Sentinelas da Luz

Capítulo VIII

Nas convulsões do Século XX



Não bastaram as torrentes do infortúnio que as grandes guerras do século lançaram sobre os vales do mundo.

Acordando, estremunhada, de horrível pesadelo, que perdurou por mais de dois mil dias, e embora os lares desertos, os campos talados, as arcas empobrecidas e as prisões repletas, arregimenta-se a coletividade planetária para novos embates de cegueira e destruição.

Amontoam-se pesadas nuvens nos céus do Oriente e do Ocidente…

Quem impedirá a tempestade de suor e lágrimas?!…

Época de profundas aflições, dir-se-ia encontrarmos no século XX o fruto de sangue de dezesseis séculos de menosprezo à luz espiritual.

Desde Constantino, o Cristianismo puro sofre a intromissão egoística de humanos interesses. Sempre a ofensiva das trevas contra a luz, as arremetidas do mal contra o bem.

É inegável que as instituições terrenas, não obstante constrangidas, revelam apreciáveis características de progresso. Regressando ao cenário atual, Aristóteles, o oráculo de filósofos e teólogos, não mais aplaudiria o cativeiro, declarando o escravo “propriedade viva”; Ignácio de Loiola, o santo, a pretexto de preservar a fé, não mobilizaria os tribunais da Inquisição.

A influência do Cristianismo determinou enormes transformações na curul administrativa. Entretanto, a dignificação da personalidade permanece apenas esboçada.

Os aviltamentos do ódio campeiam em todos os climas.

Arraiga-se a injustiça, com a máscara da legalidade, nas organizações dos países mais nobres.

Há desvarios do poder em toda parte.

Baraço e cutelo, metamorfoseados nos mais estranhos aparelhos de tortura e de morte, são ainda recursos da toga. A desconfiança e a discórdia regem as relações internacionais.

Racismo tirânico perturba povos avançados.

Conflitos ideológicos tremendos aguçam o raciocínio a soldo da ciência perversa.

E, coroando o sombrio edifício, instalou-se a guerra entre os homens, à maneira de sorvedouro infernal.

O conceito de civilização flutua ao sabor dos grupos dominantes. Para alguns, repousa na economia ou na força; para outros, no direito exclusivista ou na liberdade de praticar o mal. E, do que podemos presumir, não está próxima a equação do inquietante problema.

Há sempre volumosos contingentes para ganhar a demanda, mas raros homens se preocupam em ganhar a harmonia.

O domicílio dos homens sofrerá terríveis brechas, até que a razão se equilibre nas diretrizes do mundo.

A inteligência bestial combaterá ainda a sabedoria divina por longo tempo. Não somos pois, estranhos à tormenta de lágrimas que cobrirá a fronte dos continentes em dolorosos quadros apocalípticos. Constituímos o fruto do que fomos, colhemos na pauta da semeadura. Nisto não vai estima às predições de Cassandra, nem barateamento às profecias.

Buscando o Cristo nos templos exteriores e expulsando-o dos corações, fora temeridade esperá-lo por salvador gratuito à última hora.

Eis porque, à frente dos atritos formidandos dos dias que passam, apelamos para os seguidores do Evangelho, a fim de que se unam no culto à religião interior.

A consciência identificada com o Mestre é o refúgio indispensável.

Se as doutrinas da força somente representam a decadência das nações, por libertarem o vandalismo, restituindo o homem à animalidade primária, é justo reconhecer que a democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Realmente, a Revolução Francesa, que inaugurou grandes movimentos libertários no Planeta, filiava-se, no fundo, às plataformas elevadas. Objetivava o término das administrações inconscientes, o fim da ociosidade consagrada, a extinção de prerrogativas delituosas, o reajustamento do governo e do sacerdócio, em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Muitos dos patrocinadores da renovação acreditaram-se movidos pelo messianismo evangélico; no entanto, esqueceram-se de que Jesus advogara a liberdade de obedecer a Deus contra o mal, a igualdade dos deveres para que o mérito marcasse a responsabilidade, e a fraternidade verdadeira, dentro da qual há mais alegria em dar que em receber. (At 20:35) Conspurcada nos fundamentos, a Revolução, desbordando nos instintos sanguinários, em breve degenerou-se nas lutas napoleônicas, estabelecendo, no mundo, as guerras odiosas de povo a povo.

Desde então, a Terra, em sua geografia política, é uma colmeia desesperada, que só a cristianização da democracia poderá reajustar.

O angustioso enigma prende-se à ordem espiritual.

Impraticável o erguimento do edifício sem bases. Impossível a organização de instituições respeitáveis sem sentimentos humanos dignificados.

O homem elevar-se-á com o Cristo para levantar a política até o plano do equilíbrio divino ou a política sem Cristo, seja qual for a bandeira a que se acolhe, precipitará o homem no caos.

Este, o dilema da atualidade, em que a ventania da destruição assopra de novo…


E, não obstante edificados na certeza de que tudo coopera em benefício dos que amam a Deus, das claridade de além-túmulo, repetimos para os companheiros do Evangelho:

— Irmãos, entrelaçai os braços e uni corações, em torno do Caminho, da Verdade e da Vida! Tormentas de dor rondam os castelos da vaidade humana e gênios escuros do morticínio acercam-se das moradias sem alicerces. Os monstros que devoraram as civilizações dos persas e dos assírios, dos egípcios e dos gregos, dos romanos e dos fenícios espreitam a grandeza fantasiosa dos vossos palácios de ilusão!… Os oráculos que prognosticaram queda e ruína em Persépolis e Babilônia, Tebas e Atenas, Roma e Cartago pronunciam angustiados vaticínios em vossas cidades poderosas… Polvos mortíferos do ódio e da ambição desregrada multiplicam-se no oxigênio terrestre, predizendo misérias e desolação. Trazem a fome e a peste em novos aspectos, desorganizando-vos a vida e desintegrando-vos os celeiros… Todos vivemos tempos dramáticos de prece, expectação e vigília…


E, enquanto o aquilão da impiedade ruge destruidor, reunamo-nos na Jerusalém do íntimo santuário!… Sigamos o Senhor na via dolorosa, como quem sabe que Ele prossegue à nossa frente, desvelando-nos o caminho da ressurreição eterna; vejamo-Lo, heroico e divino, em seu apostolado de sublime renúncia, vergado à cruz de nossas fraquezas milenárias… É natural que nossos olhos estejam orvalhados de pranto e que o assombro nos domine os corações. Todavia, atentos à Justiça Indefectível que nos preside aos destinos, ouçamo-Lo a dirigir-se às mulheres piedosas que se lhe ajoelhavam aos pés, na cidade santa: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos, porque virão dias em se dirá: — Bem-aventurados os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram! Clamareis então para os montes: — Caí sobre nós! E rogareis aos outeiros: — Cobri-nos! Porque se ao madeiro verde fazem isto, que se não fará ao lenho seco?” (Lc 23:27)