Quando mãos devotadas e piedosas Arrancaram da cruz o Cristo Amado, Certo amigo A revelar extremo desconforto, Exclamou para o lenho áspero, erguido: — “Antes nunca tivesses existido, Cruz infamante, horrível instrumento Pouso de criminosos, Ódio a ti para sempre, cruz maldita!” Mas eis que, em tudo, a vida brilha e estua… A cruz assinalando a maldição, Mostrou sentir a própria humilhação… Atormentada e triste, Relegada, por fim, à sombra merencória Acreditou-se a escória De tudo quanto existe. Destacou-se, porém, generoso emissário, Dentre os Espíritos Sublimes, Assessores de Cristo no Calvário, Que acompanhando a cena, Falou à cruz silente e abandonada, Carregando de amor a voz serena: — “Não te sintas ferida ou desprezada, Cruz generosa e amiga, Por mais que o homem te maldiga, Ninguém te arredará do quadro e da memória Onde o Cristo estiver nos destaques da História… É preciso te lembres Que Jesus te escolheu, raciocinadamente, Para atender a Deus, no sacrifício ingente, A que se deu para elevar o mundo… O Mestre poderia Ter escolhido outro instrumento Para fazer-lhe companhia, Na amarga agitação que vimos neste dia, Talvez algum punhal brazonado Alguma lança de aguçado corte, Lapidação ou açoite Fossem a escolha dele para a morte Entretanto, o Senhor Para remate da missão de amor, Elegeu-te como és, Madeira despojada, Obscura madeira, Para expressar contigo a lição derradeira Que nos podia ser doada… Ele, Jesus, sabia Que tiveste um passado de alegria… Eras árvore linda, em vigor opulento, Crescendo para o Sol, às carícias do vento… Vivias descuidada, A cobrir-se de flores e de frutos, Que oferecias sem quaisquer tributos A quem te procurasse o verde tronco… Eras o doce lar dos passarinhos, Encantava-te a música dos ninhos, Mas sob os golpes de machado bronco, Tombaste, certo dia… Ninguém mais te lembrou a bela ramaria, Nem mais te recordou o refúgio e a riqueza Que trazias nos braços Pela bênção de Deus na luz da Natureza… Logo após abatida, Poste feita aos pedaços, Maltratada, vendida e revendida… A Terra não conhece a dor que te consome E para quem te veja como estás, És madeira sem nome, Mas o Mestre da Vida e Príncipe da Paz Elegeu-te a presença dolorida Para exaltar com ele as lágrimas da vida… Contigo, o Cristo Amado quer dizer Ao sublime futuro por nascer Que o Céu não desampara os fracos e os caídos, Que a vitória do bem, criando resplendores, Nem sempre nascerá dos vencedores Mas sempre dos vencidos!… Por isto, oh! cruz de bênçãos salvadoras, Na civilização que se aproxima, Brilharás muito acima De quaisquer expressões renovadoras. Terás imitações de prata e ouro Por sinal de Jesus, no caminho vindouro, Resplenderás, no mundo, em muitas leis, Serás consolação dos pobres deserdados, Tanto quanto prestígio e poder conjugados, Desde a choça da fé ao palácio dos reis!… Por tudo isso, O Céu mandou fazer-te em dois pedaços, Um deles vertical Apontando no Além a amplidão dos Espaços, O outro horizontal em traços certos, Simbolizando o amor universal, Muito embora, entre os homens esquecido, Escorraçado, preso, combatido, Mas de braços abertos… Cruz amiga de forças benfazejas, Deus te guarde e abençoe, bendita sejas!… Nesse exato momento, Desfizeram-se nuvens Descerrando a visão do firmamento… A Lua apareceu em remoto horizonte, Concentrando clarões nos ápices do monte Abrilhantando em tudo os detalhes da cruz Que não mais resguardava Qualquer nota de dor e de agonia… Cintilante no alto, o lenho parecia O caminho real da Perfeita Alegria Para o Reino da Luz. |