Missionários da Luz

Capítulo XVIII

Obsessão



A conselho de orientadores experimentados, o agrupamento a que Alexandre emprestava preciosa colaboração reunia-se, em noites previamente determinadas, para atender aos casos de obsessão. Era necessário reduzir, tanto quanto possível, a heterogeneidade vibratória do ambiente, o que compelia a direção da casa a limitar o número de encarnados nos serviços de benefício espiritual.

Semelhante capítulo de nossas atividades impressionava-me fortemente, razão por que, depois de obter a permissão de Alexandre para acompanhá-lo ao trabalho, interroguei-o com a curiosidade de sempre:

— Todo obsidiado é um médium, na acepção legítima do termo?

O instrutor sorriu e considerou:

— Médiuns, meu amigo, inclusive nós outros, os desencarnados, todos o somos, em vista de sermos intermediários do bem que procede de Mais Alto, quando nos elevamos, ou portadores do mal, colhido nas Zonas Inferiores, quando caímos em desequilíbrio. O obsidiado, porém, acima de médium de energias perturbadas, é quase sempre um enfermo, representando uma legião de doentes invisíveis ao olhar humano. Por isto mesmo, constitui, em todas as circunstâncias, um caso especial, exigindo muita atenção, prudência e carinho.

Lembrando as conversações ouvidas entre os companheiros encarnados, cooperadores assíduos do esforço de Alexandre e outros instrutores, acrescentei:

— Pelo que me diz, compreendo as dificuldades que envolvem os problemas alusivos à cura; entretanto, recordo-me do otimismo com que nossos amigos comentam a posição dos obsidiados que serão trazidos a tratamento…

O generoso mentor fixou um sorriso paternal e observou:

— Eles, por enquanto, não podem ver senão o ato presente do drama multissecular de cada um. Não ponderam que obsidiado e obsessor são duas almas a chegarem de muito longe, extremamente ligadas nas perturbações que lhes são peculiares. Nossos irmãos na carne procedem acertadamente entregando-se ao trabalho com alegria, porque de todo esforço nobre resulta um bem que fica indestrutível na Esfera espiritual; no entanto, deveriam ser comedidos nas promessas de melhoras imediatas, no campo físico, e, de modo algum, deveriam formular julgamento prematuro em cada caso, porquanto é muito difícil identificar a verdadeira vítima com a visão circunscrita do corpo terrestre.

Depois de pequena pausa, continuou:

— Também observei o exagerado otimismo dos companheiros, vendo que alguns deles, mais levianos, chegavam a fazer promessas formais de cura às famílias dos enfermos. Claro que serão enormes os benefícios a serem colhidos pelos doentes; todavia, se devemos estimar o bom ânimo, cumpre-nos desaprovar o entusiasmo desequilibrado e sem rumo.

— Já conhece todos os casos? — indaguei.

— Todos, — respondeu Alexandre, sem hesitar. — Dos cinco que constituirão o motivo da próxima reunião, apenas uma jovem revela possibilidades de melhoras mais ou menos rápidas. Os demais comparecerão simplesmente para socorro, evitando agravo nas provas necessárias.

Considerando muito interessante a menção especial que se fazia, perguntei:

— Gozará a jovem de proteção diferente?

O instrutor sorriu e esclareceu:

— Não se trata de proteção, mas de esforço próprio. O obsidiado, além de enfermo, representante de outros enfermos, quase sempre é também uma criatura repleta de torturantes problemas espirituais. Se lhe falta vontade firme para a autoeducação, para a disciplina de si mesma, é quase certo que prolongará sua condição dolorosa além da morte. Que acontece a um homem indiferente ao governo do próprio lar? Indubitavelmente será assediado por mil e uma questões, no curso de cada dia, e acabará vencido, convertendo-se em joguete das circunstâncias. Imagine agora que esse homem indiferente esteja cercado de inimigos que ele mesmo criou, adversários que lhe espreitam os menores gestos, tomados de sinistros propósitos, na maioria das vezes… Se não desperta para as realidades da situação, empunhando as armas da resistência e valendo-se do auxílio exterior que lhe é prestado pelos amigos, é razoável que permaneça esmagado. Esta, a definição da maior percentagem dos casos espirituais de que estamos tratando. Não representa, porém, a característica exclusiva das obsessões de ordem geral. Existem igualmente os processos laboriosos de resgate, em que, depois de afastados os elementos da perturbação e da sombra, perseveram as situações expiatórias. Em todos os acontecimentos dessa espécie, porém, não se pode prescindir da adesão dos interessados diretos na cura. Se o obsidiado está satisfeito na posição de desequilíbrio, há que esperar o término de sua cegueira; a redução da rebeldia que lhe é própria ou o afastamento da ignorância que lhe oculta a compreensão da verdade. Ante obstáculos dessa natureza, embora sejamos chamados com fervor por aqueles que amam particularmente os enfermos, nada podemos fazer, senão semear o bem para a colheita do futuro, sem qualquer expectativa de proveito imediato.

O instrutor imprimiu ligeiro intervalo à conversação, e, porque visse minha necessidade de esclarecimento, prosseguiu:

— A jovem a que me referi está procurando a restauração das forças psíquicas, por si mesma; tem lutado incessantemente contra as investidas de entidades malignas, mobilizando todos os recursos de que dispõe no campo da prece, do autodomínio, da meditação. Não está esperando o milagre da cura sem esforço e, não obstante terrivelmente perseguida por seres inferiores, vem aproveitando toda espécie de ajuda que os amigos de nosso Plano projetam em seu círculo pessoal. A diferença, pois, entre ela e os outros, é a de que, empregando as próprias energias, entrará, embora vagarosamente, em contato com a nossa corrente auxiliadora, ao passo que os demais continuarão, ao que tudo faz crer, na impassibilidade dos que abandonam voluntariamente a luta edificante.

Compreendi a elucidação e esperei a noite de socorro aos obsidiados, como Alexandre designava esse gênero de serviço.


Não decorreram muitos dias e, em companhia do instrutor, penetrei, sumamente interessado, o conhecido recinto.

O pessoal estava agora reduzido. Em derredor da mesa, reuniam-se tão somente dois médiuns, seis irmãos experimentados no conhecimento e prática de problemas espirituais e os obsidiados em tratamento.

Os enfermos, em número de cinco, apresentavam características especiais. Dois deles, uma senhora relativamente jovem e um cavalheiro maduro, demonstravam enorme agitação; dois outros, ambos moços e irmãos pelo sangue, pareciam completamente imbecilizados, e, por último, observamos a jovem a que Alexandre se referira, que se controlava com esforço, ante o assédio de que era vítima.

As entidades inferiores que rodeavam os doentes compareciam em grande número. Nenhuma delas nos registrava a presença, em virtude do baixo padrão vibratório em que se mantinham, mas se sentiam à vontade, no contato com os companheiros encarnados. Permutavam impressões, entre si, com grande interesse, e através das conversações deixavam perceber seus terríveis projetos de ataque e vingança.

Seguia-lhes atentamente a movimentação, quando fui surpreendido com a chegada de dois amigos de nosso Plano, para os quais olharam os obsessores, com certo receio.

— São nossos intérpretes junto das entidades perseguidoras, — exclamou Alexandre, elucidando-me. — Em virtude da condição em que se encontram, podem ser percebidos por elas e manter estreita ligação conosco, ao mesmo tempo.

Assinalando a serenidade com que sorriam para nós, sem partilharem de entendimento direto com os instrutores de nossa Esfera, ali presentes, ouvi o meu orientador explicar:

— Já se encontram de posse das instruções precisas aos trabalhos da noite.

As criaturas desencarnadas, que se congregavam ali em dolorosa perturbação, retificaram, de algum modo, a linguagem que lhes era própria, ao avistarem os dois missionários. Verifiquei, pela modificação havida, que ambos eram já conhecidos de todas.

Um dos obsessores, evidentemente cruel, falou em tom discreto a um dos companheiros.

— Estão chegando os pregadores. Oxalá não nos venham com maiores exigências.

— Não sei o que desejam estes ministros respondeu o interlocutor, algo irônico, — porque, afinal de contas, conselho e água dão-se a quem pede.

— Parece-me que convidaram os da mesa a cansar-nos até ao esquecimento de nossos propósitos de fazer justiça pelas próprias mãos.

— Palavras o vento leva, — aduziu o outro.

A essa altura, os novos amigos entravam em palestra com as entidades da sombra. Um deles dirigiu-se a uma senhora desencarnada, em tristes condições, que se ligava a um dos obsidiados em posição de idiotia, e falou-lhe, bondoso:

— Com que então, minha irmã parece melhorada, mais forte! Ainda bem!

Ela explodiu em crise de pranto. Todavia, prosseguiu o missionário, sem qualquer inquietude:

— Acalme-se! A vingança agrava os crimes cometidos. Para restabelecer a felicidade perdida, minha amiga, é necessário esquecer todo o mal. Enquanto abrigar pensamentos de ódio, não poderá atingir as melhoras que deseja. A cólera perseverante constitui estado permanente de destruição. Não conseguirá articular os elementos da paz íntima, até que perdoe de coração.

— É quase impossível, — respondeu a interpelada, — este homem afrontou meu ideal de mulher, lançou-me à corrupção, escarneceu de minha sorte, transformou-me o destino em corrente de males. Não será justo que pague agora? Não apregoam que o Pai é justo? Eu não vejo, porém, o Pai, e preciso fazer justiça, usando minhas próprias forças.

E, porque o doutrinador desencarnado a fitasse, compadecido, murmurou:

— E se fosse o senhor a mulher? ponha-se no meu caso e pense como procederia. Prontificar-se-ia a desculpar os malvados que lhe atiraram lama ao coração? Cerraria as portas da memória, a ponto de anestesiar os mais belos sentimentos do caráter? Não acredito. O senhor reagiria como estou reagindo. Há condições para perdoar. E as condições que eu imponho, na qualidade de vítima, são as de que o meu verdugo experimente também o sarcasmo da sorte. Ele infelicitou-me e voltou ao mundo. Preparou-se para uma vida regalada de considerações sociais. Titulou-se para conquistar a estima alheia. E o que me deve? Também eu, noutro tempo, não era digna de respeito geral? Não me candidatara a uma existência laboriosa e honesta, com o firme propósito de servir a Deus?

Acompanhava a discussão com forte interesse, admirando o individualismo que caracteriza cada criatura, ainda mesmo além da morte do corpo.

O intérprete de nossa Esfera, contemplando-a, sem irritação, observou:

— Todas as suas considerações, minha amiga, são aparentemente muito respeitáveis. Todavia, em todos os desastres que nos ocorram, devemos examinar serenamente a percentagem de nossa coparticipação. Apenas em situações raríssimas, poderíamos exibir, de fato, o título de vítimas. Na maioria dos acontecimentos dessa natureza, porém, temos a nossa parte de culpa. Não podemos evitar que a ave de rapina, cruze os ares, sobre a nossa fronte, mas podemos impedir que faça ninho em nossa cabeça.

Nesse ponto, a interlocutora, parecendo melindrada, acentuou asperamente:

— Suas palavras são filhas da pregação religiosa, mas eu estou à procura da justiça…

E com riso irônico, terminava:

— Aliás, da justiça apregoada por Jesus.

O missionário não se exaltou ante o sarcasmo do gesto que acompanhou a observação ingrata e disse-lhe, bondoso:

— A justiça! Quantos crimes se praticam no mundo em seu nome! Quantos homens e mulheres, que, em procurando fazer justiça sobre si mesmos, nada mais fazem que incentivar a tirania do “eu”? Refere-se a irmã ao Divino Mestre. Que espécie de justiça reclamou o Senhor para Ele, quando vergava sobre a cruz? Nesse sentido, minha amiga, o Cristo nos deixou normas de que não deveremos esquecer. O Mestre mantinha-se vigilante em todos os atos alusivos à justiça para os outros. Defendeu os interesses espirituais da coletividade, até a suprema renunciação; entretanto, quando surgiu a ocasião do seu julgamento, guardou silêncio e conformação até ao fim. Naturalmente não desejou o Mestre, com semelhante atitude, desconsiderar o serviço sagrado dos juízes retos, no mundo carnal, mas preferiu adotá-la, estabelecendo o padrão de prudência para todos os discípulos de seu Evangelho, nas mais diferentes situações. Ao se tratar de interesses alheios, minha irmã, devemos ser rápidos na justificação legítima; entretanto, quando os assuntos difíceis e dolorosos nos envolvem o “eu”, convém moderar todos os impulsos de reivindicação. Nem sempre a nossa visão incompleta nos deixa perceber a altura da dívida que nos é própria. E, na dúvida, é lícita a abstenção. Acredita que Jesus tivesse algum débito para merecer a sentença condenatória? Ele conhecia o crime que se praticava, possuía sólidas razões para reclamar o socorro das leis; no entanto, preferiu silenciar e passar, esperando-nos no campo da compreensão legítima. É que o Mestre, acima do “olho por olho” das antigas disposições da lei, (Dt 19:21) ensinou o “amai-vos uns aos outros”, (Jo 13:34) praticando-o invariavelmente. Confirmou a legalidade da justiça, mas proclamou a divindade do amor. Demonstrou que será sempre heroísmo o ato de defender os que merecem, mas se absteve de fazer justiça a si mesmo, para que os aprendizes da sua doutrina estimassem a prudência humana e a fidelidade divina, nos problemas graves da personalidade, fugindo aos desvarios que as paixões do “eu” podem desencadear nos caminhos do mundo.

A interlocutora, em face da argumentação veemente e bela, emudeceu, fortemente impressionada.

E Alexandre, que seguia, também comovido, as explicações do intérprete, observou-me:

— O trabalho de esclarecimento espiritual, depois da morte, entre as criaturas, exige de nós outros muita atenção e carinho. É preciso saber semear na “terra abandonada” dos corações desiludidos, que se afastam da Crosta sob tempestades de ódio e angústia desconhecida. Diz o Livro Sagrado que no princípio era o Verbo… (Jo 1:1) Também aqui, diante do caos desolado dos Espíritos infelizes, é necessário utilizar o verbo no princípio da verdadeira iluminação. Não podemos criar sem amor, e somente quando nos preparamos devidamente, edificaremos com êxito para a vida eterna.


Silenciando a entidade que fora criteriosamente advertida, passei a observar a senhora, ainda jovem, que se mostrava sob irritação forte, no recinto, preocupando os amigos encarnados. Diversos perseguidores, invisíveis à perquirição terrestre, mantinham-se ao lado dela, impondo-lhe terríveis perturbações, mas de todos eles sobressaia um obsessor infeliz, de maneiras cruéis. Colara-se-lhe ao corpo, em toda a sua extensão, dominando-lhe todos os centros de energia orgânica. Identificava a luta da vítima, que buscava resistir, quase inutilmente.

Meu bondoso orientador percebeu-me a estranheza e explicou:

— Este, André, representa um caso de possessão completa.

E, dirigindo-se ao intérprete que argumentava momentos antes, recomendou-lhe estabelecer ligeiro diálogo com o perseguidor temível, para que eu ajuizasse quanto ao assunto.

Sentindo-se tocado pela destra carinhosa do nosso companheiro, o infortunado gritou:

— Não! Não! Não me venha ensinar o caminho do Céu! Conheço minha situação e ninguém pode deter o meu braço vingador!…

— Não desejamos forçá-lo, meu irmão, — acentuou o amigo com serenidade evangélica, — tranquilize-se! Enquanto alimentar propósitos de vingança, será castigado por si mesmo. Ninguém o molesta, senão a própria consciência; as algemas que o prendem à inquietude e à dor foram fabricadas pelas suas próprias mãos!

— Nunca! — Bradou o desventurado, — nunca! E ela?

Fez acompanhar a pergunta de horrível expressão e continuou:

— O senhor que prega a virtude justifica a escravidão de homens livres? Acredita no direito de construir senzalas para humilhar os filhos do mesmo Deus? Esta mulher foi perversa para nós todos. Além de meu esforço vingador, vibram de ódio outros corações que não a deixam descansar. Perseguí-la-emos onde for.

Esboçou um gesto sinistro e prosseguiu:

— Por simples capricho, ela vendeu minha esposa e meus filhos! Não é justo que sofra até que mos restitua? Será crível que Jesus, o Salvador por excelência, aplaudisse o cativeiro?

O nosso intérprete, muito calmo, obtemperou:

— O Mestre não aprovaria a escravidão; contudo, meu amigo, recomendou-nos o perdão recíproco, sem o qual nunca nos desvencilharemos do cipoal de nossas faltas. Qual de nós, antigos hóspedes da carne, conseguirá exibir um passado sem crimes? Neste momento, seus olhos revelam a culpa de uma irmã infeliz. Sua alma, entretanto, meu irmão, permanece desvairada pelo furacão da revolta. Sua memória está consequentemente desequilibrada e ainda não pode reapossar-se das lembranças totais que lhe dizem respeito. Não lhe sendo possível recordar o pretérito, com exatidão, não seria mais razoável esperar, em seu caso, pelo Justo Juiz? como julgar e executar alguém, pelas próprias mãos, se ainda não pode avaliar a extensão dos seus próprios débitos?

O revoltado parecia chocar-se ante os argumentos ouvidos, mas, longe de capitular em sua posição de perseguidor, respondeu asperamente:

— Para os mais fracos, suas observações serão valiosas. Não para mim, porém, que conheço as sutilezas dos pregadores de sua esfera. Não abandonarei meus propósitos. Minha situação não se resolverá com simples palavras.

Nosso companheiro, compreendendo o endurecimento do antagonista e apiedando-se-lhe da ignorância, continuou, em tom fraterno:

— Não se trata de sutileza e sim de bom senso. Aliás, não desejo retirar-lhe as razões de natureza individualista, mesmo porque vigorosos laços unem-lhe a influenciação à mente da vítima. Entretanto, apelo para os sentimentos nobres que ainda vibram em seu coração, fazendo-lhe reconhecer que, sem as desculpas recíprocas, não liquidaremos nossos débitos. Em geral, o credor exigente é cego para com os próprios compromissos. A sua reclamação, na essência, deve ser legítima; no entanto, é estranhável o seu processo de cobrança, no qual não descubro qualquer vantagem, visto que suas atividades de vingador, além de aprofundar suas chagas íntimas, tornam-no antipático aos olhos de todos os companheiros.

Ferido talvez, mais fundamente, em sua vaidade, o obsessor calou-se, enquanto o intérprete se voltava para nós outros, indagando de meu orientador quanto à conveniência de ajudar-se magneticamente ao infeliz, a fim de que as reminiscências dele pudessem abranger alguns quadros do passado distante.

Alexandre, todavia, considerou:

— Não seria oportuno dilatar-lhe as lembranças. Não conseguiria compreender. Antes de maior auxílio ao seu entendimento, é necessário que sofra.

Aproveitando a pausa mais longa que se fizera entre todos, observei detidamente a pobre obsidiada. Cercada de entidades agressivas, seu corpo tornara-se como que a habitação do perseguidor mais cruel. Ele ocupava-lhe o organismo desde o crânio até os pés, impondo-lhe tremendas reações em todos os centros de energia celular. Fios tenuíssimos, mas vigorosos, uniam-nos ambos, e, ao passo que o obsessor nos apresentava um quadro psicológico de satânica lucidez, a desventurada mulher mostrava aos colaboradores encarnados a imagem oposta, revelando angústia e inconsciência.

— “Salvem-me do demônio! Salvem-me do demônio! — Gritava sem cessar, comovendo os companheiros em torno da mesa humilde, — oh! Meu Deus, quando terminará meu suplício?”

Olhos desmesuradamente abertos, como a fixar os inimigos invisíveis à observação comum, bradava angustiosamente, após ligeiros instantes de silêncio:

— “Chegaram todos do inferno! Estão aqui! Estão aqui! Ai! Ai!”

Seus gemidos semelhavam-se a longos silvos estertorosos.

Atendendo-me à expectação, esclareceu o instrutor:

— Esta jovem senhora apresenta doloroso caso de possessão. Desde a infância, era perseguida pelos adversários tenazes de outro tempo. Na vida de solteira, porém, no ambiente de proteção dos pais, ela conseguiu, de algum modo, subtrair-se à integral influenciação dos inimigos persistentes, embora lhes sentisse a atuação de maneira menos perceptível. Sobrevindo, no entanto, as responsabilidades do matrimônio, em que, na maioria das vezes, a mulher recebe maior quinhão de sacrifícios, não pôde mais resistir. Logo após o nascimento do primeiro filhinho, caiu em prostração mais intensa, oferecendo oportunidade aos desalmados perseguidores e, desde então, experimenta penosas provas.


Ia expor novas questões que o assunto suscitava, mas o instrutor amigo fez-me ver que a reunião de auxílio, por parte dos encarnados, teria início naquele mesmo instante.

Precisávamos manter o concurso vigilante da fraternidade.

Observei, agradavelmente surpreendido, as emissões magnéticas dos que se reuniam ali, em tarefa de socorro, movidos pelo mais santo impulso de caridade redentora. Nossos técnicos em cooperação avançada valiam-se do fluxo abundante de forças benéficas, improvisando admiráveis recursos de assistência, não só aos obsidiados, mas também aos infelizes perseguidores.

De todos os enfermos psíquicos, somente a jovem resoluta a que nos referimos conseguia aproveitar nosso auxílio cem por cento. Identificava-lhe o valoroso esforço para reagir contra o assédio dos perigosos elementos que a cercavam. Envolvida na corrente de nossas vibrações fraternas, recuperara normalidade orgânica absoluta, embora em caráter temporário. Sentia-se tranquila, quase feliz.

Apesar de manter-se em trabalho ativo, Alexandre chamou-me a atenção, assinalando o fato.

— Esta irmã, — disse o orientador, — permanece, de fato, no caminho da cura. Percebeu a tempo que a medicação, qualquer que seja, não é tudo no problema da necessária restauração do equilíbrio físico. Já sabe que o socorro de nossa parte representa material que deve ser aproveitado pelo enfermo desejoso de restabelecer-se. Por isso mesmo, desenvolve toda a sua capacidade de resistência, colaborando conosco no interesse próprio. Observe.

Efetivamente, sentindo-se amparada pela nossa extensa rede de vibrações protetoras, a jovem emitia vigoroso fluxo de energias mentais, expelindo todas as ideias malsãs que os desventurados obsessores lhe haviam depositado na mente, absorvendo, em seguida, os pensamentos regeneradores e construtivos que a nossa influenciação lhe oferecia. Aprovando-me o minucioso exame com um gesto significativo, Alexandre tornou a dizer:

— Apenas o doente convertido voluntariamente em médico de si mesmo atinge a cura positiva. No doloroso quadro das obsessões, o princípio é análogo. Se a vítima capitula sem condições, ante o adversário, entrega-se-lhe totalmente e torna-se possessa, após transformar-se em autômato à mercê do perseguidor. Se possui vontade frágil e indecisa, habitua-se com a persistente atuação dos verdugos e vicia-se no círculo de irregularidades de muito difícil corrigenda, porquanto se converte, aos poucos, em pólos de vigorosa atração mental aos próprios algozes. Em tais casos, nossas atividades de assistência estão quase circunscritas a meros trabalhos de socorro, objetivando resultados longínquos. Quando encontramos, porém, o enfermo interessado na própria cura, valendo-se de nossos recursos para aplicá-los à edificação interna, então podemos prever triunfos imediatos.


Calando-se o instrutor, prossegui observando os serviços que se desenrolavam no recinto.

O doutrinador encarnado, companheiro de grande e bela sinceridade, era o centro dum quadro singular. Seu tórax convertera-se num foco irradiante, e cada palavra que lhe saía dos lábios semelhava-se a um jato de luz alcançando diretamente o alvo, fosse ele os ouvidos perturbados dos enfermos ou o coração dos perseguidores cruéis. Suas palavras eram, com efeito, de uma simplicidade encantadora, mas a substância sentimental de cada uma assombrava pela sublimidade, elevação e beleza.

Reparando-me a estupefação, Alexandre veio em meu socorro, esclarecendo:

— Estamos aqui numa escola espiritual. O doutrinador humano encarrega-se de transmitir as lições. Você pode registrar, porém, que, para ensinar com êxito, não basta conhecer as matérias do aprendizado e ministrá-las. Antes de tudo, é preciso senti-las e viver-lhes a substancialidade no coração. O homem que apregoa o bem deve praticá-lo, se não deseja que as suas palavras sejam carregadas pelo vento, como simples eco dum tambor vazio. O companheiro que ensina a virtude, vivendo-lhe as grandezas em si mesmo, tem o verbo carregado de magnetismo positivo, estabelecendo edificações espirituais nas almas que o ouvem. Sem essa característica, a doutrinação, quase sempre, é vã.

Vendo o quadro expressivo, analisado pelos esclarecimentos do instrutor, compreendi que o contágio pelo exemplo não constitui fenômeno puramente ideológico, mas, sim, que é um fato científico nas manifestações magnético-mentais.

Com exceção da pobre irmã, que se encontrava possessa, os demais obsidiados, naqueles momentos, ficavam livres da influência direta dos perseguidores; entretanto, menos a jovem que reagia valorosamente, os outros apresentavam singular inquietude, ansiosos de se reunirem de novo ao campo de atração dos algozes. Auxiliares nossos haviam arrebatado os verdugos, expulsando-os daqueles corpos enfermos e atormentados; todavia, os interessados nas melhoras fisicopsíquicas primavam pela ausência íntima, conservando-se a longa distância espiritual dos ensinamentos que o doutrinador encarnado, ao influxo dos mentores de Mais Alto, ministrava com admirável sentimento. A atitude deles era de insatisfação e ansiedade. Dir-se-ia que não suportavam a separação dos obsessores invisíveis. Habituado a enfermos que, pelo menos aparentemente, demonstravam desejo de cura, estranhei a posição mental daqueles que se reuniam em pequenino grupo, à nossa frente, tão lamentavelmente desinteressados do remédio que a Espiritualidade lhes oferecia, por amor.

Alexandre percebeu-me a surpresa e observou-me:

— Em geral, noventa por cento dos casos de obsessão que se verificam na Crosta, constituem problemas dolorosos e intricados. Quase sempre, o obsidiado padece de lastimável cegueira, com relação à própria enfermidade. E, porque não atende ao chamamento da verdade pela cristalização personalista, torna-se presa fácil e inconsciente, embora responsável, de perigosos inimigos das zonas de atividades grosseiras. Comumente, verificam-se casos dessa natureza, em vista de ligações vigorosas e profundas pela afetividade mal dirigida ou pelos detestáveis laços do ódio que, em todas as circunstâncias, é a confiança desequilibrada convertida em monstro.

O orientador amigo fez longa pausa, verificando os trabalhos em curso, mas como quem desejasse socorrer-me, com lições inesquecíveis na luta prática, prosseguiu, apesar das absorventes obrigações da hora:

— Por este motivo, André, ainda mesmo para o psiquiatra esclarecido à luz do Espiritismo cristão, a maioria dos casos desta ordem é francamente desconcertante. Em virtude dos ascendentes sentimentais, cada problema destes exige solução diferente. Além disso, importa notar que os nossos companheiros encarnados observam somente uma face da questão, quando cada processo desse teor se caracteriza por aspectos infinitos, com vistas ao passado dos protagonistas encarnados e desencarnados. Diante do obsidiado, fixam apenas um imperativo imediato — o afastamento do obsessor. Mas, como rebentar, de um instante para outro, algemas seculares, forjadas nos compromissos recíprocos da vida em comum? como separar seres que se agarram um ao outro, ansiosamente, por compreenderem que na dor de semelhante união permanece o preço do resgate indispensável? Efetivamente, não faltam os casos, raros embora, de libertação quase instantânea. Aí, porém, vemos o fim de laborioso processo redentor, ou então encontramos o doente que, de fato, faz violência a si mesmo, a fim de abreviar a cura necessária.

Examinando a extensão dos obstáculos ao restabelecimento completo dos enfermos psíquicos, considerei:

— Depreende-se então que…

Alexandre, porém, não me deixou terminar. Cortando-me a frase inoportuna, respondeu:

— Já sei o que vai dizer. Verificando as dificuldades que relaciono para o seu aprendizado natural, você pergunta se não será infrutífero o nosso trabalho e se não será melhor entregar o obsidiado à própria sorte. Esta observação, contudo, é um contrassenso. Se você estivesse na Terra, ainda na carne, e visse um filho amado, em condições pré-agônicas, totalmente desenganado pela medicina humana, teria coragem de abandoná-lo ao sabor das circunstâncias? Não confiaria nalgum recurso inesperado da Providência Divina? não aguardaria, ansioso, a manifestação favorável da Natureza? Quem está firmemente no âmago do coração de um homem, nosso irmão, para dizer, com certeza matemática, se ele vai reagir contra o mal ou deixar de faze-lo, se pretende o repouso ou o trabalho ativo? Não podemos, desse modo, mobilizar qualquer argumento intelectual para fugir ao nosso dever de assistência fraterna ao ignorante e sofredor. Urge atender à nossa parte de obrigação imediata, compreendendo que a construção do amor é também uma obra de tempo. Nenhuma palavra, nenhum gesto ou pensamento, nos serviços do bem, permanece perdido.

Compreendi a nobreza da observação e mantive-me em silêncio. E porque o meu orientador voltasse a cooperar ativamente nos trabalhos em andamento, passei a examinar os doentes psíquicos, enquanto o doutrinador terreno prosseguia em sua luminosa tarefa de evangelização.


A jovem que reagia contra a perigosa atuação dos habitantes das sombras, demonstrava regular normalidade em seu aparelho fisiológico. Semelhava-se a alguém que movimentava todas as possibilidades da defensiva para conservar intacto o equilíbrio da própria casa; entretanto, os demais exibiam lamentáveis condições orgânicas. A desventurada possessa apresentava sérias perturbações, desde o cérebro até os nervos lombares e sacros, demonstrando completa desorganização do centro da sensibilidade, além de lastimável relaxamento das fibras motoras. Tais desequilíbrios não se caracterizavam apenas no sistema nervoso, mas igualmente nas glândulas em geral e nos mais diversos órgãos. Nos demais obsidiados, os fenômenos de degradação física não eram menores. Dois deles revelavam estranhas intoxicações no fígado e rins. Outro mostrava singular desequilíbrio do coração e pulmões, tendendo à insuficiência cardíaca em conúbio com a pré-tuberculose avançada.

Enquanto examinava, atento, aqueles inquietantes quadros clínicos, o orientador encarnado da assembleia, fazendo-se intérprete de grandes benfeitores do nosso Plano de ação, espalhava o amor cristão e a sabedoria evangélica, a longos jorros, efetuando, com extrema fidelidade ao Cristo, a semeadura da caridade, da luz, do perdão.

Desejando a minha elevação nas atividades construtivas, Alexandre aproximou-se de mim e observou:

— Repare no serviço de fraternidade legítima. Não temos o milagre das transformações repentinas, nem a promoção imediata, aos Planos mais elevados, dos que se demoram no campo inferior. A tarefa é de sementeira, de cuidado, persistência e vigilância. Não se quebram grilhões de muitos séculos num instante, nem se edifica uma cidade num dia. É indispensável desgastar as algemas do mal, com perseverança, e praticar o bem, com ânimo evangélico.

Os serviços iam a termo.

Percebendo que o meu instrutor voltava à nossa conversação mais fácil, expus-lhe as minhas observações, perguntando, em seguida:

— Ante os distúrbios fisiológicos que me foi dado verificar nos enfermos psíquicos, devo considerá-los como doentes do corpo também?

— Perfeitamente, — asseverou o instrutor, — o desequilíbrio da mente pode determinar a perturbação geral das células orgânicas. É por este motivo que as obsessões, quase sempre, se acompanham de característicos muito dolorosos. As intoxicações da alma determinam as moléstias do corpo.

Antes que eu pudesse voltar a perguntas, percebi que a reunião estava sendo definitivamente encerrada, por parte dos amigos da Crosta. Interrompera-se a cadeia magnética defensiva. Notei, surpreendido, que a jovem resoluta e firme na fé alcançara melhoras consideráveis, enquanto a possessa ia retirar-se com a situação inalterada. Reparei os três outros enfermos. Tão logo se quebrou a corrente de vibrações benéficas, ali estabelecida, voltaram a atrair intensamente os verdugos invisíveis, a cuja influenciação se haviam habituado, demonstrando escasso aproveitamento.

Valendo-me da hora, acerquei-me de Alexandre, para não perder as suas lições alusivas ao assunto, e indaguei:

— Como atingir as conclusões finais, no tratamento aos obsidiados?

Ele sorriu e respondeu:

— Em todas as nossas atividades de socorro há sempre imenso proveito, ainda mesmo quando a sua extensão não seja perceptível ao olhar comum. E qualquer doente dessa natureza que se disponha a cooperar conosco, em benefício próprio, colaborando decididamente na restauração de suas atividades mentais, regenerando-se à luz da vida renovada no Cristo, pode esperar o restabelecimento da saúde relativa do corpo terrestre. Quando a criatura, todavia, roga a assistência de Jesus com os lábios, sem abrir o coração à influência divina, não deve aguardar milagres de nossa colaboração. Podemos ajudar, socorrer, contribuir, esclarecer; não é, porém, possível improvisar recursos, cuja organização é trabalho exclusivo dos interessados.

— Penaliza-me, porém, o quadro clínico dos obsidiados infelizes, — considerei, sob forte impressão. — Quão dolorosa a condição física de cada um!

— Sim, sim! — Revidou o instrutor, — o problema da responsabilidade não se circunscreve a palavras. É questão vital no caminho da vida. Preservando os seus filhos contra os perigos do rebaixamento, criou Deus o aparelhamento das luzes religiosas, acordando as almas para a glorificação imortal. Raros homens, entretanto, se dispõem a respeitar os desígnios da Religião, olvidando, voluntariamente, que as menores quedas e mínimas viciações ficam impressas na alma, exigindo retificação. Você está observando aqui alguns pobres obsidiados em processo positivo de tratamento, mas esquece que inúmeras criaturas, ainda na carne, não obstante informadas pela Religião quanto às necessidades do espírito, se deixam empolgar pelo apego vicioso ao campo de sensações de vária ordem, contraindo débitos, assumindo compromissos pesados e arrastando companheiros outros em suas aventuras menos dignas, forjando laços fortes para os dolorosos dramas de obsessão do futuro.

E, depois de sorrir paternalmente, acrescentou:

— Que deseja você? É certo que devemos trabalhar tanto quanto esteja ao nosso alcance, pelo bem do próximo; todavia, não podemos exonerar os nossos semelhantes das obrigações contraídas. O servo fiel não é aquele que chora ao contemplar as desventuras alheias, nem o que as observa, de modo impassível, a pretexto de não interferir no labor da justiça. O sentimentalismo doentio e a frieza correta não edificam o bem. O bom trabalhador é o que ajuda, sem fugir ao equilíbrio necessário, construindo todo o trabalho benéfico que esteja ao seu alcance, consciente de que o seu esforço traduz a Vontade Divina.


Alexandre não podia ser mais claro. Compreendi-lhe o esclarecimento instrutivo, mas, notando a saída dos enfermos, sob o amparo vigilante dos familiares, que os aguardavam à porta, voltei a indagar:

— Meu amigo, e se conseguíssemos o afastamento definitivo dos perseguidores implacáveis? Na qualidade de antigo médico do mundo, reconheço que estes doentes psíquicos não trazem as enfermidades, de que são portadores, circunscritas à mente. Com exceção da jovem que reage valorosamente, os demais revelam estranhos desequilíbrios do sistema nervoso, com distúrbios no coração, fígado, rins e pulmões. Admitamos que fosse obtida a conversão dos verdugos que os atormentam. Voltariam depois disto à normalidade orgânica, alcançariam o retorno à saúde completa?

Alexandre meditou alguns momentos, antes de responder, e asseverou, em seguida:

— André, o corpo de carne é como se fora um violino entregue ao artista, que, nesse caso, é o Espírito reencarnado. Torna-se indispensável preservar o instrumento dos animálculos destruidores e defendê-los contra ladrões. Observou a jovem que tudo faz por guardar-se do mal? Tem estado a cair sob os golpes dos perseguidores que lhe assediam impiedosamente o coração. Entretanto, como alguém que atravessa longa e perigosa senda sobre o abismo, confiante em Deus, ela tem recorrido à prece, incessantemente, estudando a si mesma e mobilizando as possibilidades de que dispõe para não perturbar a ordem dentro dela própria. Na tentação de que é vítima, tem essa irmã a provação que a redime. Ela, porém, com o heroísmo silencioso de seu trabalho, tem esclarecido os próprios perseguidores, compelindo-os à meditação e à disciplina. Segundo vê, essa lutadora sabe preservar o instrumento que lhe foi confiado e, convertida em doutrinadora dos verdugos, pelo exemplo de resistência ao mal, transforma os inimigos, iluminando a si mesma. Ante colaboração dessa natureza, temos o problema da cura altamente facilitado. Não se verificará, porém, o mesmo com aqueles que não se acautelam com a defesa do instrumento corporal. Entregue aos malfeitores, o violino simbólico a que nos referimos pode permanecer semidestruído. E, ainda que seja restituído ao legítimo possuidor, não pode atender ao trabalho da harmonia, com a mesma exatidão de outro tempo. Um stradivarius pode ser autêntico, mas não se fará sentir com as cordas rebentadas. Como vemos, os casos de obsessão apresentam complexidades naturais e, na solução deles, não podemos prescindir do concurso direto dos interessados.

— Compreendo! — Exclamei.

E, em virtude da pausa mais longa que o mentor imprimiu à conversação, obtemperei:

— Convenhamos, porém, que os perseguidores se convertam, que se afastem definitivamente do mau caminho, depois de seviciarem o organismo das vítimas, durante longo tempo… Nesse caso, não terão elas o restabelecimento imediato? não recuperarão o equilíbrio fisiológico integral?

Com a bondade que lhe é peculiar, Alexandre respondeu:

— Já observei acontecimentos dessa ordem e, quando se verificam, os antigos verdugos se transformam em amigos, ansiosos de reparar o mal praticado. Por vezes, conseguem, recebendo a ajuda dos Planos superiores, a restauração da harmonia orgânica naqueles que lhes suportaram a desumana influência; no entanto, na maioria dos casos, as vítimas não mais restabelecem o equilíbrio do corpo.

— E permanecem de saúde incompleta até ao sepulcro? — Perguntei, fortemente impressionado.

— Sim, — elucidou Alexandre, tranquilamente.

Observando-me, porém, o espanto enorme, o orientador acrescentou:

— Seu assombro prende-se ainda à deficiente análise humana. O perseguidor, reconhecido como tal, entre os companheiros encarnados, pode revelar modificações, mas talvez a suposta vítima não esteja convertida. Na obsessão, as dificuldades não são unilaterais. O eventual afastamento do perseguidor nem sempre significa a extinção da dívida. E, em qualquer parte do Universo, André, receberemos sempre de acordo com as nossas próprias obras. (Mt 16:27)

O assunto sugeria grandes e belas interrogações, mas exigências outras requisitavam-nos mais além.

Alexandre dispôs-se a partir, despedindo-se, afetuoso, dos cooperadores, e acompanhei-o, em silêncio, meditando na grandeza das mínimas disposições da Justiça Divina.