O cavalheiro de renome e brilho, Quarenta e dois dezembros de existência, Tinha consigo um filho, Irrequieto rapaz de vinte primaveras… Viúvo, ele encontrara uma jovem bonita, De maneiras sinceras, Com quem se reuniria em casamento… Mas conduzindo o filho de visita Ao lar da noiva, em doce entendimento, Eis que o rapaz por ela se apaixona E, moço inteligente, Ante a afeição que lhe transborda à tona Do coração ardente, Dá-se, de todo, à treva que o invade… E, tão astuto quanto desumano, Friamente executa um lamentável plano De indescritível crueldade… Notando, em certo dia, o pai acometido Por resfriado leve, Ministra-lhe o rapaz um forte entorpecente, O genitor caído, Em tremendo torpor, delira estranhamente, E, de dose a outra dose, parecia Mais doente e cansado, a cada novo dia. O rapaz busca a jovem para vê-lo E a moça foge amedrontada, Fitando o descontrole e o desmazelo Daquele que não mais conseguiria Conceder-lhe migalha de alegria Da ventura sonhada… O resto da ocorrência Qualquer pessoa pode imaginar: O fazendeiro se afastou do lar, Quase que inconsciente, E, recolhido a um pensionato Para enfermos da mente, Muito longe de casa, Eis que todo o equilíbrio se lhe arrasa, Ante um texto legal que o destitui Da regência de tudo o que possui. O filho conseguira ilhá-lo em supremo desgosto, O pai tanto reclama e tanto se tortura, Que apresenta, rebelde e descomposto, Um quadro indiscutível de loucura. Não se descuida o moço… Mês a mês, Envia ao pensionato o justo numerário Para o custeio necessário Das despesas do pai Que deixara de vez.. Tempo vem, tempo vai E, ao termo de dois anos, De pesados e rudes desenganos, Certa noite, o doente Abandona a pensão e foge sem destino… O jovem na cidade interiorana Finalmente conquista A ex-noiva do pai que acredita, inocente, Na morte imaginária Do homem bom que adorara, ternamente, Através de uma carta simulada Que o moço sedutor lhe expõe à vista. O casal prosperou, vivendo agora Na metrópole grande, em formosa mansão, Um filho se lhe fez a base da união E marido e mulher viviam, de hora à hora, Em constante alegria… De lembranças do pai nenhum sinal Que lhes turvasse a vida No azul do céu mental… Festas, viagens, luxo, fantasia… O menino — seis anos de ternura Vive ligado à ama que o não solta, Ambos sob a atenção de um guarda que os escolta, Era o garoto um gênio de doçura… Quase todos os dias, Quando descia ao pátio ajardinado, Via a criança um velho embriagado A sorrir-lhe, por trás das grades de um portão. — “Uma esmola, meu filho” — ele pedia, Mostrando o rosto magro em desconsolo. Ia o menino à ama e, em breve, aparecia, Trazendo-lhe, feliz, grande porção de bolo. — “Deus te abençoe, meu anjo!…” — O velho abençoava. Curioso, o pequeno perguntava: — “Onde é que você mora?” O pedinte dizia: — “Aqui por fora, Moro no Sítio da Calçada…” A ama, compreendendo a alusão do mendigo, Endereçava aos dois um olhar piedoso e amigo, Sabendo com bondade e simpatia Que a cena, no outro dia, Seria renovada. Certa noite em que os pais se afastaram mais cedo Para uma longa festa em chácara distante, Dois ágeis salteadores Prendem o guarda num recanto escuro, Depois, transpondo o muro, Penetram na mansão… A dupla alcança O aposento onde jaz a tranquila criança… A ama é silenciada com mordaça, O pequeno a gritar, segue sob a ameaça Das mãos armadas dos sequestradores; A dupla arrasta, a esmo, o menino que chora, Mas, atingindo os três o portão de saída, Alguém surge com fúria desmedida, Um homem que se agarra ao pequeno indefeso E clama em alta voz: “Sou da polícia!… Sereis mortos, ladrões!… Meu carro aceso Chegará neste instante…” Ouvindo aquela voz tonitroante, Um deles grita ao outro: — “Apague o velho tonto… Depois, é dar no pé, nosso carro está pronto!…” Enquanto o homem semi-embriagado Guarda o pequeno ao lado, Ouve-se um tiro e o pobre tomba e geme… Despertam servidores, Distanciam-se os dois sequestradores. No piso do jardim, faz-se enorme alarido. A governanta chega… O velho é conhecido, É o mendigo que ali espera esmola, O mesmo que a criança alivia e consola… Nisso, o casal regressa à casa. Um empregado descreve o acontecido Enquanto a jovem mãe abraça o filho amado, O dono da mansão busca ver o ferido, Depois, grita ao mordomo: “Temos aqui um herói, um amigo leal, Ele salvou meu filho, o anjo que conheço… Quero agora salvar-lhe a vida, a qualquer preço, No melhor hospital…” Mas o homem caído Nele pousou o olhar profundo E vendo-se a morrer, de segundo a segundo, Disse, calmo e sereno: “Meu filho, agora é tarde… Se algo posso pedir, guarde o nosso pequeno…” Depois, como quem vê nas Telas do Invisível Acrescentou com a voz a elevar-se de nível: — “Maria Clara veio… É a despedida… Devo hoje segui-la em outra vida… Ouvindo ali o nome Da mãezinha que, há muito, falecera, O dono da mansão, mais pálido que a cera, Bradou, atormentado: — “Quem é você? Alguém do meu passado?” O velho sente o fim, Estirado a gemer, no piso do jardim… E, no esforço supremo a que se atira, Na tremenda exaustão, em que ele expira, Diz, ainda, no pranto que lhe cai: — “Graças aos Céus, cumpri o meu desejo, Ver você junto a mim é a luz maior que eu vejo… Deus o abençoe, meu filho!… Eu sou seu pai!…” |