!…
— Certíssimo! — Exclamou o meu interlocutor, benevolente, — se a indagação científica estivesse acompanhada de seguros valores do sentimento, do caráter, da consciência, outras seriam as realizações em vista da luz de espiritualidade acesa para o caminho, mas quase sempre somos assediados pela exigência repleta de pretensões e daí os fracassos inevitáveis.
O orientador amigo continuou a série de esclarecimentos morais, belos e edificantes, e esperei, ansioso, o instante de observar esses serviços prodigiosos dos trabalhadores espirituais, os quais se realizam com grande surpresa para os estudiosos da Crosta.
Alexandre, delicado como sempre, obsequiou-me com todas as providências necessárias. Amigos atenciosos incumbiram-se de atender-me à curiosidade sadia e fui notificado de todas as medidas levadas a efeito.
Na noite aprazada, Alexandre, que me proporcionava a satisfação de seguir-me de perto, conduziu-me à casa residencial, onde teria lugar uma assembleia diferente.
A reunião seria iniciada às vinte e uma horas, mas, com antecedência de cinquenta minutos, estávamos ambos, ali, na sala íntima, acolhedora e confortável, onde grande número de servidores do nosso Plano iam e vinham.
Os trabalhos eram superintendidos pelo Irmão Calimério, entidade superior à condição hierárquica de Alexandre, que, recebido carinhosamente por ele, assim se externou, depois de apresentar-me:
— Venho até aqui no propósito de atender ao aprendizado do companheiro. André desejava inteirar-se quanto aos serviços de materialização e tomei a liberdade de apresentá-lo; entretanto, não nos encontramos aqui, como simples observadores. Se possível, trabalharemos também.
— Alexandre, — replicou Calimério, muito gentil, evidenciando extrema delicadeza de trato, — a tarefa é de todos nós. Proporcione ao nosso novo amigo todos os valores de que possamos dispor e desculpem-me se não posso assisti-los pessoalmente. A supervisão dos trabalhos da noite permanece a meu cargo; todavia, estejam à vontade.
E, fixando em mim os olhos muito lúcidos, acentuou:
— Observar para realizar é serviço divino.
Demandamos, respeitosos, o interior doméstico. Admiradíssimo, notei a enorme diferenciação do ambiente. Não havia, ali, como em outras reuniões a que assistira, a grande comunidade de sofredores às portas. A residência particular, onde se efetuariam os trabalhos, chegava a ser isolada por extenso cordão de trabalhadores de nosso Plano, num círculo de vinte metros em derredor.
Percebendo-me a estranheza, Alexandre explicou:
— Aqui, é indispensável o máximo cuidado para que os princípios mentais de origem inferior não afetem a saúde física dos colaboradores encarnados, nem a pureza do material indispensável aos processos fenomênicos. Em vista disso, torna-se imprescindível insular o núcleo de nossas atividades, defendendo-o contra o acesso de entidades menos dignas, através de fronteiras vibratórias.
Observando a extensão dos cuidados postos em prática, perguntei:
— Se é preciso tamanho zelo, no que se refere ao nosso campo de serviço, não se fará a mesma exigência aos companheiros encarnados, com a função de assistentes?
Alexandre sorriu, compreendendo a sutileza de minha interrogação, e respondeu:
— Todo o perigo desses trabalhos está na ausência de preparo dos nossos amigos da Crosta, os quais, na maioria das vezes, alegando impositivos científicos, se furtam a comezinhos princípios de elevação moral. Quando não se verifica o devido cuidado por parte deles, o fracasso pode assumir características terríveis, porque os irmãos que estabelecem as fronteiras vibratórias, no exterior do recinto, não podem impedir a entrada das entidades inferiores, absolutamente integradas com as suas vítimas terrenas. Há obsidiados que se sentem tão bem na companhia dos perseguidores, que imitam as mães terrestres agarradas aos filhos pequeninos, penetrando recintos consagrados a certos serviços, com que não se compadece ainda o espírito infantil. Quando os amigos menos avisados ingressam na tarefa em tais condições, as ameaças são verdadeiramente inquietantes.
— Então, aqui, — considerei, — não devem entrar as vítimas do vampirismo…
— A rigor, não deveriam entrar, — falou o instrutor, sorrindo, — mesmo porque há outros centros onde podem ser socorridas; mas, algumas vezes, a caridade fraternal aconselha a tolerância, mesmo em ambientes como este.
E, após ligeira pausa, acentuou:
— Por isso mesmo, as reuniões para serviços de materialização aparecem raramente; a homogeneidade, aqui, deve ser muito mais intensa. Consagra-se a maioria de nossas atividades ao esforço da caridade cristã. Neste ambiente, porém, limita-se o trabalho a certas demonstrações da sabedoria espiritual. Os homens, contudo, em sentido geral, não sabem, por enquanto, compreender a essência divina de tais demonstrações e, quase sempre, acorrem a elas com o raciocínio acima do sentimento. Pelas inquietudes da investigação, perdem, muitas vezes, os valores da cooperação, e os resultados são negativos. No dia, porém, em que conseguirem trazer o coração iluminado, receberão alegrias iguais àquela que desceu sobre os discípulos de Jesus, quando, de portas cerradas, em sublime comunhão de amor e fé, receberam a visita do Mestre, perfeitamente materializado, depois da ressurreição, em casa humilde de Jerusalém, de conformidade com a narrativa dos Evangelhos. (Jo
Em virtude de haver Alexandre entrado em silêncio, por alguns instantes, intensifiquei as minhas observações.
Surpreendido, notei o esforço de vinte entidades de nobre hierarquia que movimentavam o ar ambiente. Em seus gestos rítmicos, semelhavam-se a sacerdotes antigos que estivessem executando operações magnéticas de santificação interior do recinto.
Atendendo-me ao espírito de pesquisa, Alexandre esclareceu:
— Não se trata de hierofantes em gestos convencionais. Temos ali esclarecidos cooperadores do serviço, que preparam o ambiente, levando a efeito a ionização da atmosfera, combinando recursos para efeitos elétricos e magnéticos. Nos trabalhos deste teor reclamam-se processos acelerados de materialização e desmaterialização da energia. As entidades manifestantes, no campo visual de nossos amigos encarnados, quase sempre são criaturas eminentemente ligadas à Crosta e aos seus Planos de sensações, mas os organizadores legítimos da tarefa em curso são verdadeiros e competentes orientadores dos Planos espirituais, com grandes somas de conhecimento e responsabilidade.
Não decorreram muitos instantes e alguns trabalhadores de nossa Esfera compareceram, trazendo pequenos aparelhos que me pareceram instrumentos reduzidos, de grande potencial elétrico, em virtude dos raios que movimentaram em todas as direções.
Minha curiosidade não tinha limites.
— Estes amigos, — explicou o meu generoso instrutor, — estão encarregados de operar a condensação do oxigênio em toda a casa. O ambiente para a materialização de entidade do Plano invisível aos olhos dos homens requer elevado teor de ozônio e, além disso, é indispensável semelhante operação, a fim de que todas as larvas e expressões microscópicas de atividade inferior sejam exterminadas. A relativa ozonização da paisagem interior é necessária como trabalho bactericida.
E, depois dum gesto significativo, acrescentou:
— O ectoplasma, ou força nervosa, que será abundantemente extraído do médium, não pode sofrer, sem prejuízos fatais, a intromissão de certos elementos microbianos.
Logo após, reparei, surpreendido, o trabalho de várias entidades que chegavam do exterior, trazendo extenso material luminoso.
— São recursos da Natureza, — informou-me o instrutor solicito, — que os operários de nosso Plano recolhem para o serviço. Trata-se de elementos das plantas e das águas, naturalmente invisíveis aos olhos dos homens, estruturados para reduzido número de vibrações.
— E serão aproveitados nos trabalhos da noite? — Perguntei.
— Sim, — esclareceu Alexandre, paciente, — serão mobilizados pela ação dos orientadores.
Nesse instante, pessoas familiarizadas com a reunião penetraram a sala, tomando os lugares que lhes eram habituais.
Estabeleceu-se, entre os encarnados, ligeira conversação, na qual se comentavam os trabalhos levados a efeito anteriormente.
Não se passaram muitos minutos e a jovem médium, afável e simpática, deu entrada no recinto, acompanhada por diversas entidades, dentre as quais se destacava um amigo de elevada condição, que parecia chefiar o grupo de servidores. Esse exercia considerável controle sobre a moça, que a ele se ligava através de tênues fios de natureza magnética.
Sentindo-me a insopitável curiosidade, o orientador esclareceu:
— O controlador mediúnico é o Irmão Alencar, que também foi médico na Terra. Calimério é o dirigente legítimo, encarregado da supervisão dos trabalhos, em nosso Círculo.
Como notasse minha estranheza, Alexandre reiterou:
— Alencar é orientador do aparelho mediúnico para as atividades de materialização propriamente ditas. Aproximemo-nos dele.
Muito sensibilizado, recebi a saudação do novo amigo, que nos acolheu afetuosamente:
— Ser-nos-á muito útil a presença de ambos, — disse-nos, fixando meu instrutor, em particular, — porquanto necessitamos de colaboradores para o auxílio magnético ao organismo mediúnico.
— Estamos à sua disposição, — acentuou Alexandre, satisfeito, — tomaremos lugar entre os seus assistentes.
Alencar agradeceu num gesto expressivo de sincero contentamento.
Entre os colaboradores figurava uma criatura muito querida ao meu orientador. Tratava-se de Verônica, que havia sido exímia enfermeira na Crosta, e que me colocou à vontade, conversando amavelmente.
— Irmão Alexandre, — disse ela, depois de rápidos momentos de palestra carinhosa, — iniciemos o auxílio magnético. Precisamos incentivar os processos digestivos para que o aparelho mediúnico funcione sem obstáculos.
Não tive ensejo para interpelações verbais. Alexandre, porém, endereçou-me significativo olhar, convidando-me a incentivar observações.
Ele, Verônica e mais três assistentes diretos de Alencar colocaram as mãos, em forma de coroa, sobre a fronte da jovem, e vi que as suas energias reunidas formavam vigoroso fluxo magnético que foi projetado sobre o estômago e o fígado da médium, órgãos esses que acusaram, imediatamente, novo ritmo de vibrações. Concentraram-se as forças emitidas, gradualmente, sobre o plexo solar, espalhando-se por todo o sistema nervoso vegetativo e, com espanto, observei que se acelerava o processo químico da digestão. As glândulas do estômago começaram a segregar pepsina e ácido clorídrico, em maior quantidade, transformando rapidamente o bolo alimentar. Admirado, reconheci a elevada produção de enzimas digestivas e vi que o pâncreas trabalhava ativamente, lançando grandes porções de tripsina, na parte inicial dos intestinos, que figuravam grande hospedaria de bacilos acidificantes. Valendo-me da oportunidade, analisei o fígado, que parecia sofrer especial influenciação, notando-lhe a condição de órgão intermediário, não somente com funções definidas na produção da bile, mas também exercendo importante papel nos fenômenos nutritivos, relacionado com a vida dos glóbulos do sangue. As células hepáticas esforçavam-se, apressadas, armazenando recursos da nutrição ao longo das veias interlobulares, que se assemelhavam a pequeninos canais de luz.
Em poucos minutos, o estômago permanecia inteiramente livre.
— Agora, — exclamou Verônica, serviçal, preparemos o sistema nervoso para as saídas da força.
Reparei na diferenciação dos fluxos magnéticos, diante da nova operação posta em prática. Separaram-se os assistentes de algum modo e, enquanto Alexandre projetava a energia que lhe era peculiar sobre a região do cérebro, Verônica e os companheiros lançavam os recursos que lhes eram próprios sobre todo o sistema nervoso central, encarregando-se cada um de determinada zona dos nervos cervicais, dorsais, lombares e sacros.
As forças projetadas sobre a organização mediúnica efetuavam limpeza eficiente e enérgica, porquanto via, espantado, os resíduos escuros que lhes eram arrancados dos centros vitais.
Sob o fluxo luminoso da destra de Alexandre, o cérebro da jovem alcançava brilho singular, como se fora espelho cristalino. Todas as glândulas mais importantes resplandeciam, à maneira de núcleos vigorosos, excitados por elementos sublimes. Debaixo da chuva de raios espirituais em que se encontrava, a médium deixava perceber o trabalho divino de que era objeto, na intimidade de todas as células orgânicas, que pareciam restaurar o equilíbrio elétrico.
Terminada a tarefa, Alexandre acercou-se de mim, observando, ante a minha indisfarçável curiosidade:
— O aparelho mediúnico foi submetido a operações magnéticas destinadas a socorrer-lhe o organismo nos processos de nutrição, circulação, metabolismo e ações protoplásmicas, a fim de que o seu equilíbrio fisiológico seja mantido acima de qualquer surpresa desagradável.
Prosseguindo o exame dos trabalhos em curso, reparei que Verônica alçava, agora, a destra sobre a cabeça da jovem, demorando-a no centro da sensibilidade.
— Nossa irmã Verônica, — explicou o meu amável orientador, — está aplicando passes magnéticos como serviço de introdução ao desdobramento necessário.
Nesse momento, porém, algo aconteceu de estranho no Círculo de nossas atividades espirituais. Percebeu-se grande choque de vibrações no recinto. Dois servidores aproximaram-se de Alencar e um deles explicou, espantadiço:
— O senhor P… aproxima-se, porém, em condições indesejáveis…
— Que aconteceu? — Indagou o controlador, seguro de si.
— Bebeu alcoólicos em abundância e precisamos providenciar-lhe o insulamento.
O controlador esboçou um gesto de contrariedade e murmurou, encaminhando-se para a porta de entrada:
— É muito grave! Neutralizemos a sua influenciação, sem perda de tempo.
Alexandre convidou-me a observar o caso de mais perto. Em vista da estupefação que me tomava de assalto, esclareceu:
— Nestes fenômenos, André, os fatores morais constituem elemento decisivo de organização. Não estamos diante de mecanismos de menor esforço e, sim, ante manifestações sagradas da vida, em que não se pode prescindir dos elementos superiores e da sintonia vibratória.
Nesse instante, o senhor P… transpunha a porta.
Bem posto, evidenciando excelentes disposições, não parecia ameaçar o equilíbrio geral, mesmo porque não revelava, exteriormente, qualquer traço de embriaguez.
Satisfazendo, porém, as determinações de Alencar, diversos operários dos serviços cercaram-no à pressa, como enfermeiros a se encarregarem de doente grave.
Incapaz de guardar minha própria impressão, indaguei:
— Que ocorre, afinal? Esse homem parece calmo e normal.
— Sim, — elucidou Alexandre, benevolente, — parecer não é tudo. A respiração dele, em semelhante estado, emite venenos. Noutro núcleo poderia ser tratado caridosamente, mas aqui, atendendo-se à função especializada do recinto, os princípios etílicos que exterioriza pelas narinas, boca e poros são eminentemente prejudiciais ao nosso trabalho. Como vemos, há necessidade de preparação moral para qualquer trato. A viciação, em qualquer sentido, antes de tudo, deprime o viciado, mas perturba igualmente os outros.
Recordei a função do álcool no organismo humano, mas bastou que a lembrança me aflorasse, de leve, para que o instrutor me esclarecesse, imediatamente:
— Você compreende que as doses mínimas de álcool intensificam o processo digestivo e favorecem a diurese, mas o excesso é tóxico destruidor. As emanações de álcool de cana, ingerido pelo nosso irmão, em doses altas, são altamente nocivas aos delicados elementos de formação plástica que serão agora conferidos ao nosso esforço, além de constituírem sério perigo às forças exteriorizadas do aparelho mediúnico.
De fato, pouco a pouco se sentia, embora vagamente, o cheiro característico de fermentação alcoólica.
Reparei que o Sr. P… foi cercado pelas entidades operantes e neutralizado pela influenciação delas, à maneira do detrito anulado por abelhas laboriosas, em plena atividade na colmeia.
Prosseguiram os serviços normalmente.
Entre os votos de êxito dos companheiros encarnados semiconfiantes, a médium foi conduzida a pequeno gabinete improvisado, fazendo-se, em seguida, ligeira oração. Via-se, no entanto, que, como acontecia em outras reuniões, os amigos terrestres emitiam solicitações silenciosas, entrando as vibrações mentais em conflito ativo, desservindo ao invés de auxiliar no trabalho da noite, o qual requisitava a mais elevada percentagem de harmonia. À claridade fraca e suave da luz vermelha que substituíra a forte lâmpada comum, notavam-se as emissões luminosas do pensamento dos amigos encarnados. Francamente, não havia na pequena comunidade o espírito de entendimento divino do serviço em curso. Ninguém ponderava a expressão do fato para a Humanidade terrena, sequiosa de revelação celeste. Via-se que a reunião era profundamente dominada pelo “eu”. Enquanto uns exteriorizavam exigências, outros determinavam as criaturas desencarnadas que deveriam comparecer nos fenômenos de materialização. Procurei, contudo, coibir minhas impressões de desagrado, porque todos os trabalhadores de grande elevação, no recinto, portavam-se calmamente, tratando os companheiros carnais com desvelado carinho, quais sábios em face de crianças queridas ao coração.
Diversos servidores espirituais começaram a combinar as radiações magnéticas dos companheiros terrenos, a fim de constituírem material de cooperação, enquanto Calimério, projetando seu sublime potencial de energias sobre a médium, operava-lhe o desdobramento que durou alguns minutos. Verônica e outras amigas amparavam a jovem, parcialmente libertada dos veículos físicos, mas algo confusa e inquieta ao lado do corpo, já mergulhado em profundo transe.
Em seguida notei que, sob a ação do nobre orientador da tarefa, se exteriorizava a força nervosa, à maneira dum fluxo abundante de neblina espessa e leitosa.
Notando a perturbação vibratória do ambiente, em vista da atitude desaconselhável dos companheiros encarnados, disse Calimério ao controlador mediúnico:
— Alencar, é necessário extinguir o conflito de vibrações. Nossos amigos ignoram ainda como auxiliar-nos, harmonicamente, através das emissões mentais. É mais razoável se abstenham da concentração por agora. Diga-lhes que cantem ou façam música de outra natureza. Procure distrair-lhes a atenção deseducada.
Alencar, porém, que se encontrava sob preocupações fortes, diante das múltiplas obrigações que deveria desempenhar no momento, pediu a colaboração de Alexandre, que se colocou à disposição dele, imediatamente:
— André, — falou o meu orientador, em tom grave, — improvisemos a garganta ectoplásmica. Não podemos perder tempo.
E, identificando-me a inexperiência, acrescentou:
— Não precisa inquietar-se. Bastará ajudar-me na mentalização das minúcias anatômicas do aparelho vocal.
Estava aturdido, mas o instrutor considerou:
— A força nervosa do médium é matéria plástica e profundamente sensível às nossas criações mentais.
Logo após, Alexandre tomou pequena quantidade daqueles eflúvios leitosos, que se exteriorizavam particularmente através da boca, narinas e ouvidos do aparelho mediúnico, e, como se guardasse nas mãos reduzida quantidade de gesso fluido, começou a manipulá-lo, dando-me a impressão de estar completamente alheio ao ambiente, pensando, com absoluto domínio de si mesmo, sobre a criação do momento.
Aos poucos, vi formar-se, sob meus olhos atônitos, um delicado aparelho de fonação. No íntimo do esqueleto cartilaginoso, esculturado com perfeição na matéria ectoplásmica, organizavam-se os fios tenuíssimos das cordas vocais, elásticas e completas na fenda glótica e, em seguida, Alexandre experimentava emitir alguns sons, movimentando as cartilagens aritenóides.
Formara-se, ao influxo mental e sob a ação técnica de meu orientador, uma garganta irrepreensível.
Com assombro, verifiquei que através do pequeno aparelho improvisado e com a cooperação dos sons de vozes humanas, guardados na sala, nossa voz era integralmente percebida por todos os encarnados presentes. Parecendo-me satisfeito com o êxito de seu trabalho, Alexandre falou pela garganta artificial, como quem utilizava um instrumento vocal humano:
— Meus amigos, a paz de Jesus seja convosco! Ajudem-nos, cantando! Façam música e evitem a concentração!…
Fez-se música no ambiente e vi que o Irmão Alencar, depois de ligar-se profundamente à organização mediúnica, tomava forma, ali mesmo, ao lado da médium, sustentada por Calimério e assistida por numerosos trabalhadores.
Aos poucos, valendo-se da força nervosa exteriorizada e de vários materiais fluídicos, extraídos no interior da casa, aliados a recursos da Natureza, Alencar surgiu aos olhos dos encarnados, perfeitamente materializado.
Surpreendido, reconheci que a médium era o centro de todos os trabalhos. Cordões tenuíssimos ligavam-na à forma do controlador e, quando tocávamos levemente na organização mediúnica, o amigo corporificado demonstrava evidentes sinais de preocupação, o mesmo acontecendo à jovem médium em relação a Alencar. Os gestos incontidos de entusiasmo dos assistentes, que tentavam cumprimentar diretamente o mensageiro materializado, repercutiam desagradavelmente no organismo da intermediária.
O Irmão Alencar entreteve pequena palestra, diante dos companheiros terrestres extasiados. Não eram, todavia, as palavras trocadas entre ele e os assistentes que me impressionavam o coração, e, sim, a beleza do fato, a realidade da materialização, dando ensejo a dilatadas esperanças no futuro humano, quanto à fé religiosa, à filosofia confortadora da imortalidade e à ciência enobrecida, a serviço da razão iluminada.
Alexandre aproximou-se de mim e considerou:
— Repare na grandeza do acontecimento. O médium desempenha o papel de entidade maternal, enquanto Alencar, sob a influência positiva de Calimério, permanece em temporária filiação ao organismo mediúnico. Todas as formas que se materializarem serão “filhas provisórias” da força plástica da intermediária. O amigo que conversa com os encarnados é Alencar, mas os seus envoltórios do momento são nascidos das energias passivas da médium e das energias ativas de Calimério, o mais elevado diretor desta reunião. Se forçarmos o médium em nosso Plano, feriremos Alencar em processo de materialização; se os companheiros terrenos violentarem o mensageiro, repentinamente corporificado, esfacelarão a médium, acarretando consequências funestas e imprevisíveis.
Perplexo, ante o fenômeno, indaguei:
— Mas esta força nervosa é apenas propriedade de alguns privilegiados na Terra?
— Não, — replicou Alexandre, — todos os homens a possuem com maior ou menor intensidade; entretanto, é preciso compreender que não nos encontramos, ainda, no tempo de generalizar as realizações. Você sabe que este domínio exige santificação. O homem não abusará no setor do progresso espiritual, como vem fazendo nas linhas de evolução material, onde se transformam prodigiosas dádivas divinas em forças de destruição e miséria. Meu amigo: neste campo de realizações sublimes, a que nos sentimos ligados, a ignorância, a vaidade e a má-fé permanecem incapacitadas por si próprias, traçando fronteiras de limitação para si mesmas.
Impressionado com as maravilhas sob meus olhos, notei que, ao apelo de Alencar e com o concurso generoso de Calimério, materializaram-se mãos e flores, à maneira de mensagens afetuosas para os assistentes da reunião.
Reinava grande alegria entre todos, com exceção do Sr. P…, que revelava intraduzível mal-estar, sob o controle direto de vários trabalhadores espirituais que lhe neutralizavam a nociva influência.
Depois de maravilhosos minutos de serviço e júbilo, com significativas demonstrações de agradecimento a Deus, terminaram os trabalhos da noite, cooperando todos nós para que a médium fosse perfeitamente reintegrada no seu patrimônio psicofísico.
Meu coração transbordava de contentamento e esperança; todavia, era forçoso confessar que, para tamanhas manifestações de serviço e tão sublimes bênçãos, era muito reduzido o entendimento dos encarnados. Semelhavam-se a crianças afoitas, mais interessadas no espetáculo inédito que desejosas de consagração ao serviço divino. Francamente, estava desapontado. Tantos emissários celestes a se esforçarem por meia dúzia de pessoas que pareciam distantes do propósito de servir à causa da Verdade e do Bem?!
Expus minha opinião ao devotado instrutor, mas Alexandre respondeu, tranquilo:
— E Jesus? Considera você que Ele tenha trabalhado somente para os galileus que o não compreendiam? Julga que tenha ensinado tão só no templo de Jerusalém? Não, meu amigo: convença-se de que todos os nossos atos, no bem ou no mal, estão sendo praticados para a Humanidade inteira. Por agora, os nossos companheiros terrestres não nos entendem, nem cresceram devidamente para a completa consagração a Jesus, mas a semeadura é viva e produzirá a seu tempo. Nada se perde.
E, sorrindo, rematou, depois de longa pausa:
— É verdade que você, no mundo, foi médico sempre interessado em ver o resultado de seu trabalho, mas não se esqueça do esforço silencioso dos semeadores do campo e recorde que as sementes depositadas nos sarcófagos egípcios, há alguns milhares de anos, estão começando a produzir maravilhosamente no solo da Terra.
[O capítulo 28 do livro “”, descreve uma reunião de efeitos físicos.]