Somente Amor

Capítulo X

O anjo e a cruz



Quando mãos devotadas e piedosas

Arrancaram da cruz o Cristo Amado,

Certo amigo

A revelar extremo desconforto,

Exclamou para o lenho áspero, erguido:


— “Antes nunca tivesses existido,

Cruz infamante, horrível instrumento

Pouso de criminosos,

Ódio a ti para sempre, cruz maldita!”


Mas eis que, em tudo, a vida brilha e estua…

A cruz assinalando a maldição,

Mostrou sentir a própria humilhação…

Atormentada e triste,

Relegada, por fim, à sombra merencória

Acreditou-se a escória

De tudo quanto existe.

Destacou-se, porém, generoso emissário,

Dentre os Espíritos Sublimes,

Assessores de Cristo no Calvário,

Que acompanhando a cena,

Falou à cruz silente e abandonada,

Carregando de amor a voz serena:


— “Não te sintas ferida ou desprezada,

Cruz generosa e amiga,

Por mais que o homem te maldiga,

Ninguém te arredará do quadro e da memória

Onde o Cristo estiver nos destaques da História…

É preciso te lembres

Que Jesus te escolheu, raciocinadamente,

Para atender a Deus, no sacrifício ingente,

A que se deu para elevar o mundo…

O Mestre poderia

Ter escolhido outro instrumento

Para fazer-lhe companhia,

Na amarga agitação que vimos neste dia,

Talvez algum punhal brazonado

Alguma lança de aguçado corte,

Lapidação ou açoite

Fossem a escolha dele para a morte

Entretanto, o Senhor

Para remate da missão de amor,

Elegeu-te como és,

Madeira despojada,

Obscura madeira,

Para expressar contigo a lição derradeira

Que nos podia ser doada…

Ele, Jesus, sabia

Que tiveste um passado de alegria…

Eras árvore linda, em vigor opulento,

Crescendo para o Sol, às carícias do vento…

Vivias descuidada,

A cobrir-se de flores e de frutos,

Que oferecias sem quaisquer tributos

A quem te procurasse o verde tronco…

Eras o doce lar dos passarinhos,

Encantava-te a música dos ninhos,

Mas sob os golpes de machado bronco,

Tombaste, certo dia…

Ninguém mais te lembrou a bela ramaria,

Nem mais te recordou o refúgio e a riqueza

Que trazias nos braços

Pela bênção de Deus na luz da Natureza…

Logo após abatida,

Poste feita aos pedaços,

Maltratada, vendida e revendida…

A Terra não conhece a dor que te consome

E para quem te veja como estás,

És madeira sem nome,

Mas o Mestre da Vida e Príncipe da Paz

Elegeu-te a presença dolorida

Para exaltar com ele as lágrimas da vida…

Contigo, o Cristo Amado quer dizer

Ao sublime futuro por nascer

Que o Céu não desampara os fracos e os caídos,

Que a vitória do bem, criando resplendores,

Nem sempre nascerá dos vencedores

Mas sempre dos vencidos!…

Por isto, oh! cruz de bênçãos salvadoras,

Na civilização que se aproxima,

Brilharás muito acima

De quaisquer expressões renovadoras.

Terás imitações de prata e ouro

Por sinal de Jesus, no caminho vindouro,

Resplenderás, no mundo, em muitas leis,

Serás consolação dos pobres deserdados,

Tanto quanto prestígio e poder conjugados,

Desde a choça da fé ao palácio dos reis!…

Por tudo isso,

O Céu mandou fazer-te em dois pedaços,

Um deles vertical

Apontando no Além a amplidão dos Espaços,

O outro horizontal em traços certos,

Simbolizando o amor universal,

Muito embora, entre os homens esquecido,

Escorraçado, preso, combatido,

Mas de braços abertos…

Cruz amiga de forças benfazejas,

Deus te guarde e abençoe, bendita sejas!…


Nesse exato momento,

Desfizeram-se nuvens

Descerrando a visão do firmamento…

A Lua apareceu em remoto horizonte,

Concentrando clarões nos ápices do monte

Abrilhantando em tudo os detalhes da cruz

Que não mais resguardava

Qualquer nota de dor e de agonia…

Cintilante no alto, o lenho parecia

O caminho real da Perfeita Alegria

Para o Reino da Luz.