Missionários da Luz

Capítulo XIII

Reencarnação



Senti-me ditoso e emocionado quando Alexandre me convidou a visitar, em companhia dele, o ambiente doméstico de Adelino e Raquel, onde se verificaria a reencarnação de Segismundo.

Profundo contentamento extravasava de meu espírito, porquanto era a primeira vez que iria tomar conhecimento direto com o fenômeno reencarnacionista. Desde os primeiros tempos de estudo no campo da Medicina, fascinavam-me as leis biogenéticas. Entretanto, nunca me fora dado intensificar observações e especializar experiências. Na colônia espiritual a que me conduziram a Providência de Deus e a generosa intercessão dos amigos, muita vez recebera lições referentemente ao assunto; todavia, até então, nunca vira, de mais perto, o processo de imersão da entidade desencarnada no campo da matéria densa.

Em razão disso, acompanhei o prestimoso orientador com agradável e ansiosa expectativa. Alexandre explicou-me, por excesso de gentileza, que, noutro tempo, recebera muitos favores das personagens envolvidas naquele caso de reencarnação e que se sentia feliz pela oportunidade de lhes ser útil. Comentou as dificuldades do serviço de libertação espiritual e exaltou a lei do bem, que chama todos os filhos da Criação ao concurso fraterno e aos serviços “intercessórios”.

Depois de confortadora e instrutiva conversação, alcançamos o lar de Adelino, deliciosamente colocado em pitoresco canto suburbano, qual ninho gracioso, rodeado de tufos de vegetação.

Eram dezoito horas, aproximadamente.

Com surpresa, verifiquei que Herculano nos esperava no limiar. O instrutor, porém, informou-me que havia notificado o amigo sobre a nossa visita, recomendando-lhe trouxesse Segismundo para o trabalho de aproximação.

Cumprimentou-nos o companheiro, afetuosamente, e dirigiu-se ao meu orientador, esclarecendo:

— Segismundo veio em minha companhia e espera-nos, lá dentro.

— Foi excelente medida, — falou Alexandre, bem-humorado, — consagrarei aos nossos amigos a minha noite próxima. Veremos o que é possível fazer.

Entramos.

O casal Adelino-Raquel tomava a refeição da tarde, junto de um pequenino, no qual adivinhei o primogênito da casa. Não longe, acomodado numa cadeira de descanso, repousava uma entidade que se levantou imediatamente, quando percebeu nossa presença, dirigindo-se particularmente ao encontro do meu orientador, que lhe abriu os braços carinhosos.

Herculano, perto de mim, explicou, em tom discreto:

— É Segismundo.

Notei que o desencarnado abraçara-se com Alexandre, chorando convulsivamente. O instrutor acolhia-o como pai, e, após ouvi-lo durante alguns minutos, falou-lhe compassivamente:

— Acalme-se, meu amigo! Quem não terá suas lutas, seus problemas, suas dores? E se todos somos devedores uns dos outros não será motivo de júbilo e glorificação receber as sublimes possibilidades de resgate e pagamento? Não chore! Nossos irmãos permanecem ao jantar. Não devemos perturbá-los, emitindo forças magnéticas de desalento.

E repondo-o na vasta cadeira de braços, como se Segismundo estivesse enfraquecido e enfermiço, continuou:

— Tenha coragem. O ensejo próximo é divino para o seu futuro espiritual. Organizaremos as coisas, não tenha receio.

— Entretanto, meu amigo, — falou o interlocutor, em lágrimas, — experimento grandes obstáculos.

E acentuava em tom humilde:

— Reconheço que fui um grande criminoso, mas pretendo redimir as velhas culpas. Adelino, porém, apesar das promessas na Esfera espiritual, esqueceu, na recapitulação presente, o perdão aos meus antigos erros…

Alexandre que ouvia, enternecido, sorriu paternalmente e redarguiu:

— Ora, Segismundo, porque envenenar o coração? porque não desculpa você, por sua vez?! Não complique a própria situação, abrigando injustificável desânimo. Levante as energias, meu amigo! Coloque-se na situação do ex-adversário, vítima noutro tempo de seu ato impensado! Não encontraria, talvez, as mesmas dificuldades? Tenha calma e prudência, não perca a bendita ocasião de tolerar alguma coisa desagradável ao seu sentimento, a fim de reparar o passado e atender às necessidades do presente. Vamos, equilibre-se! O momento é de gratidão a Deus e de harmonia com os semelhantes!…

Segismundo enxugou os olhos, sorriu com esforço e murmurou:

— Tem razão.

Herculano, que o contemplava, compadecido, entrou na palestra, acrescentando:

— Ele tem estado muito abatido, desanimado…

— É natural, — tornou Alexandre, decidido, porque, em tais circunstâncias, sofre a criatura certos desequilíbrios, em face das necessidades do regresso à carne, mas Segismundo tem levado muito longe o fenômeno, acentuando os próprios sofrimentos, com expectativas e inquietações injustificáveis.


Fixando, mais detidamente, a atenção no casal que se mantinha à mesa, falou, afetuoso:

— Observemos Adelino e Raquel.

Vejamos a cooperação que podem receber.

Acompanhamo-lo, em silêncio.

O chefe da casa permanecia taciturno, conversando com a esposa tão somente por monossílabos. Via-se que a companheira se esforçava; no entanto, ele continuava quase sombrio.

— Não se efetuou o negócio que você esperava? — Interrogou a senhora, tentando a palestra afetiva.

— Não, — respondeu ele secamente.

— Mas você continua interessado? — Sim.

— E viajará na semana próxima, caso não se realize o empreendimento até domingo?

— Talvez.

A esposa fez longa pausa, algo desapontada, arguindo em seguida:

— Que desculpa apresenta a Companhia, em vista de semelhante demora?

O marido fitou-a com frieza e respondeu, lacônico:

— Nenhuma.

A essa altura, Alexandre fez significativo gesto com a cabeça e falou-nos, preocupado:

— Em verdade, a condição espiritual de Adelino é das piores, porque o sublime amor do altar doméstico anda muito longe, quando os cônjuges perdem o gosto de conversar entre si. Em semelhante estado psíquico, não poderá ser útil, de modo algum, aos nossos propósitos.

Alexandre levantou-se, deu alguns passos em torno da reduzida família e dirigiu-se a nós outros, afirmando:

— Procurarei despertar-lhe as fibras sensíveis do coração, de modo a prepará-lo, convenientemente, a fim de ouvir-nos nesta noite.

Assim dizendo, o devotado orientador aproximou-se da criança, belo menino de três anos aproximadamente, e colocou-lhe a destra sobre o coração. Vi que o pequeno sorriu, mostrando novo brilho nos olhos azuis e falou, com inflexão de infinito carinho:

— Mamãe, porque papai está triste?

O dono da casa ergueu o rosto, com admiração, ao passo que a senhora respondia, comovida:

— Não sei, Joãozinho. Ele deve estar preocupado com os negócios, meu filho.

— E que são “negócios”, mamãe? — Tornou a criança ingênua.

O menino fitou a mãezinha, com atenção, e perguntou:

— Papai fica alegre nos negócios?

— Fica, sim, — respondeu a senhora, sorrindo.

— E porque fica triste em casa?

Enquanto o pai seguia o diálogo, sob forte impressão, a genitora carinhosa esclareceu a criança, com paciência:

— Nas lutas de cada dia, Joãozinho, teu pai deve estar contente com todos e não deve ofender a ninguém. Entretanto, o que te parece tristeza é o cansaço do trabalho. Quando ele volta ao lar traz consigo muitas preocupações. Se na rua deve teu pai mostrar cordialidade e alegria a todos, de modo a não ferir os demais, não acontece o mesmo aqui, onde se encontra à vontade para refletir nos problemas que o interessam de perto. Aqui, é o lar, meu filho, onde está com o direito de não esconder as preocupações mais íntimas…

A criança escutou, atenta, dividindo os olhares afetuosos entre pai e mãe, e tornou:

— Que pena, hein, mamãe?

O chefe da pequena família, tocado nas fibras recônditas da alma pela ternura do filhinho e pela humildade sincera da companheira, sentiu que a nuvem de sombra dos seus próprios pensamentos dava lugar a repousantes sensações de alívio confortador. Sorriu, repentinamente transformado, e dirigiu-se ao pequeno, com nova inflexão de voz:

— Que ideia é essa, Joãozinho? Não me sinto entristecido. Estou, aliás, satisfeitíssimo, como no último dia de nosso passeio à serra! Tua mãe explicou muito bem o que se passa. Quando teu pai estiver silencioso não quer dizer que se encontra desalentado. Por vezes, é preciso calar para pensar melhor.

A dona da casa mostrou largo sorriso de satisfação, observando a mudança brusca do companheiro. O menino, por sua vez, não disfarçava o júbilo no semblante infantil, e assim que o pai terminou as explicações afetuosas, sempre envolvido nas irradiações magnéticas do bondoso instrutor, dirigiu-se novamente ao chefe da casa, perguntando:

— Papai, porque você não vem rezar, de noite, comigo?

O genitor trocou expressivo olhar com a esposa e falou ao pequenino:

— Tenho tido sempre muito serviço à noite, mas voltarei hoje mais cedo para acompanhar tuas preces.

E sorrindo, com paternal alegria, acrescentou:

— Já sabes orar sozinho?

O pequeno redarguiu, satisfeito:

— Mamãe ensina-me todas as noites a rezar por você. Quer ver?

E, abandonando o talher, instintivamente olhou para o alto, de mãos postas, e recitou:

— “Meu Deus, guarda o papai nos caminhos da vida, dá-lhe saúde, tranquilidade e coragem nas lutas de cada dia! Assim seja!”

O genitor, que se apresentara tão impenetrável e rude a princípio, mostrou os olhos rasos d’água, sensibilizado nas fibras mais íntimas, e, fixando ternamente o filho, murmurou:

— Estás muito adiantado. Hoje, Joãozinho, rezarei também.

De alma desanuviada agora, Adelino contemplou a companheira, orgulhoso de possuir-lhe o devotamento, e acentuou:

— A palestra do João fez-me enorme bem. Trazia o coração desalentado, opresso. Eu mesmo não saberia definir meu estado dalma… Há muitos dias, minhas noites são agitadas, cheias de aflições e pesadelos! Tenho sonhado sistematicamente que alguém se aproxima de mim, na qualidade de vigoroso inimigo. Por vezes, rendo graças a Deus, ao despertar pela manhã, porque me sinto mais à vontade, enfrentando as máscaras humanas, que lutando, noite inteira, em sonhos cruéis…

A esposa, admirada, observou, carinhosa:

— Creio que deverias descansar um pouco…

Comovido, ante a delicadeza da mulher, Adelino continuou:

— Tenho tido receio de mim mesmo! Tão logo me acomodo no leito, sinto instintivamente que uma sombra se aproxima de mim. Adormeço sob incrível ansiedade e o pesadelo começa, sem que eu saiba explicar conscientemente coisa alguma.

— E os sonhos são sempre os mesmos? — Indagou a esposa, solícita.

— Sempre, — respondeu ele, com emoção, — vejo que um homem se aproxima de mim, estendendo as mãos, à maneira dum mendigo vulgar a implorar socorro, mas, ao lhe fixar a fisionomia, inexplicável terror invade-me o espírito… Tenho a impressão de que ele deseja assassinar-me pelas costas… Em certas ocasiões, tento estender-lhe as mãos, vencendo a impressão de pavor; entretanto, fujo sempre, num misto de ódio e repugnância! Oh! Que pesadelos terríveis e longos!

E, modificando o tom de voz, acrescentou:

— Admito esteja eu sob fortes desequilíbrios nervosos, sem atinar com o motivo…

— Porque não se submeter ao necessário tratamento médico? — Perguntou a esposa afetuosa. O marido pensou alguns momentos, como se o seu espírito vagueasse através de longínquas recordações. Em seguida, fixando na companheira os olhos muito brilhantes, acentuou:

— Talvez não precise recorrer a facultativos. É possível que o nosso filhinho esteja com a razão… As lutas grosseiras do mundo impuseram-me o esquecimento da fé em Deus. Há quantos anos terei abandonado a oração?

De olhos molhados e pensativos, prosseguiu:

— Quando menino, minha mãe me educava na ciência da prece. Ensinado a curvar-me diante da vontade do Altíssimo, sentia a Bondade Divina em todas as coisas e ajoelhava-me confiante ao pé de minha carinhosa genitora, implorando as bênçãos do Alto… Depois, vieram as emoções dos sentidos, o duelo com os maus, a experiência difícil na concorrência ao pão de cada dia… Desde então perdi a crença pura, que sinto necessidade de retomar…

A esposa enxugou os olhos, comovida. Há muitos anos não observava no companheiro semelhantes demonstrações emotivas. Ergueu-se, emocionada, e falou com ternura:

— Volte hoje mais cedo para orarmos juntos.

E procurando imprimir notas de alegria à conversação, chamou o filhinho a pronunciar-se, acrescentando:

— Hoje, Joãozinho, papai rezará conosco.

Iluminou-se o semblante do pequenino de intraduzível alacridade. Contemplou a mãezinha, enternecido, e observou:

— Então, mamãe, farei todas as orações que eu já sei.


Após o jantar, experimentando disposições diferentes, Adelino despediu-se com delicadeza que Herculano classificou de inabitual.

Alexandre, muito satisfeito, asseverou, depois de restituir a criança aos cuidados maternos:

— Felizmente, nossos serviços preparatórios desdobram-se com excelentes promessas. Conseguimos bastante em reduzidos minutos.

De minha parte, imensa era a surpresa que me invadia o espírito. Porque tamanhos cuidados? Alexandre e outros benfeitores espirituais, tão elevados quanto ele mesmo, não poderiam organizar todos os serviços atinentes à reencarnação de Segismundo? Não eram senhores de grande poder sobre todos os obstáculos?

Mas, dando-me a ideia de que desejava responder às minhas interrogações íntimas, o instrutor afavelmente falou a Herculano, nestes termos:

— Não devemos e nem podemos forçar a ninguém e precisamos das boas disposições de Adelino para o trabalho a fazer.

Em seguida, passou a orientar Segismundo, relativamente à conduta mental, aconselhando-o a preparar-se com todos os recursos ao seu alcance para o êxito na experiência próxima. Outros amigos espirituais das personagens daquele drama entre duas Esferas também chegaram ao ninho doméstico, acentuando-se a alegria da camaradagem fraternal. A presença do meu instrutor parecia incentivo a contentamento geral. Alexandre sabia conduzir a palestra elevada e comunicava seu valioso otimismo a todos os companheiros. Comentava-se a dificuldade da reencarnação em vista dos conflitos vibratórios causadas pela incompreensão das criaturas terrestres, quando o chefe da casa voltou ao lar, interessado em cultivar as doces emoções daquele dia.

Agradavelmente surpreendidos, a esposa e o filhinho fizeram-lhe muita festa, encetando nova conversação confortadora e educativa. Fez-se mais de uma hora de boa leitura e excelente troca de ideias, renovando Adelino os seus propósitos de reaver a serenidade íntima, através de maior comunhão espiritual com a pequena família.

Quando a mãezinha dedicada lembrou ao pequeno a necessidade de recolher-se, Joãozinho recordou a promessa paternal e indagou:

— Papai sabe o que devemos fazer antes da oração?

O chefe da casa sorriu e pediu-lhe explicações.

O menino, com assombrosa vivacidade, esclareceu:

— Diz mamãe que devemos chamar os mensageiros de Deus para que nos assistam.

— Pois bem, — tornou o genitor, bem-humorado, — chame por eles em nosso favor.

O pequeno pronunciou algumas palavras de convite, de mãos postas, e, em seguida, encaminharam-se os três, para o aposento íntimo.

Alexandre, que parecia muito satisfeito com a lembrança espontânea do pequenino, disse-nos então:

— Estamos convidados a participar das suas mais íntimas orações. Acompanhemo-los.

Naquele momento, nosso grupo estava acrescido de três entidades amigas de Raquel, que tinham vindo, até ali, igualmente convocadas pela dedicação de Herculano, a fim de cooperarem na solução do assunto.

O quadro interior era dos mais comoventes. O pequenino pusera-se de joelhos e fazia a oração dominical, com infantil emotividade. Adelino e a companheira seguiam-lhe a prece com grande atenção. Por nossa vez, continuamos, agora em silêncio, a observar e colaborar naquele serviço espiritual com as melhores forças do sentimento.

Notei que a esposa se achava rodeada de intensa luminosidade, que, partindo de seu coração, envolvia o esposo e o pequenino em suaves irradiações. Muito sensibilizado, Adelino deixou escapar uma lágrima furtiva, quando o filho, terminando as preces, curtas em palavras e grandiosas em espiritualidade, lhe beijou carinhosamente as mãos.

Mais alguns minutos e todos se recolhiam sob os cobertores, felizes e tranquilos.

Nesse instante, Alexandre falou:

— Agora, meus amigos, façamos o nosso serviço de oração cooperadora. Precisamos conversar seriamente com Adelino, relativamente à situação.

O orientador pediu a proteção divina para o casal, em voz alta, sendo acompanhado por nós, em profundo silêncio. As vibrações do nosso pensamento, em rogativa, congregaram-se, como parcelas de luminosas substâncias a se reunirem num todo, derramando-se sobre o leito conjugal, quais correntes sutis de forças magnéticas revigorantes e regeneradoras.

Foi então que vi Raquel abandonar o corpo físico, dentro de luminosas irradiações, parecendo-me alheia à situação. Despreocupada, feliz, abraçou-se com uma das entidades que nos acompanhavam, velha senhora que Alexandre nos apresentara pouco antes, declarando tratar-se da avó materna da dona da casa. A anciã desencarnada convidou a neta a permanecerem juntas em oração, ao que Raquel aquiesceu com visível contentamento.

A esposa de Adelino, entretanto, parecia identificar tão somente a presença da velhinha amorosa. Fixava em nós o olhar, indiferentemente, como se ali não estivéssemos. Estranhando o fato, dirigi-me ao instrutor, pedindo-lhe explicações. Alexandre não se fez rogado e, não obstante a delicadeza do serviço em curso, esclareceu-me delicadamente:

— Não se surpreenda. Cada um de nós deve ter a possibilidade de ver somente aquilo que nos proporcione proveito legítimo. Além do mais, não seria justo intensificar a percepção de nossa amiga para que nos acompanhe no trabalho desta noite. Ela nos auxiliará com o valor da oração, mas não precisará seguir, de perto, os esclarecimentos que a condição do esposo requisita. Quem faz o que pode, recebe o salário da paz. Raquel vem fazendo quanto lhe é possível para o êxito no desempenho das obrigações que a trouxeram ao mundo; por isso mesmo, não deve ser advertida e nem perturbada. Atendamos Segismundo e Adelino.

Satisfeito com as elucidações recebidas e admirando a Justiça Divina a manifestar-se nos mínimos pormenores de nossas atividades espirituais, observei que a companheira de Adelino se mantinha, não longe de nós, em fervorosa prece.

Nesse momento, o esposo de Raquel afastava-se do corpo físico, pesadamente. Não apresentava, tal qual a consorte, um halo radioso em derredor da personalidade, parecendo mover-se com extrema dificuldade. Enquanto seu olhar vagueava no quarto, angustiado e espantadiço, Alexandre se aproximou de mim e observou:

— Está examinando a lição? Repare as singularidades da vida espiritual. Adelino e Raquel são Espíritos associados de muitas existências em comum, partilham o mesmo cálice de dores e alegrias terrestres. Na atualidade, seus corpos repousam um ao lado do outro, no mesmo leito; entretanto, cada um vive em plano mental diferente. É muito difícil estarem reunidas nos laços domésticos as almas da mesma Esfera. Raquel, fora dos veículos de carne, pode ver a avozinha, com quem se encontra ligada no mesmo círculo de elevação. Adelino, porém, somente poderá ver Segismundo, com quem se encontra imantado pelas forças do ódio que ele deixou, imprudentemente, desenvolver-se, de novo, em seu coração…

A palavra do orientador, contudo, foi interrompida por um grito lancinante. Adelino, receoso, identificara a presença do antigo adversário e, espavorido, tentava correr, inutilmente. Movimentava-se, com dificuldade, ansioso de retomar o corpo físico, à maneira de criança medrosa procurando um refúgio, mas Alexandre, aproximando-se dele, com amorosa autoridade, estendeu-lhe as mãos, das quais saíam grandes chispas de luz. Contido pelos raios magnéticos, o esposo de Raquel pôs-se a tremer, sentindo-se que ele começava a ver alguma coisa além da figura do ex-inimigo. Aos poucos, em vista das vigorosas emissões magnéticas de Alexandre, ele pôde ver nosso venerável orientador, com quem passou a sintonizar diretamente e caiu de joelhos, em convulsivo pranto. Observei o pensamento de Adelino naquela hora comovedora e percebi que ele associava a visão radiosa às preces do filhinho. Ele via, ali, a estranha figura de Segismundo e a resplandecente presença de Alexandre e fazia intraduzível esforço para recordar-se de alguma coisa do passado distante que a sua memória não conseguia situar com exatidão. Supôs, naturalmente, que o nosso mentor devia ser um emissário do Céu para salvá-lo dos pesadelos cruéis e, ofuscado pela intensa luz, soluçava, genuflexo, entre o medo e o júbilo, suplicando paz e proteção.


O bondoso instrutor dirigiu-se para ele, com a serenidade de um pai carinhoso e experiente, e, levantando-o, exclamou:

— Adelino, guarda a paz que te trazemos em nome do Senhor!

E, abraçando-o de encontro ao peito amigo, continuou:

— Que temes, meu irmão?

Ergueu ele os olhos lacrimosos e indicando Segismundo, triste, alegou sentidamente:

— Mensageiro de Deus, livrai-me deste pesadelo infeliz! Se viestes, trazido pelas orações de meu filho inocente, ajudai-me por caridade!

E apontando o pobre amigo, continuava:

— Este fantasma enlouquece-me! Sinto-me doente, desventurado!…

Alexandre, porém, fixando-o firmemente, indagou:

— É assim que recebes os irmãos mais infelizes? é assim que te portas, ante os desígnios supremos? Onde puseste as noções de solidariedade humana? porque fugir aos mais infortunados da sorte? É sempre muito fácil amar os amigos, admirar os bons, compreender os inteligentes, defender os familiares, entronizar as afeições, conservar os que nos estimam, louvar os justos e exaltar os heróis conhecidos; mas, se somos respeitáveis em semelhantes posições íntimas, é preciso reconhecer que elas traduzem serviço realizado em nosso processo evolutivo. Nós, porém, meu amigo, ainda não alcançamos a redenção final. Por isso mesmo, a tempestade é nossa benfeitora; a dificuldade, nossa mestra; o adversário, instrutor eficiente. Modifica as vibrações de teus pensamentos! Recebe com caridade o mendigo que te bate à porta, quando não tenhas adquirido ainda bastante luz para recebê-lo com o amor que Jesus nos ensinou!

Impressionado com as palavras ouvidas, pronunciadas com inflexão de ternura paternal, Adelino, em lágrimas copiosas, voltou-se para Segismundo, encarando-o de frente. Alexandre, como se lhe aproveitasse a nova atitude, acentuou:

— Contempla o pobrezinho que te pede socorro! Observa-lhe o estado de humilhação e necessidade. Imagina-te na posição dele e reflete! Não te doeria a indiferença dos outros? não te dilaceraria a alma a crueldade alheia? Estimarias que alguém te classificasse de fantasma, tão só pelas tuas demonstrações de sofrimento? Adelino, meu amigo, abre as portas do coração aos que te procuram em nome do Poderoso Pai.

O interpelado voltou-se, qual criança medrosa, e, fixando o mentor generoso, falou:

— Oh! Mensageiro dos Céus, tenho medo, muito medo!… Algo existe entre este homem de sombra e eu, compelindo-me a profunda aversão! Creio que ele deseja roubar-me a vida, aniquilar a minha felicidade doméstica, envenenar-me o coração para sempre!…

Compreendi que a aproximação de Segismundo despertava em Adelino reencarnado as reminiscências do passado sombrio. Ele, a vítima de outro tempo, não conseguia localizar os fatos vividos, mas experimentava, no plano emotivo, as recordações imprecisas dos acontecimentos, cheias de ansiedades dolorosas.

Findo ligeiro intervalo, Alexandre objetou:

— Não deves permitir a intromissão de forças negativas e destruidoras no campo íntimo da alma. É sempre possível transformar o mal em bem, quando há firme disposição da criatura no serviço de fidelidade ao Senhor. Considera, meu amigo, as grandes verdades da vida eterna! Ainda que este irmão te procurasse na condição dum adversário, ainda que ele te buscasse como inimigo feroz, deverias abrir-lhe o espírito fraternal! Toda reconciliação é difícil quando somos ignorantes na prática do amor, mas sem a reconciliação humana jamais seria possível nossa integração gloriosa com a Divindade!

E porque o esposo de Raquel chorasse copiosamente, o orientador observou:

— Não chores! Equilibra o coração e aproveita a sagrada oportunidade!…

Adelino, então, enxugou as lágrimas e pediu, humilde:

— Auxiliai-me por amor de Deus!

Sentindo-lhe a sinceridade profunda, o instrutor convidou Segismundo a aproximar-se. Ele levantou-se, cambaleante, angustiado.

Amparando a ex-vítima, Alexandre indicou-lhe a figura do ex-assassino e apresentou:

— Este é o nosso amigo Segismundo que necessita de tua cooperação no serviço redentor. Estende-lhe as mãos fraternas e atende em nome de Jesus!

Adelino não hesitou e, embora o grande esforço íntimo, visível à nossa percepção espiritual, apertou a destra do ex-adversário, fundamente comovido.

— Perdoe-me, irmão! — Murmurou Segismundo, com infinita humildade. — O Senhor recompensá-lo-á pelo bem que me faz!…

O marido de Raquel fixou-o nos olhos, como a dissipar as derradeiras sombras do desentendimento, e redarguiu:

— Disponha de mim… serei seu amigo!…

O ex-homicida inclinou-se, respeitoso, e beijou-lhe as mãos.

O ato espontâneo de Segismundo conquistara-o. Não podia ser mau aquele Espírito angustiado e triste que lhe osculava as mãos com veneração e carinho. Foi então que vi um fenômeno singular. O organismo perispiritual de Adelino parecia desfazer-se de pesadas nuvens, que se rompiam de alto a baixo, revelando-lhe as características luminosas. Irradiações suavíssimas aureolavam-lhe agora a personalidade, deixando perceber a sua condição elevada e nobre.

Herculano, junto de mim, falou-me em tom discreto:

— O perdão de Adelino foi sincero. As sombras espessas do ódio foram efetivamente dissipadas. Louvado seja Deus!

Alexandre abraçou as duas almas reconciliadas e renovou-lhes fraternais observações, repassadas de sabedoria e ternura. Em seguida, recomendou ao esposo de Raquel que descansasse da luta, dispondo-se a sair em nossa companhia. Notei que marido e mulher, impulsionados pelos amigos espirituais ali presentes, voltavam ao corpo físico, a fim de permutarem impressões, referentemente aos fatos que classificariam de sonhos, dentro da coloração mental de cada um.


Ao se retirar, Alexandre, satisfeito, comentou paternalmente:

— Com o auxílio de Jesus, a tarefa foi executada com êxito.

E, fixando Segismundo, acrescentou:

— Creio que na próxima semana poderá iniciar o seu serviço definitivo de reencarnação. Acompanhá-lo-emos com carinho. Não receie coisa alguma.

Enquanto Segismundo sorria, resignado e confiante, o orientador dirigiu-se a Herculano, explicando-se:

— Já observei o gráfico referente ao organismo físico que o nosso amigo receberá de futuro, verificando, de perto, as imagens da moléstia do coração que ele sofrerá na idade madura, como consequência da falta cometida no passado. Segismundo experimentará grandes perturbações dos nervos cardíacos, mormente os nervos do tônus. Entretanto, — e nesse momento concentrou toda a sua atenção no interessado, — é necessário que você lhe faça ver que as provas de resgate legítimo inclinam a alma encarnada a situações periclitantes e difíceis na recapitulação das experiências; todavia, não obrigam a novas quedas espirituais, quando dispomos de verdadeira boa vontade no trabalho de elevação. O aprendiz aplicado pode ganhar muito tempo e conquistar imensos valores se, de fato, procura conhecer as lições e pô-las em prática. A justiça divina nunca foi exercida sem amor. E quando a fidelidade sincera ao Senhor permanece viva no coração dos homens, há sempre lugar para o “acréscimo de misericórdia” a que se referia Jesus em seu apostolado. (Mt 5:7)

Em seguida, convidando-me a acompanhá-lo, Alexandre despediu-se dos demais, frisando:

— Voltaremos a vê-los no dia da ligação inicial de Segismundo com a matéria física. Preciso cooperar, na ocasião, com os nossos amigos Construtores, aos quais pedi me apresentassem os mapas cromossômicos, referentemente aos serviços a serem encetados.

Separamo-nos.


E eu, torturado de curiosidade estranha, em vista daqueles cuidados extremos para que Adelino e Segismundo se reconciliassem, antes da reaproximação pelos laços da carne, não sopitei as interrogações que me atormentavam o espírito. Não seria lícito providenciar a reencarnação do necessitado, sem quaisquer delongas? porque tamanha demonstração de carinho para com o esposo de Raquel se ele deveria sentir-se satisfeito em poder cooperar na obra sublime de redenção? Não dispúnhamos de suficiente poder para quebrar todas as resistências?

Alexandre ouviu-me, pacientemente, mostrou um sorriso de pai e respondeu:

— Sua estranheza é natural. Não se habituou ainda aos trabalhos de socorro ou de organização neste lado da vida.

E, depois de pequena pausa, considerou:

— Cada homem, como cada Espírito, é um mundo por si mesmo e cada mente é como um céu… Do firmamento descem raios de sol e chuvas benéficas para a organização planetária, mas também, no instante do atrito de elementos atmosféricos, desse mesmo céu procedem faíscas destruidoras. Assim, a mente humana. Dela se originam as forças equilibrantes e restauradoras para os trilhões de células do organismo físico; mas, quando perturbada, emite raios magnéticos de alto poder destrutivo para as comunidades celulares que a servem. O pensamento envenenado de Adelino destruía a substância da hereditariedade, intoxicando a cromatina dentro da própria bolsa seminal. Ele poderia atender aos apelos da Natureza, entregando-se à união sexual, mas não atingiria os objetivos sagrados da criação, porque, pelas disposições lamentáveis de sua vida íntima, estava aniquilando as células criadoras, ao nascerem, e, quando não as aniquilasse por completo, intoxicava os genes do caráter, dificultando-nos a ação… Ora, no caso de Segismundo, unido a ele, em processo ativo de redenção, não podemos dispensar-lhe o concurso amoroso e fraterno. Daí a necessidade desse trabalho intenso para despertar-lhe os valores afetivos. Somente o amor proporciona vida, alegria e equilíbrio. Modificado em sua posição íntima, Adelino emitirá doravante forças magnéticas protetoras dos elementos destinados ao serviço elevado da procriação.

A palavra do orientador não podia ser mais lógica. Começava agora a compreender o sentido sublime do trabalho que se realizara para que o esposo de Raquel se fizesse mais humano e mais doce. Como não encontrasse expressões para definir meu assombro, Alexandre sorriu e acentuou, depois de longo intervalo:

— Segundo pode observar, não existem por aqui milagres para o culto do menor esforço. E quando ensinamos, em toda parte, a necessidade da prática do amor, não procedemos obedientes a meros princípios de essência religiosa, mas atendendo a imperativos reais da própria vida.


No curso de seus esclarecimentos, alusivos ao interessante caso de Segismundo, o bondoso instrutor ferira assuntos de grande relevância para mim. Mencionara a união sexual e designara o trabalho criador como seu objetivo sagrado. Não seria esse o momento oportuno de ouvi-lo, mais extensamente, respeito ao delicado assunto? Crivei-o de interrogações ansiosas. Alexandre não se mostrou surpreendido e ouviu-me as perguntas, com imperturbável serenidade. Quando me coloquei na atitude de expectativa, respondeu, amavelmente:

— O sexo tem sido tão aviltado pela maioria dos homens reencarnados na Crosta que é muito difícil para nós outros, por enquanto, elucidar o raciocínio humano, com referência ao assunto. Basta dizer que a união sexual entre a maioria dos homens e mulheres terrestres se aproxima demasiadamente das manifestações dessa natureza entre os irracionais. No capítulo de relações dessa espécie, há muita inconsciência criminosa e indiferença sistemática às leis divinas. Desse plano não seria razoável qualquer comentário de nossa parte. Trata-se dum domínio de semibrutos, onde muitas inteligências admiráveis preferem demorar em baixas correntes evolutivas. É inegável que também aí funcionam as tarefas de abnegados construtores espirituais, que colaboram na formação básica dos corpos, destinados a servirem às entidades que reencarnam nesses Círculos mais grosseiros. Entretanto, é preciso considerar que o serviço, em semelhante Esfera, é levado a efeito em massa, com características de mecanismo primitivo. O amor, nesses Planos mais baixos, é tal qual o ouro perdido em vasta quantidade de ganga, exigindo largo esforço e laboriosas experiências para revelar-se aos entendidos. Entre as criaturas, porém, que se encaminham, de fato, aos montes de elevação, a união sexual é muito diferente. Traduz a permuta sublime das energias perispirituais, simbolizando alimento divino para a inteligência e para o coração e força criadora não somente de filhos carnais, mas também de obras e realizações generosas da alma para a vida eterna.

Alexandre fez ligeira pausa, sorriu paternalmente e continuou:

— Lembre-se, André, de que me referi a objetivos sagrados da Criação e não exclusivamente ao trabalho procriador. A procriação é um dos serviços que podem ser realizados por aquele que ama, sem ser o objeto exclusivo das uniões. O Espírito que odeia ou que se coloca em posição negativa, diante da Lei de Deus, não pode criar vida superior em parte alguma.

Compreendi que o problema era muito difícil de ser explanado, mas, como se quisesse desfazer todas as minhas dúvidas, o dedicado instrutor prosseguiu, após breve interrupção:

— É necessário deslocar a concepção do sexo, abstendo-nos de situá-la tão somente em determinados órgãos do corpo transitório das criaturas. Vejamos o sexo como qualidade positiva ou passiva, emissora ou receptora da alma. Chegados a esse entendimento, verificamos que toda manifestação sexual evolute com o ser. Enquanto nos mergulhamos no charco das vibrações pesadas e venenosas, experimentamos, nesse domínio, simplesmente sensações. À medida que nos dirigimos a caminho do equilíbrio, colhemos material de experiências proveitosas, oportunidades de retificação, força, conhecimento, alegria e poder. Em nos harmonizando com as leis supremas, encontramos a iluminação e a revelação, enquanto os Espíritos Superiores colhem os valores da Divindade. Substituamos as palavras “união sexual” por “união de qualidades” e observaremos que toda a vida universal se baseia nesse divino fenômeno, cuja causa reside no próprio Deus, Pai Criador de todas as coisas e de todos os seres.

As palavras de Alexandre abriam-me novos horizontes ao pensamento. As questões obscuras do tema tornavam-se claras ao meu campo mental. Fazendo-me sentir que os intervalos da conversação se destinavam a fornecer-me tempo de meditar, o benevolente orientador continuou, depois de longa pausa:

— Essa “união de qualidades”, entre os astros, chama-se magnetismo planetário da atração, entre as almas denomina-se amor, entre os elementos químicos é conhecida por afinidade. Não seria possível, portanto, reduzir semelhante fundamento da vida universal, circunscrevendo-o a meras atividades de certos órgãos do aparelho físico. A paternidade ou a maternidade são tarefas sublimes; não representam, porém, os únicos serviços divinos, no setor da Criação infinita. O apóstolo que produz no domínio da Virtude, da Ciência ou da Arte, vale-se dos mesmos princípios de troca, apenas com a diferença de Planos, porque, para ele, a permuta de qualidades se verifica em Esferas superiores. Há fecundações físicas e fecundações psíquicas. As primeiras exigem as disposições da forma, a fim de atenderem a exigências da vida, em caráter provisório, no campo das experiências necessárias. As segundas, porém, prescindem do cárcere de limitações e efetuam-se nos resplandecentes domínios da alma, em processo maravilhoso de eternidade. Quando nos referimos ao amor do Onipotente, quando sentimos sede da Divindade, nossos Espíritos não procuram outra coisa senão a troca de qualidades com as Esferas sublimes do Universo, sequiosos do Eterno Princípio Fecundante…

Alexandre fez longa pausa, como se ele mesmo permanecesse embevecido com semelhantes evocações. Por minha vez, achava-me deslumbrado. Nunca ouvira definições tão profundas, referentemente à posição do sexo na vida universal.

— É lamentável, — continuou o orientador gravemente, — que a maioria dos nossos irmãos encarnados na Crosta tenha menosprezado as faculdades criativas do sexo, desviando-as para o vórtice de prazeres inferiores. Todos pagarão, porém, ceitil por ceitil, o que devem ao altar santificado, através de cuja porta receberam a graça de trabalhar e aprender na superfície da Terra. Todo ato criador está cheio de sagradas comoções da Divindade e são essas comoções sublimes da participação da alma, nos poderes criadores da Natureza, que os homens conduzem, imprevidentemente, para a zona do abuso e da viciação. Tentam arrastar a luz para as trevas e convertem os atos sexuais, profundamente veneráveis em todas as suas características, numa paixão viciosa tão deplorável como a embriaguez ou a mania do ópio. Entretanto, André, sem que os olhos mortais lhes observem as angústias retificadoras, todos os infelizes, em semelhantes despenhadeiros, são punidos severamente pela Natureza divina.

A essa altura das luminosas elucidações, sentindo que o respeitável amigo entraria em nova pausa, ousei interrogar:

— Mas não é o uso do sexo uma lei natural na Esfera da Crosta?

Alexandre sorriu com benevolência e respondeu:

— Ninguém contesta esse caráter das manifestações sexuais nos Círculos da carne, mas todas as leis naturais na experiência humana devem ser exercidas, como em toda parte, sobre as bases da lei universal do bem e da ordem. Quem foge ao bem, é defrontado pelo crime; quem foge à ordem, cai no desequilíbrio. As uniões sexuais, portanto, que se efetuem a distância desses sublimes imperativos, transformam-se em causas geradoras de sofrimento e perturbação. Ao demais, não devemos esquecer que o sexo, na existência humana, pode ser um dos instrumentos do amor, sem que o amor seja o sexo. Por isso mesmo, os homens e as mulheres, cuja alma se vai libertando dos cativeiros da forma física, escapam, gradativamente, do império absoluto das sensações carnais. Para eles, a união sexual orgânica vai deixando de ser uma imposição, porque aprendem a trocar os valores divinos da alma, entre si, alimentando-se reciprocamente, através de permutas magnéticas, não menos valiosas para os setores da Criação Infinita, gerando realizações espirituais para a eternidade gloriosa, sem qualquer exigência dos atritos celulares. Para esse gênero de criaturas, a união reconfortadora e sublime não se acha circunscrita à emotividade de alguns minutos, mas constitui a integração de alma com alma, através da vida inteira, no campo da Espiritualidade Superior. Diante dos fenômenos da presença física, bastam-lhes, na maioria das vezes, o olhar, a palavra, o simples gesto de carinho e compreensão, para que recebam o magnetismo criador do coração amado, impregnando-se de força e estímulo para as mais difíceis edificações.

Imprimiu Alexandre pequeno intervalo à palestra e, em seguida, abanando a cabeça, significativamente, observou:

— Não há criação sem fecundação. As formas físicas descendem das uniões físicas. As construções espirituais procedem das uniões espirituais. A obra do Universo é filha de Deus. O sexo, portanto, como qualidade positiva ou passiva dos princípios e dos seres, é manifestação cósmica em todos os Círculos evolutivos, até que venhamos a atingir o campo da Harmonia Perfeita, onde essas qualidades se equilibram no seio da Divindade.


Não ousei quebrar o silêncio que se seguiu. O venerando instrutor, engolfado em profundos pensamentos, não mais voltou ao assunto, compelindo-me, talvez, a meditações mais edificantes.

Esperei, ansioso, o instante de tornar às observações do caso Segismundo. O estudo que encetara era verdadeiramente fascinador. Foi por isso, com justificada alegria, que recebi o convite de Alexandre para o regresso ao lar de Adelino. O bondoso orientador alegava que era preciso visitar o casal e o amigo em processo reencarnacionista, na véspera da primeira ligação com a matéria orgânica.

Chegados à moradia nossa conhecida, encontramos Herculano e Segismundo em companhia de outras entidades. Alexandre informou-me tratar-se de Espíritos construtores, que iam cooperar na formação fetal do nosso amigo.

Como da outra vez, banhava-se o ninho doméstico na luz crepuscular, mantendo-se a pequena família no mesmo ato de refeição. Adelino, porém, demonstrava diferente posição espiritual. Cercava-o claro ambiente de otimismo, delicadeza e alegria. Meu amável instrutor, muito satisfeito com a nova situação, passou a examinar os mapas cromossômicos, com a assistência dos construtores presentes. Em vão procurava compreender aqueles caracteres singulares, semelhantes a pequeninos arabescos, francamente indecifráveis ao meu olhar.

Alexandre, porém, sempre gentil e benevolente, acentuou:

— Este não é um estudo que você possa entender, por enquanto. Estou examinando a geografia dos genes nas estrias cromossômicas, a fim de certificar-me até que ponto poderemos colaborar em favor de nosso amigo Segismundo, com recursos magnéticos para a organização das propriedades hereditárias.

Conformei-me e passei a observar Segismundo, que parecia extenuado, abatido. Não conseguia manter-se sentado. Assistido pela dedicação de Herculano, conversava dificilmente conosco, estirado numa cama, em grande prostração.

Demonstrava-se satisfeito com a minha simpatia fraternal e, enquanto os demais lhe estudavam a situação, entretive com ele conversação rápida, que me deu a conhecer, mais uma vez, a penosa impressão dos que se encontram no limiar de nova experiência terrestre.

— Já estive mais animado, — disse-me ele, triste; — entretanto, agora, falece-me a energia… Sinto-me fraco, incapacitado… Enquanto lutei por obter a transformação de meu futuro pai, experimentava mais confiança e serenidade… agora, porém, que consegui a dádiva do retorno à luta, tenho receio de novos fracassos…

— Tenha calma, — respondi, confortando-o; — a sua oportunidade de redenção é das melhores. Além disso, muitos companheiros seguí-lo-ão de perto, colaborando em seu êxito no porvir.

O interlocutor sorriu com dificuldade e observou:

— Sim, reconheço. Dentre todos os irmãos que me assistem agora, Herculano me acompanhará com desvelo e constância… Bem sei. No entanto, o renascimento na carne, com os valores espirituais que já possuímos, representa um fato gravíssimo em nosso processo de elevação… Ai de mim, se cair outra vez!…

Dirigia-lhe exortações de coragem e bom ânimo, quando o meu orientador, dando por findo o exame da documentação, se aproximou de nós ambos e falou-lhe com afetuosa autoridade:

— Segismundo, é incrível que desfaleça no momento culminante de suas atuais realizações. Restaure a sua fé, regenere a esperança, porque você não pode entrar na corrente material, à maneira dos nossos irmãos ignorantes e infelizes, que reclamam quase absoluto estado de inconsciência para penetrarem, de novo, o santuário maternal. Não deixe de cooperar com a sua confiança em nosso labor para o seu próprio benefício. Dê trabalho à sua imaginação criadora. Mentalize os primórdios da condição fetal, formando em sua mente o modelo adequado. Você encontrará na maternidade nobre de Raquel os mais eficientes auxílios e receberá, de nós outros a mais decidida colaboração; entretanto, lembre-se de que o seu trabalho individual será muito importante, no setor da adaptação e da recepção, para que triunfe na presente oportunidade. Não perca tempo em expectativas ansiosas, cheias de dores e apreensões. Levante o padrão de suas forças morais.

Segismundo ouviu, respeitoso, a advertência. Reconheci que as palavras reconfortantes de Alexandre se fizeram seguir de maravilhoso efeito. Segismundo melhorou repentinamente, esforçando-se por alijar a carga de preocupações inúteis.

Impressionado com o esclarecimento do prestimoso mentor, não hesitei em dirigir-lhe nova consulta.

— Existem, então, — perguntei sob forte interesse, — aqueles que reencarnam inconsciente do ato que realizam?

— Certamente, — respondeu ele, solícito, — assim também como desencarnam diariamente na Crosta milhares de pessoas sem a menor noção do ato que experimentam. Somente as almas educadas têm compreensão real da verdadeira situação que se lhes apresenta em frente da morte do corpo. Do mesmo modo, aqui. A maioria dos que retornam à existência corporal na Esfera do Globo é magnetizada pelos benfeitores espirituais, que lhe organizam novas tarefas redentoras, e quantos recebem semelhante auxílio são conduzidos ao templo maternal de carne como crianças adormecidas. O trabalho inicial, que a rigor lhes compete na organização do feto, passa a ser executado pela mente materna e pelos amigos que os ajudam de nosso Plano. São inúmeros os que regressam à Crosta nessas condições, reconduzidos por autoridades superiores de nossa Esfera de ação, em vista das necessidades de certas almas encarnadas, de certos lares e determinados agrupamentos.

A explicação não podia ser mais lógica e, uma vez ainda, admirei no amoroso amigo o dom da clareza e da simplicidade.

Demoramo-nos, por mais algum tempo, naquele ninho acolhedor e, ao despedir-se, quase à meia-noite, após reconfortar o Espírito de Segismundo, Alexandre dirigiu-se a Herculano e aos construtores, nestes termos:

— Voltaremos na noite de amanhã, para a ligação inicial, fazendo a entrega de nosso irmão reencarnante aos nossos amigos.

Um dos Espíritos Construtores, que parecia o chefe do grupo em operações, abraçou-o, comovidamente, e falou:

— Contamos com o seu concurso para a divisão da cromatina no útero materno.

— Com muito prazer! — Redarguiu, bem-humorado.


Voltando a outras ocupações, não continha as ideias novas que a experiência de Segismundo despertava em mim. Como seria feito o auxílio naquelas circunstâncias? Raquel estaria consciente de nossa colaboração? Como interpretaria o casal as atividades de nosso Plano, caso viesse a conhecer a extensão de nossa tarefa? Alexandre, porém, incumbiu-se de interromper minhas indagações interiores, acrescentando, como se estivesse ouvindo os meus pensamentos:

— Em casos dessa natureza André, a nossa intervenção desenvolve-se com a mesma santidade que caracteriza o concurso de um médico responsável e honesto, ao praticar a intervenção no parto comum. A modelagem fetal e o desenvolvimento do embrião obedecem a leis físicas naturais, qual ocorre na organização de formas em outros reinos da Natureza, mas, em todos esses fenômenos, os ascendentes de cooperação espiritual coexistem com as leis, de acordo com os planos de evolução ou resgate. Nosso concurso, portanto, em processos tais, é uma das tarefas mais comuns.

Compreendi a elevação do esclarecimento e pacifiquei a mente, esperando o dia seguinte.

Escoadas, porém, as horas do dia, a curiosidade voltou a espicaçar-me. Em que momento deveríamos buscar a moradia de Adelino? Sem qualquer intenção menos digna, preocupava-me o instante da primeira ligação de Segismundo à matéria. Agiria Alexandre no momento da união sexual ou o fenômeno obedeceria a diferentes determinações? Meu orientador sorria em silêncio, compreendendo-me a tortura mental. As horas sucediam-se umas às outras e, observando-me a impaciência, Alexandre esclareceu-me, bondoso:

— Não é necessária a nossa presença ao ato de união celular. Semelhantes momentos do tálamo conjugal são sublimes e invioláveis nos lares em bases retas. Você sabe que a fecundação do óvulo materno somente se verifica algumas horas depois da união genesíaca. O elemento masculino deve fazer extensa viagem, antes de atingir o seu objetivo.

E, sorrindo, acrescentou:

— Temos tempo.

Compreendi a delicadeza dos esclarecimentos e, sequioso de informações referentes ao assunto, interroguei:


— Com relação às uniões sexuais, de acordo com o seu parecer, todas elas são invioláveis?

— Isto não, — aduziu o instrutor, atencioso, — você não deve esquecer que aludi aos “lares em bases retas”. Todos os encarnados que edificam o ninho conjugal, sobre a retidão, conquistam a presença de testemunhas respeitosas, que lhes garantem a privatividade dos atos mais íntimos, consolidando-lhes as fronteiras vibratórias e defendendo-as contra as forças menos dignas, tomando, por base de seus trabalhos, os pensamentos elevados que encontram no ambiente doméstico dos amigos; não ocorre o mesmo, entretanto, nas moradias cujos proprietários escolhem baixas testemunhas espirituais, buscando-as em zonas inferiores. A esposa infiel aos princípios nobres da vida em comum e o esposo que põe sua casa em ligação com o meretrício, não devem esperar que seus atos afetivos permaneçam coroados de veneração e santidade. Suas relações mais íntimas são objeto de participação das desvairadas testemunhas que escolheram. Tornam-se vítimas inconscientes de grupos perversos, que lhes partilham as emoções de natureza fisiológica, induzindo-as à mais dolorosa viciação. Ainda que esses cônjuges infelizes estejam temporariamente catalogados no pináculo das posições sociais humanas, não poderão trair a miserável condição interior, sequiosos que vivem de prazeres criminosos, dominados de estranha e incoercível volúpia.

A resposta impressionante de Alexandre surpreendeu-me. Compreendi com mais intensidade que cada um de nós permanece com a própria escolha de situação, em todos os lugares. Todavia, nova questão surgia-me no cérebro e procurei movimentá-la, para melhor aclarar o raciocínio.

— Entendo a magnitude de suas elucidações, — afirmei, respeitoso. — Entretanto, considerando o perigo de certas atitudes inferiores dos que assumem o compromisso da fundação de um lar, que condição, por exemplo, é a da esposa fiel e devotada, ante um marido desleal e aventureiro, no campo sexual? Permanecerá a mulher nobre e santa à mercê das criminosas testemunhas que o homem escolheu?

— Não! — Disse ele, veemente, — o mau não pode perturbar o que é genuinamente bom. Em casos dessa espécie, a esposa garantirá o ambiente doméstico, embora isto lhe custe as mais difíceis abnegações e pesados sacrifícios. Os atos que lhe exijam a presença enobrecedora são sagrados, ainda que o companheiro, na vida comum, se tenha colocado em nível inferior aos brutos. Em situações como essa, no entanto, o marido imprevidente torna-se paulatinamente cego à virtude e converte-se por vezes no escravo integral das entidades perversas que tomou por testemunhas habituais, presentes em todos os seus caminhos e atividades fora do santuário da família. Chegado a esse ponto, é muito difícil impedir-lhe a queda nos desfiladeiros fatais do crime e das trevas.

— Oh! Meu Deus! — Exclamei, — quanto trabalho esperando o concurso das almas corajosas: quanta ignorância a ser vencida!…

— Você diz bem, — acrescentou o orientador, gravemente, — porque, de fato, a maioria das tragédias conjugais se transferem para além-túmulo, criando pavorosos infernos para aqueles que as viveram na Crosta do Mundo. É muito doloroso observar a extensão dos crimes perpetrados na existência carnal e ai dos desprevenidos que não se esforçam, a tempo, no sentido de combater as paixões baixas! Angustioso lhes é aqui o despertar!…


Calei-me e Alexandre, pensativo, entrou também em silêncio profundo, dando-me a entender suas admiráveis faculdades de concentração.

Eram aproximadamente vinte e duas horas, quando nos pusemos a caminho da residência de Raquel.

A pequena família acabava de recolher-se.

Herculano e os demais receberam-nos com inequívocas demonstrações de carinho.

O chefe dos Construtores dirigiu-se ao meu instrutor, nestes termos:

— Esperávamos pela sua colaboração para iniciarmos o serviço magnético no paciente.

Passamos, em seguida, à pequena câmara, onde Segismundo repousava. Permanecia ele aflito, de olhar triste e vagueante.

Não pude sopitar uma interrogação:

— Por que motivo Segismundo sofre tanto? — Indaguei de Alexandre, em tom discreto.

— Desde muito, e, particularmente, desde a semana passada, está em processo de ligação fluídica direta com os futuros pais. Herculano está encarregado de ajudá-lo nesse trabalho. À medida que se intensifica semelhante aproximação, ele vai perdendo os pontos de contato com os veículos que consolidou em nossa Esfera, através da assimilação dos elementos de nosso Plano. Semelhante operação é necessária para que o organismo perispiritual possa retomar a plasticidade que lhe é característica e, no estágio em que ele se encontra, o serviço impõe-lhe sofrimentos.

A observação era muito nova para mim e continuei indagando:

— Mas o organismo perispirítico de Segismundo não é o mesmo que ele trouxe da Crosta, ao desencarnar pela última vez?

— Sim, — concordou o orientador, — tem a mesma identidade essencial; todavia, com o curso do tempo, em vista de nova alimentação e novos hábitos em meio muito diverso, incorporou determinados elementos de nossos Círculos de vida, dos quais é necessário se desfaça a fim de poder penetrar, com êxito, a corrente da vida carnal. Para isto, as lutas das ligações fluídicas primordiais com as emoções que lhes são consequentes desgastam-lhe as resistências dessa natureza, salientando-se que, nesta noite, faremos a parte restante do serviço, mobilizando, em seu auxílio, nossos recursos magnéticos.

— Oh! — Disse eu, — não teremos aqui um fato semelhante à morte física na Crosta?

Alexandre sorriu e aquiesceu:

— Sem dúvida, desde que consideremos a morte do corpo carnal como simples abandono de envoltórios atômicos terrestres.

Reconheci, porém, que a hora não comportava longas dissertações, e, vendo que o meu bondoso instrutor fixava a atenção nos Construtores, abstive-me de novas interrogações.


Seguido pelos amigos, Alexandre aproximou-se de Segismundo e falou-lhe, bem-humorado:

— Então? mais forte?

E, acariciando-lhe a face, acrescentou:

— Você deve estar satisfeito: é chegado o momento decisivo. Todas as nossas expressões de reconhecimento a Deus são insignificantes, diante da nova oportunidade recebida.

— Sim… — falou Segismundo, arquejante, — estou grato… não se esqueçam de mim… com o auxílio necessário.

E olhando angustiosamente para o meu orientador, observou, inquieto:

— Tenho receio… muito receio…

Alexandre sentou-se paternalmente ao lado dele e disse-lhe, com ternura:

— Não asile o monstro do medo no coração. A hora é de confiança e coragem. Ouça, Segismundo! Se você guarda alguma preocupação, divida conosco os seus pesares, fale de tudo o que constitua dificuldade em seu íntimo! Abra sua alma, querido amigo! Lembre-se de que o instante da passagem definitiva de Plano se aproxima. Torna-se indispensável manter o pensamento puro, lavado de todos os detritos!

O interlocutor deixou cair algumas lágrimas e conversou com esforço:

— Sabe que empreendi pequenina obra de socorro, nas cercanias de nossa colônia espiritual… A obra foi autorizada pelos nossos Maiores e… apesar do bom funcionamento… sinto que não está terminada e que tenho em sua estrutura grandes responsabilidades… não sei se fiz bem… pedindo agora o retorno à Crosta do Mundo, antes de consolidar meu trabalho… entretanto… reconheci que para seguir além… precisava reconciliar-me com a própria consciência, buscando os adversários de outro tempo… a fim de resgatar minhas faltas…

E enquanto o instrutor e os demais amigos o acompanhavam, em silêncio, Segismundo prosseguia:

— Foi por isto… que insisti tanto pela obtenção de minha volta… como poderia conduzir os outros à plena conversão espiritual… diante dos ensinamentos do Cristo… sem haver pago minhas próprias dívidas? como ensinar os irmãos sofredores… sofrendo eu mesmo… dolorosas chagas em virtude do passado cruel? Agora, porém… que se aproxima o recomeço difícil… tortura-me o receio de errar novamente… Quando Raquel e Adelino voltaram… prometeram-me amparo fraternal e estou certo… de que serão dois benfeitores para mim… no entanto… afligem-me receios e ansiedades ante o futuro desconhecido…

Valendo-se da pausa que se fizera naturalmente, Alexandre tomou a palavra, com franqueza e otimismo:

— Não adianta inquietar-se tanto, meu amigo! Desprenda-se de suas criações aqui. Todas as nossas obras, efetuadas de acordo com as leis divinas, sustentam-se por si mesmas e esperam-nos em qualquer tempo para a colheita de saborosos frutos de alegria eterna. Somente o mal está condenado à destruição e apenas o erro necessita laboriosos processos de retificação. Esteja, portanto, calmo e feliz. Sua insistência pelo regresso atual aos Círculos terrenos foi muito bem lembrada. O resgate do desvio de outra época concederá ao seu Espírito uma luz nova e mais brilhante. Persevere no seu propósito. Valer-se da escola, receber-lhe a orientação sublime, assenhorear-se-lhe dos benefícios, representa a maior felicidade do aluno fiel. Assim, pois, Segismundo, a sua felicidade de voltar agora à Esfera carnal é muito grande. Lave a sua mente na água viva da confiança em Deus, e caminhe. Para a nova experiência você não pode levar senão o patrimônio divino já adquirido com o seu esforço para a vida eterna, constituído pelas ideias enobrecedoras e pelas luzes íntimas que o seu Espírito já conquistou. Não se detenha, desse modo, em lembranças dos aspectos exteriores de nossas atividades neste Plano. Persistir em semelhantes estados dalma poderá trazer consequências muito graves, porquanto a sua inadaptação perturbaria o desenvolvimento fetal e determinaria a morte prematura de seu novo aparelho físico, no período infantil. Não se prenda a receios pueris. É verdade que você deve e precisa pagar, mas, em sã consciência, qual de nós não é devedor? Com tristeza e abatimento nunca resgataremos nossos débitos. É indispensável criar esperanças novas.

Segismundo fez um gesto significativo de afirmação e sorriu com dificuldade, mostrando-se menos triste.

— Não perturbe o seu trabalho valioso do momento. Recorde as graças que temos recebido e não tema!

Calando-se o mentor, notei que Segismundo, sob forte emoção, não conseguia recursos para manter a palestra. Vi-o, porém, tomar a destra de Alexandre, com infinito esforço, beijando-a, respeitoso, em sinal de reconhecimento.


Ponderei, então, no concurso enorme que todos recebemos ao regressar ao Círculo carnal. Aqueles devotados benfeitores auxiliavam Segismundo, desde o primeiro dia, e, ainda ali, diante do possível recuo do interessado, eles mesmos se mostravam dispostos a consolar-lhe todas as tristezas, levantando-lhe o ânimo para o êxito final.

Os Espíritos Construtores começaram o trabalho de magnetização do corpo perispirítico, no que eram amplamente secundados pelo esforço do abnegado orientador, que se mantinha dedicado e firme em todos os campos de serviço.

Sem que me possa fazer compreendido, de pronto, pelo leitor comum, devo dizer que “alguma coisa da forma de Segismundo estava sendo eliminada”. Quase que imperceptivelmente, à medida que se intensificavam as operações magnéticas, tornava-se ele mais pálido. Seu olhar parecia penetrar outros domínios. Tornava-se vago, menos lúcido.

A certa altura, Alexandre falou-lhe com autoridade:

— Segismundo, ajude-nos! Mantenha clareza de propósitos e pensamento firme!

Tive a impressão de que o reencarnante se esforçava por obedecer.

— Agora, — continuou o instrutor, — sintonize conosco relativamente à forma pré-infantil. Mentalize sua volta ao refúgio maternal da carne terrestre! Lembre-se da organização fetal, faça-se pequenino! Imagine sua necessidade de tornar a ser criança para aprender a ser homem!

Compreendi que o interessado precisava oferecer o maior coeficiente de cooperação individual para o êxito amplo. Surpreendido, reconheci que, ao influxo magnético de Alexandre e dos Construtores Espirituais, a forma perispiritual de Segismundo tornava-se reduzida.

A operação não foi curta, nem simples. Identificava o esforço geral para que se efetuasse a redução necessária.

Segismundo parecia cada vez menos consciente. Não nos fixava com a mesma lucidez e suas respostas às nossas perguntas afetuosas não se revelavam completas.

Por fim, com grande assombro meu, verifiquei que a forma de nosso amigo assemelhava-se à de uma criança.

O fenômeno espantava-me e não pude conter as interrogações que se me represavam no íntimo. Observando que Alexandre e os Construtores se dispunham a alguns minutos de intervalo, antes da penetração na câmara conjugal, acerquei-me do prestimoso orientador, que me percebeu, num relance, a curiosidade.

Acolheu-me, cortês como sempre, e falou:

— Já sei. Você permanece torturado pelo espírito de pesquisa.

Sorri desapontado, mas cobrei ânimo e indaguei:

— Como pode ser o que vejo? Ignorava que o renascimento compelisse o Plano espiritual a serviços tão complexos!

— O trabalho enobrecedor está em toda parte, — acentuou Alexandre, intencionalmente. — O paraíso da ociosidade é talvez a maior ilusão dos princípios teológicos que obscureceram na Crosta o sentido divino da verdadeira Religião.

Fez uma pausa, fixou um gesto expressivo e continuou:

— Quanto à estranheza de que se sente possuído, não vemos razão para tanto. A desencarnação normal na Terra obriga o corpo denso de carne a não menores modificações. A enfermidade mortal, para o homem terreno, não deixa, em certo sentido, de ser prolongada operação redutiva, libertando por fim a alma, desembaraçando-a dos laços fisiológicos. Há pessoas que, depois de algumas semanas de leito, se tornam francamente irreconhecíveis. E devemos considerar que o aparelho físico permanece muito distante da plasticidade do corpo perispiritual, profundamente sensível à influenciação magnética.

A explicação não podia ser mais lógica.


— O que vimos, porém, com Segismundo perguntei, — é regra geral para todos os casos?

— De modo algum, — respondeu o instrutor, atencioso, — os processos de reencarnação, tanto quanto os da morte física, diferem ao infinito, não existindo, segundo cremos, dois absolutamente iguais. As facilidades e obstáculos estão subordinados a fatores numerosos, muitas vezes relativos ao estado consciencial dos próprios interessados no regresso à Crosta ou na libertação dos veículos carnais. Há companheiros de grande elevação que, ao voltarem à Esfera mais densa em apostolado de serviço e iluminação, quase dispensam o nosso concurso. Outros irmãos nossos, contudo, procedentes de zonas inferiores, necessitam de cooperação muito mais complexa que a exercida no caso de Segismundo.

— Não deveriam renascer, porém, — interroguei, curioso, — tão somente aqueles que se revelassem preparados?

— Não podemos esquecer, no entanto, — refutou meu esclarecido interlocutor, — que a reencarnação é o curso repetido de lições necessárias. A Esfera da Crosta é uma escola divina. E o amor, por intermédio das atividades “intercessórias”, reconduz diariamente ao banco escolar da carne milhões de aprendizes.

O orientador amigo calou-se por alguns instantes, e prosseguiu:

— A reencarnação de Segismundo obedece às diretrizes mais comuns. Traduz expressão simbólica da maioria dos fatos dessa natureza, porquanto o nosso irmão pertence à enorme classe média dos Espíritos que habitam a Crosta, nem altamente bons, nem conscientemente maus. Acresce notar, todavia, que a volta de certas entidades das regiões mais baixas ocasiona laboriosos e pacientes esforços dos trabalhadores de nosso Plano. Semelhantes seres obrigam-nos a processos de serviço que você gastará ainda muito tempo para compreender.


As elucidações de Alexandre calavam-me fundo, satisfazendo-me a pesquisa intelectual; entretanto, novas indagações surgiam-me na mente sequiosa. Foi então que, premido por intensa e legítima curiosidade, perguntei, respeitoso:

— O auxílio que vemos atingirá, porventura, a todos? Aqui nos encontramos num lar em bases retas, segundo sua própria afirmação. Mas… se nos achássemos numa casa típica de deboche carnal? e se fôssemos aqui defrontados por paixões criminosas e desvarios desequilibrantes?

O instrutor meditou gravemente e redarguiu:

— André, o diamante perdido no lodo, por algum tempo, não deixa de ser diamante. Assim, também, a paternidade e a maternidade, em si mesmas, são sempre divinas. Em todo lugar desenvolve-se o auxílio da Esfera superior, desde que se encontre em jogo o trabalho da Vontade de Deus. Entretanto, devemos considerar que, em tais circunstâncias, as atividades de auxílio são verdadeiramente sacrificiais. As vibrações contraditórias e subversivas das paixões desvairadas da alma em desequilíbrio, comprometem os nossos melhores esforços, e, muitas vezes, nessas paisagens de irresponsabilidade e viciação, para ajudar, em obediência ao nosso ministério, devemos, antes de tudo, lutar contra entidades monstruosas, dominadoras dos Círculos de vida dos homens e das mulheres que, imprevidentemente, escolhem o perigoso caminho da perturbação emocional, onde tais entidades ignorantes e desequilibradas transitam. Nesses casos, nem sempre a nossa colaboração pode ser perfeita, porquanto são os próprios pais que, menosprezando a grandeza do mandato que lhes foi confiado, abrem as portas de suas potências sagradas aos impiedosos monstros da sombra que lhes perseguem os filhos nascituros. Certas almas heroicas escolhem semelhante entrada na existência carnal, a fim de se fortalecerem nas resistências supremas contra o mal, desde os primeiros dias de serviço uterino. Entretanto, devemos considerar que é preciso ser suficientemente forte na fé e na coragem para não sucumbir. Nos renascimentos dessa espécie, o maior número de criaturas, porém, cumpre o programa salutar das provações retificadoras. Muitas fracassam; todavia, há sempre grande quantidade das que retiram os melhores lucros espirituais no setor da experiência para a vida eterna.

Alexandre comentara o assunto com imponente beleza. Começava eu a compreender a procedência de certos fenômenos teratológicos e de determinadas moléstias congênitas que, no mundo, confrangem o coração. As asserções do momento levavam-me a novo e fascinante estudo — a questão das provas retificadoras e necessárias.


Em seguida Alexandre convidou os Construtores a examinarem os mapas cromossômicos, em companhia dele, junto de Herculano. Acompanhei o trabalho com interesse, embora absolutamente desprovido de competência para ajuizar com precisão, relativamente aos caprichosos desenhos sob nosso olhar.

Não me é dado transmitir determinadas definições daquela pequena assembleia de autoridades espirituais, por falta de elementos para a comparação analógica, mas posso dizer que, finda a parte propriamente técnica das conversações, o meu orientador acrescentava, satisfeito:

— Com exceção do tubo arterial, na parte a dilatar-se para o mecanismo do coração, tudo irá muito bem. Todos os genes poderão ser localizados com normalidade absoluta.

Depois de pequena pausa, acentuou:

— Os membros e os órgãos serão excelentes. E se o nosso amigo souber valorizar as oportunidades do futuro, possivelmente conquistará o equilíbrio do aparelho circulatório, mantendo-se em serviço de iluminação por abençoado tempo de trabalho terrestre. Depende dele o êxito preciso.

Voltando-se para os Construtores, falou-lhes, afável:

— Meus amigos, o nosso Herculano permanecerá em definitivo junto de Segismundo, na nova experiência, até que ele atinja os sete anos, após o renascimento, ocasião em que o processo reencarnacionista estará consolidado. Depois desse período, a sua tarefa de amigo e orientador será amenizada, visto que seguirá o nosso irmão em sentido mais distante. Sei que o devotado companheiro tomará todas as providências indispensáveis à harmoniosa organização fetal, seja auxiliando o reencarnante, seja defendendo o templo maternal contra o assédio de forças menos dignas; entretanto, peço-lhes muita atenção nos primórdios de formação do timo, glândula, como sabem, de importância essencial para a vida infantil, desde o útero materno. Precisamos do equilíbrio perfeito desse departamento glandular, até que se forme a medula óssea e se habilite à produção dos corpúsculos vermelhos para o sangue. Os diversos gráficos das disposições cromossômicas facilitarão os serviços dessa natureza.


Alguns dos amigos presentes passaram a observar os mapas com maior atenção.

Enquanto se estendiam, sob meus olhos, aqueles microscópicos sinais, facultando amplo exame da célula-ovo, acerquei-me do instrutor e, sentindo-o mais acessível às minhas interrogações, perguntei:

— Temos, nestes mapas, a geografia dos genes da hereditariedade distribuídos nos cromossomos. A lei da herança, porém, será ilimitada? A criatura receberá, ao renascer, a total imposição dos característicos dos pais? As enfermidades ou as disposições criminosas serão transmissíveis de maneira integral?

— Não, André, — observou o orientador, com grave inflexão, — estamos diante dum fenômeno físico natural. O organismo dos nascituros, em sua expressão mais densa, provém do corpo dos pais, que lhes entretêm a vida e lhes criam os caracteres com o próprio sangue; todavia, em semelhante imperativo das leis divinas para o serviço de reprodução das formas, não devemos ver a subversão dos princípios de liberdade espiritual, imanente na ordem da Criação Infinita. Por isso mesmo, a criatura terrena herda tendências e não, qualidades. As primeiras cercam o homem que renasce, desde os primeiros dias de luta, não só em seu corpo transitório, mas também no ambiente geral a que foi chamado a viver, aprimorando-se; as segundas resultam do labor individual da alma encarnada, na defesa, educação e aperfeiçoamento de si mesma nos círculos benditos da experiência. Se o Espírito reencarnado estima as tendências inferiores, desenvolvê-las-á, ao reencontrá-las dentro do novo quadro de experiência humana, perdendo um tempo precioso e menosprezando o sublime ensejo de elevação. Todavia, se a alma que regressa ao mundo permanece disposta ao serviço de autoelevação, sobrepairará a quaisquer exigências menos nobres do corpo ou do ambiente, triunfando sobre as condições adversas e obtendo títulos de vitória da mais alta significação para a vida eterna. Em sã consciência, portanto, ninguém se pode queixar de forças destruidoras ou de circunstâncias asfixiantes, em se referindo ao círculo onde renasceu. Haverá sempre, dentro de nós, a luz da liberdade íntima indicando-nos a ascensão. Praticando a subida espiritual, melhoraremos sempre. Esta é a lei.


Em virtude das anteriores explicações do orientador, relativamente à importância da assistência de Herculano a Segismundo reencarnado, até aos sete anos, procurei obter do instrutor alguma elucidação a respeito. Pedi desculpas a Alexandre, todavia, não me pude furtar à delicada inquirição. Porque tamanho cuidado com o sangue do futuro recém-nascido? Somente aos sete anos iniciais de existência humana estaria terminado o serviço de reencarnação?

Como sempre acontecia, o nobre mentor ouviu-me, complacente, sorriu qual pai carinhoso e respondeu, solícito:

— Você não ignora que o corpo humano tem as suas atividades propriamente vegetativas, mas talvez ainda não saiba que o corpo perispiritual, que dá forma aos elementos celulares, está fortemente radicado no sangue. [Vide: Dt 12:23 e Lv 17:14] Na organização fetal, o patrimônio sanguíneo é uma dádiva do organismo materno. Logo após o renascimento, inicia-se o período de assimilação diferente das energias orgânicas, em que o “eu” reencarnado ensaia a consolidação de suas novas experiências e, somente aos sete anos de vida comum, começa a presidir, por si mesmo, ao processo de formação do sangue, elemento básico de equilíbrio ao corpo perispirítico ou forma preexistente, no novo serviço iniciado. O sangue, portanto, é como se fora o fluido divino que nos fixa as atividades no campo material e em seu fluxo e refluxo incessantes, na organização fisiológica, nos fornece o símbolo do eterno movimento das forças sublimes da Criação Infinita. Quando a sua circulação deixa de ser livre, surge o desequilíbrio ou enfermidade e, se surgem obstáculos que impedem o seu movimento, de maneira absoluta, então sobrevêm a extinção do tônus vital, no campo físico, ao qual se segue a morte com a retirada imediata da alma.


Fortemente impressionado com a revelação do respeitável amigo, observei:

— Oh! Como é grande a responsabilidade do homem, em frente ao corpo material!

— Diz bem, — acrescentou o orientador, — ao se referir com semelhante admiração a esse soberano dever da criatura reencarnada. Sem atender às pesadas responsabilidades que lhe competem na preservação do vaso físico, homem algum poderá realizar o progresso espiritual. O Espírito renasce na carne para a produção de valores divinos em sua natureza; mas como atender a semelhante imperativo, destruindo a máquina orgânica, base fundamental do serviço a fazer? Inda agora, referia-se você à lei da herança. O corpo terreno é também um patrimônio herdado há milênios e que a Humanidade vem aperfeiçoando, através dos séculos. O plasma, sublime construção efetuada ao influxo divino, com água do mar, nas épocas primitivas, é o fundamento primordial das organizações fisiológicas. Em voltando à Crosta, temos de aproveitar-lhe a herança, mais ou menos evolvida no corpo humano.

A essa altura das elucidações surpreendentes para mim, Alexandre, depois de ligeiro intervalo, continuou:

— Por isso mesmo, não desconhece você que, enquanto nos movimentamos na Esfera da carne, somos criaturas marinhas respirando em terra firme. No processo vulgar de alimentação, não podemos prescindir do sal; nosso mecanismo fisiológico, a rigor, se constitui de sessenta por cento de água salgada, cuja composição é quase idêntica à do mar, constante dos sais de sódio, de cálcio, de potássio. Encontra-se, na Esfera de atividade fisiológica do homem reencarnado, o sabor do sal no sangue, no suor, nas lágrimas, nas secreções. Os corpúsculos aclimatados nos mares mais quentes viveriam à vontade no líquido orgânico. Há verdadeiras surpresas de comparação analógica que poderíamos efetuar neste sentido.

Não soube o que responder, em vista das definições ouvidas, e, ante o meu silêncio, foi o próprio Alexandre que continuou, depois de significativa parada:

— Como vê, ao renascermos na Crosta do Mundo, recebemos com o corpo uma herança sagrada, cujos valores precisamos preservar, aperfeiçoando-o. As forças físicas devem evolutir como as nossas almas. Se nos oferecem o vaso de serviço para novas experiências de elevação, devemos retribuir, com o nosso esforço, auxiliando-as com a luz de nosso respeito e equilíbrio espiritual, no campo de trabalho e educação orgânica. O homem do futuro compreenderá que as suas células não representam apenas segmentos de carne, mas companheiras de evolução, credoras de seu reconhecimento e auxílio efetivo. Sem esse entendimento de harmonia no império orgânico, é inútil procurar a paz.

A conversação brilhante do orientador magnânimo e sábio sugeria sublimes questões. Entretanto, ele mesmo recordou-me o trabalho em curso e deu por findos os esclarecimentos daquela hora.


Estávamos a duas horas depois de meia-noite.

Permaneciam agora, ao nosso lado, não somente Alexandre e os Construtores, mas também diversos amigos espirituais da família.

Congregando todos os companheiros em torno de si, como figura máxima daquela reunião, Alexandre falou, gravemente:

— Agora, meus irmãos, penetremos a câmara de nossos dedicados colaboradores para que se efetue o júbilo da união espiritual.

E, depositando Segismundo nos braços da entidade que fora na Crosta Terrestre a carinhosa mãe de Raquel, acentuou:

— Seja você, minha irmã, a portadora do sagrado depósito. O coração filial que nos espera sentirá novas felicidades ao contato de sua ternura. Raquel bem merece semelhante alegria.

Voltando-se para a assembleia ali congregada, explicou:

— Faremos agora o ato de ligação inicial, em sentido direto, de Segismundo com a matéria orgânica. Espero, porém, caros companheiros, a visita reiterada de todos vocês ao nosso irmão reencarnante, principalmente no período de gestação do seu corpo futuro. Não ignoram o valor da colaboração afetuosa nesse serviço. Somente aqueles que semearam muitas afeições podem receber o concurso de muitos amigos e Segismundo deve receber esse prêmio pelos seus nobres sentimentos e elevados trabalhos a todos nós, nestes últimos anos em que se devotou a grandes obras de benemerência e fraternidade.

Logo após, penetrávamos o aposento conjugal, onde o espetáculo íntimo era divinamente belo. No leito de madeira, em macios lençóis de linho, repousavam dois corpos que a bênção do sono imobilizava, mas, ali mesmo, Adelino e Raquel nos esperavam em Espírito, conscientes da grandeza da hora em curso. Em despertando na Esfera densa de luta e aprendizado, seus cérebros carnais não conseguiriam fixar a reminiscência perfeita daquela cena espiritual, em que se destacavam como principais protagonistas; contudo, o fato gravar-se-ia para sempre em sua memória eterna.

Os amigos invisíveis do lar, companheiros de nosso Plano, haviam enchido a câmara de flores de luz. Desde a meia-noite, haviam obtido permissão para ingressar no futuro berço de Segismundo, com o amoroso propósito de adornar-lhe os caminhos do recomeço.

Mais de cem amigos se reuniam ali, prestando-lhe afetuosa homenagem.

Alexandre caminhou à nossa frente, cumprimentando carinhosamente o casal, temporariamente desligado dos veículos físicos.

Em seguida, com a melhor harmonia, os presentes passaram às saudações, enchendo de conforto celeste o coração dos cônjuges esperançosos.

O quadro era lindo e comovedor.

Duas entidades, ao meu lado, comentavam fraternalmente:

— É sempre penoso voltar à carne, depois de havermos conhecido as regiões de luz divina; entretanto, é tão sagrado o amor cristão que, mesmo em tal circunstância, sublime é a felicidade daqueles que o praticam.

— Sim, — respondeu a outra, — Segismundo tem lutado muito pela redenção e, nessa luta, vem sendo um servo devotado de todos nós. Bem merece as alegrias desta hora.

A esse tempo, observei que a entidade convidada a guardar o reencarnante se mantinha à pequena distância de Raquel, entre os Espíritos Construtores.

Refletia sobre esse fato, quando alguém me tocou levemente, despertando-me a atenção. Era Alexandre que sorria paternalmente, elucidando-me:

— Deixemos os nossos amigos, por alguns minutos, no suave contentamento das expansões afetivas. Iniciaremos o trabalho no momento oportuno.


Perplexo, diante dos fatos novos para mim, eu não acomodara o raciocínio em face dos múltiplos problemas daquela noite. Por isso mesmo, alucinantes interrogações vagueavam-me no cérebro. O orientador percebeu-me o estado dalma e, talvez por esse motivo, deu-me a impressão de mais paciente.

Valendo-me daquele instante, indiquei Segismundo, recolhido nos braços acolhedores que o guardavam, e perguntei:

— Nosso irmão reencarnante apresentar-se-á, mais tarde, entre os homens, tal qual vivia entre nós? Já que as suas instruções se baseiam na forma perispiritual preexistente, terá ele a mesma altura, bem como as mesmas expressões que o caracterizavam em nossa Esfera?

Alexandre respondeu sem titubear:

— Raciocine devagar, André! Falamos da forma preexistente, nela significando o modelo de configuração típica ou, mais propriamente, o “uniforme humano”. Os contornos e minúcias anatômicas vão desenvolver-se de acordo com os princípios de equilíbrio e com a lei da hereditariedade. A forma física futura de nosso amigo Segismundo dependerá dos cromossomos paternos e maternos; adicione, porém, a esse fator primordial, a influência dos moldes mentais de Raquel, a atuação do próprio interessado, o concurso dos Espíritos Construtores, que agirão como funcionários da natureza divina, invisíveis ao olhar terrestre, o auxílio afetuoso das entidades amigas que visitarão constantemente o reencarnante, nos meses de formação do novo corpo, e poderá fazer uma ideia do que vem a ser o templo físico que ele possuirá, por algum tempo, como dádiva da Superior Autoridade de Deus, a fim de que se valha da bendita oportunidade de redenção do passado e iluminação para o futuro, no tempo e no espaço. Alguns fisiologistas da Crosta concordam em asseverar que a vida humana é uma resultante de conflitos biológicos, esquecidos de que, muitas vezes, o conflito aparente das forças orgânicas não é senão a prática avançada da lei de cooperação espiritual.

— Segismundo terá então, — insisti, — uma forma física eventual, imprecisa, por enquanto, ao nosso conhecimento?

O instrutor esclareceu sem demora:

— Se estivéssemos diretamente ligados ao caso dele, estaríamos de posse de todas as informações referentes ao porvir, nesse particular, mas a nossa colaboração neste acontecimento é transitória e sem maior significação no tempo. Os orientadores de Segismundo, porém, nas Esferas mais altas, guardam o programa traçado para o bem do reencarnante. Note que me refiro ao bem e não ao destino. Muita gente confunde plano construtivo com fatalismo. O próprio Segismundo e o nosso irmão Herculano estão de posse dos informes a que nos reportamos, porque ninguém penetra num educandário, para estágio mais ou menos longo, sem finalidade específica e sem conhecimento dos estatutos a que deve obedecer.

Nesse ponto, o mentor generoso fez ligeiro intervalo e continuou em seguida:

— Os contornos anatômicos da forma física, disformes ou perfeitos, longilíneos ou brevilíneos, belos ou feios, fazem parte dos estatutos educativos. Em geral, a reencarnação sistemática é sempre um curso laborioso de trabalho contra os defeitos morais preexistentes nas lições e conflitos presentes. Pormenores anatômicos imperfeitos, circunstâncias adversas, ambientes hostis, constituem, na maioria das vezes, os melhores lugares de aprendizado e redenção para aqueles que renascem. Por isso, o mapa de provas úteis é organizado com antecedência, como o caderno de apontamentos dos aprendizes nas escolas comuns. Em vista disso, o mapa alusivo a Segismundo está devidamente traçado, levando-se em conta a cooperação fisiológica dos pais, a paisagem doméstica e o concurso fraterno que lhe será prestado por inúmeros amigos daqui. Imagine, pois, o nosso amigo voltando a uma escola, que é a Terra; assim procedendo, alimenta um propósito que é o da aquisição de valores novos. Ora, para realizá-lo terá de submeter-se às regras do educandário, renunciando, até certo ponto, à grande liberdade de que dispõe em nosso meio.

— Não poderíamos, porém, — indaguei, — intitular semelhante prova de — “destino fixado”?

O instrutor aduziu com paciência:

— Não incida no erro de muita gente. Isto implicaria obrigatoriedade de conduta espiritual. Naturalmente, a criatura renasce com independência relativa e, por vezes, subordinada a certas condições mais ásperas, em virtude das finalidades educativas, mas semelhante imperativo não suprime, em caso algum, o impulso livre da alma, no sentido de elevação, estacionamento ou queda em situações mais baixas. Existe um programa de tarefas edificantes a serem cumpridas por aquele que reencarna, onde os dirigentes da alma fixam a cota aproximada de valores eternos que o reencarnante é suscetível de adquirir na existência transitória. E o Espírito que torna à Esfera de carne pode melhorar essa cota de valores, ultrapassando a previsão superior, pelo esforço próprio intensivo, ou distanciar-se dela, enterrando-se ainda mais nos débitos para com o próximo, menosprezando as santas oportunidades que lhe foram conferidas.

A essa altura, Alexandre interrompeu-se, talvez ponderando o tempo gasto em nossa conversação, e, como quem sentia necessidade de pôr termo à palestra, observou:

— Todo plano traçado na Esfera Superior tem por objetivos fundamentais o bem e a ascensão, e toda alma que reencarna no Círculo da Crosta, ainda aquela que se encontre em condições aparentemente desesperadoras, tem recursos para melhorar sempre.


Logo após, convidou-me o orientador amigo a nos aproximarmos do casal.

Recordou Alexandre que a hora ia adiantada e devíamos entregar aos cônjuges felizes o sagrado depósito.

Os Construtores, por intermédio do mentor que os dirigia, pediram-lhe fizesse a prece daquele ato de confiança e observei que profundo silêncio se fizera entre todos.

Dispunha-se o instrutor ao serviço da oração, quando Raquel se lhe aproximou, e pediu, humilde:

— Boníssimo amigo, se é possível, desejaria receber meu novo filho, de joelhos!…

Alexandre aquiesceu sorrindo e, mantendo-se entre ela, genuflexa, e Adelino que se conservava, como nós outros, de pé, extremamente comovido, começou a orar, estendendo as mãos generosas para o alto:


— “Pai de Amor e Sabedoria, digna-Te abençoar os filhos de Tua Casa Terrestre, que vão partilhar contigo, neste momento, a divina faculdade criadora! Senhor, faze descer, por misericórdia, a Tua bênção neste ninho afetuoso, transformado em asilo de reconciliação. Aqui nos reunimos, companheiros de luta no passado, acompanhando o amigo que retorna ao testemunho de humildade e compreensão de Tua lei!

“Oh! Pai, fortifica-o para a travessia longa do rio do esquecimento temporário, permite que possamos manter sempre viva a sua esperança, ajuda-nos, ainda e sempre, para que possamos vencer todo o mal!

“Concede aos que recebem agora o novo ministério de orientação do lar, com o nascimento de um novo filho, a Tua luz generosa e santificada, que dissipa todas as sombras! Fortalece-lhes, Senhor, a noção de responsabilidade, abre-lhes a porta de Tua confiança sublime, conserva-os na bendita alegria de Teu amor desvelado! Restaura-lhes as energias para que recebam, jubilosos, a missão da renúncia até ao fim, santifica-lhes os prazeres para que não se percam nos despenhadeiros da fantasia!

“Este, Senhor, é um ato de confiança de Tua bondade infinita que desejamos honrar para sempre! Abençoa, pois, o nosso trabalho amoroso e, sobretudo, Pai, suplicamos Tua graça para a nossa irmã que se entrega, reverente, ao divino sacrifício da maternidade. Unge-lhe o coração com a Tua magnanimidade paternal, intensifica-lhe o bom ânimo, dilata-lhe a fé no futuro sem fim! Sejam para ela, em particular, os nossos melhores pensamentos, nossos votos de paz e esperanças mais puras!

“Acima de tudo, porém, Senhor, seja feita a Tua vontade em todos os recantos do Universo, e que nos caiba, a nós, humildes servos de Teu reino, a alegria incessante de reverenciar-Te e obedecer-Te para sempre!…”


Calara-se Alexandre, observando eu que todo o aposento se enchia de novas luzes. Reconheci que de todos nós, entidades espirituais que ali nos congregávamos, partiam raios luminosos que se derramavam sobre Raquel em pranto de emoção sublime, mas o fenômeno radioso não se circunscreveu a isto. Tão logo o meu orientador se calara, alguma coisa parecia responder à sua súplica. Leve rumor, que apenas encontrava eco em nossos ouvidos, se fazia sentir acima de nossas cabeças. Ergui-me, surpreso, e pude ver que uma coroa brilhante e infinitamente bela descia do alto sobre a fronte de Raquel, ajoelhada, em silêncio. Tive a impressão de que a auréola se compunha de turmalinas eterizadas, que miraculoso ourives houvera tornado resplandecentes. Seu brilho feria-nos o olhar e o próprio Alexandre, ao fixá-la, curvou-se, reverente. A coroa sublime, sustentada por Espíritos muito superiores a nós, que eu não podia ver, descansou sobre a fronte de Raquel.

Notei, embora a comoção do momento, que o meu instrutor fez um gesto à depositária de Segismundo, para que efetuasse a entrega do reencarnante aos braços maternais.

Raquel, dando-me a impressão de que não via a luminosa auréola, ergueu os olhos rasos de lágrimas e recebeu o depósito que o Céu lhe confiava. Alexandre estendeu-lhe a destra, ajudando-a a levantar-se, e vi que Adelino se aproximou da esposa, estreitando-a carinhosamente nos braços, beijando-lhe a fronte orvalhada de luz.

Foi então, — ó divino mistério da Criação Infinita de Deus! — Que a vi apertar a “forma infantil” de Segismundo de encontro ao coração, mas tão fortemente, tão amorosamente, que me pareceu uma sacerdotisa do Poder da Divindade Suprema. Segismundo ligara-se a ela como a flor se une à haste. Então compreendi que, desde aquele momento, era alma de sua alma aquele que seria carne de sua carne.


Alexandre recomendou aos amigos presentes, com exceção dos Construtores, de Herculano e de mim, que se afastassem da câmara, conduzindo Adelino, confortado e feliz, a pequena excursão pelo exterior; e, guiando Raquel, com infinito cuidado, ao corpo físico, disse-nos:

— Agora, auxiliemos nosso amigo no primeiro contato com a matéria mais densa.

Raquel acordara, experimentando no coração estranha ventura. Abraçou-se, instintivamente, ao companheiro adormecido, como o navegante feliz, ao sentir-se em porto de tranquilidade e segurança. Havia atravessado o espesso véu de vibrações que separa o Plano espiritual da Esfera física e não conservava qualquer reminiscência precisa da sublime felicidade de momentos antes; todavia, seu sentimento de júbilo permanecia dilatado, suas esperanças transbordavam e uma confiança imensa no porvir acalentava-lhe, agora, o coração. Seria mãe pela segunda vez? — Pensava, contente. Essa ideia, que lhe não despontava no cérebro por acaso, balsamizava-lhe a alma com deliciosa alegria. Estava pronta para o serviço divino da maternidade, confiaria no Senhor como escrava de sua bondade infinita.

Não via a esposa de Adelino que Alexandre e os Construtores Espirituais lhe rodeavam a mente de sublime luz, banhando-lhe as ideias com a água viva do amor espiritual.


Observando que a forma de Segismundo se ligara a ela, por divino processo de união magnética, recebi a determinação do meu orientador para seguir-lhe, de perto, o trabalho de auxílio na ligação definitiva de Segismundo à matéria.

Indicando os órgãos geradores de Raquel e fazendo incidir sobre eles a sua luz, Alexandre preveniu-me, quanto à grandeza do quadro sob nossa observação, acentuando, respeitosamente:

— Temos aqui o altar sublime da maternidade humana. Perante o seu augusto tabernáculo, ao qual devemos a claridade divina de nossas experiências, devemos cooperar, na tarefa do amor, guardando a consciência voltada para a Majestade Suprema.

Inclinei-me para a organização feminina de nossa irmã reencarnada, dentro de uma veneração que nunca, até então, havia sentido.

Auxiliado pelo concurso magnético do mentor querençoso, passei a observar as minúcias do fenômeno da fecundação.

Através dos condutos naturais, corriam os elementos sexuais masculinos, em busca do óvulo, como se estivessem preparados de antemão para uma prova eliminatória, em corrida de três milímetros, aproximadamente, por minuto. Surpreendido, reconheci que o número deles se contava por milhões e que seguiam, em massa, para a frente, em impulso instintivo, na sagrada competição.

No silêncio sublime daqueles minutos, compreendi que Alexandre, em vista de ser o missionário mais elevado do grupo em operação de auxílio, dirigia os serviços graves da ligação primordial. Segundo depreendi, ele podia ver as disposições cromossômicas de todos os princípios masculinos em movimento, depois de haver observado, atentamente, o futuro óvulo materno, presidindo ao trabalho prévio de determinação do sexo do corpo a organizar-se.

Após acompanhar, profundamente absorto no serviço, a marcha dos minúsculos competidores que constituíam a substância fecundante, identificou o mais apto, fixando nele o seu potencial magnético, dando-me a ideia de que o ajudava a desembaraçar-se dos companheiros para que fosse o primeiro a penetrar a pequenina bolsa maternal. O elemento focalizado por ele ganhou nova energia sobre os demais e avançou rapidamente na direção do alvo. A célula feminina que, em face do microscópico projétil espermático, se assemelhava a um pequeno mundo arredondado de açúcar, amido e proteínas, aguardando o raio vitalizante, sofreu a dilaceração da cutícula, à maneira de pequenina embarcação torpedeada, e enrijeceu-se, de modo singular, cerrando os poros tenuíssimos, como se estivesse disposta a recolher-se às profundezas de si mesma, a fim de receber, face a face, o esperado visitante, e impedindo a intromissão de qualquer outro dos competidores, que haviam perdido a primeira posição na grande prova. Sempre sob o influxo luminoso-magnético de Alexandre, o elemento vitorioso prosseguiu a marcha, depois de atravessar a periferia do óvulo, gastando pouco mais de quatro minutos para alcançar o seu núcleo. Ambas as forças, masculina e feminina, formavam agora uma só, convertendo-se ao meu olhar em tenuíssimo foco de luz. O meu orientador, absolutamente entregue ao seu trabalho, tocou a pequenina forma com a destra, mantendo-se no serviço de divisão da cromatina, cujas particularidades são ainda inacessíveis à minha compreensão, conservando a atitude do cirurgião seguro de si, na técnica operatória. Em seguida Alexandre ajustou a forma reduzida de Segismundo, que se interpenetrava com o organismo perispirítico de Raquel, sobre aquele microscópico globo de luz, impregnado de vida, e observei que essa vida latente começou a movimentar-se.

Havia decorrido precisamente um quarto de hora, a contar do instante em que o elemento ativo ganhara o núcleo do óvulo passivo.

Depois de prolongada aplicação magnética, que era secundada pelo esforço dos Espíritos Construtores, Alexandre aproximou-se de mim e falou:

— Está terminada a operação inicial de ligação. Que Deus nos proteja.


Sentindo a admiração com que eu seguia, agora, o processo da divisão celular, em que se formava rapidamente a vesícula de germinação, o orientador acentuou:

— O organismo maternal fornecerá todo o alimento para a organização básica do aparelho físico, enquanto a forma reduzida de Segismundo, como vigoroso modelo, atuará como ímã entre limalhas de ferro, dando forma consistente à sua futura manifestação no cenário da Crosta.

Estava boquiaberto, diante do que me fora dado observar. E, sentindo que o fenômeno da redução perispiritual de Segismundo era um fato espantoso aos meus olhos, acrescentou bondosamente o instrutor:

— Não se esqueça, André, de que a reencarnação significa recomeço nos processos de evolução ou de retificação. Lembre-se de que os organismos mais perfeitos da nossa Casa Planetária procedem inicialmente da ameba. Ora, recomeço significa “recapitulação” ou “volta ao princípio”. Por isso mesmo, em seu desenvolvimento embrionário, o futuro corpo de um homem não pode ser distinto da formação do réptil ou do pássaro. O que opera a diferenciação da forma é o valor evolutivo, contido no molde perispirítico do ser que toma os fluidos da carne. Assim pois, ao regressar à Esfera mais densa, como acontece a Segismundo, é indispensável recapitular todas as experiências vividas no longo drama de nosso aperfeiçoamento, ainda que seja por dias e horas breves, repetindo em curso rápido as etapas vencidas ou lições adquiridas, estacionando na posição em que devemos prosseguir no aprendizado. Logo depois da forma microscópica da ameba, surgirão no processo fetal de Segismundo os sinais da era aquática de nossa evolução e, assim por diante, todos os períodos de transição ou estações de progresso que a criatura já transpôs na jornada incessante do aperfeiçoamento, dentro da qual nos encontramos, agora, na condição de humanidade.

A hora ia muito avançada.

Sentindo que Alexandre não se demoraria, acerquei-me, ainda uma vez, do quadro de formação fetal. O óvulo fecundado animava-se de profunda vida, evolutindo para a vesícula germinal.

O orientador amigo convidou-me à retirada e falou:

— Meu trabalho está findo. Entretanto, André, considerando as suas necessidades de valores novos, poderei solicitar aos Construtores a aquiescência de sua cooperação fraterna nos serviços protetores, sempre que você conte com oportunidade de vir até aqui.

Rejubilei-me, encantado. Efetivamente, não desejava outra coisa. Aquele estudo de embriologia, sob novo prisma, era fascinante e maravilhoso.

Enquanto dava expansão à minha alegria íntima, o obsequioso mentor combinava providências, relativas ao meu concurso e aprendizado simultâneos, ouvindo os companheiros.

Daí a momentos, quando trocávamos saudações de despedida, Herculano, com muita simpatia e acolhimento, declarou que permaneceria à minha espera, sempre que eu pudesse voltar à residência de Adelino, para colaborar nos trabalhos de proteção.




[Vide no , um exemplo do que se passa quando um dos cônjuges, de reta conduta, consegue proteger o tálamo conjugal de ligações com entidades inferiores.]