Nascimento: São Paulo, 07 de fevereiro de 1949 — Desencarnação: São Paulo, 1.° de fevereiro de 1974. Casado com a Sra. Maria Cristina Bueno Ribeiro Garcia. Filho de Armando Garcia e Hilda Arbulu Garcia. Irmão: Armando Garcia Filho. Todos residentes em São Paulo — Capital.
Daphne Du Maurier inicia um de seus romances com a inesperada e indesejada informação que uma carta traz à idosa Madame Duval. Entre as alegrias do reencontro epistolar, a filha lhe fala do conhecimento que travara em Paris com um jovem, cujas reminiscências voltariam a memória de Mme. Duval a um passado que gostaria de esquecer. A carta é o ponto de partida do romance biográfico desenvolvido no interior da França, à época da Revolução Francesa.
Igualmente, um convite de casamento, entregue à sua porta, naquela manhã de sexta-feira, 1.° de fevereiro de 1974, abriria para D. Hilda as portas de uma vida nova de que também não poderia fugir. Começava para a Família Garcia um romance tão real como o de Du Maurier, mas vivido nos nossos dias, na capital paulista.
Às 10 horas daquela manhã, uma vizinha bateu-lhe à porta para entregar o convite de casamento da filha: como a amiga estivesse com os olhos vermelhos, D. Hilda observou que aquele momento era de alegria, pois se anunciava o casamento da filha; mas a senhora vizinha respondeu que estava chorando, porque o marido quase morrera num incêndio recém-irrompido na cidade, em um prédio da Avenida 9 de Julho.
Buscando maiores informações, D. Hilda veio a saber que o Edifício, que se incendiava, era o Joelma, exatamente onde seu filho Wilson trabalhava.
Como essas notícias correm, ao sabor da rapidez com que nos solidarizamos nas horas difíceis, simultaneamente, o pai de Wilson, Sr. Armando, e a esposa do jovem funcionário da Crefisul, Maria Cristina, também tomavam conhecimento do incêndio fatal.
A despeito do pai e do irmão Armandinho o esperarem na entrada do Edifício e da esposa o procurar nos postos de atendimento, prontos-socorros e hospitais da cidade, onde eventualmente pudesse estar, Wilson William Garcia somente foi encontrado na madrugada de domingo, quase dois dias depois, no Instituto Médico Legal, identificado por amigos da família. Não apresentava sinais evidentes de queimadura, sugerindo que sua morte tenha sido por intoxicação e asfixia, conforme o Wilson nos faz entender na mensagem psicografada pelo Chico.
Natural de São Paulo — Capital, no dia 7 de fevereiro, uma semana após o incêndio, Wilson completaria 25 anos. Casado há um ano apenas com Maria Cristina Bueno Ribeiro Garcia, era filho de Armando Garcia e Hilda Arbulu Garcia, deixando um irmão, o Armando Garcia Filho.
Fez o curso primário no Colégio São Bento, o secundário no Ginásio Estadual Roldão Lopes de Barros e formou-se em Contabilidade no Colégio 7 de Setembro, todos em São Paulo.
Programador Bourroughs, fazia o curso para analista de sistemas em computação eletrônica, enquanto ocupava o cargo de assessor do Departamento de Planejamento da Crefisul.
Segundo informações de um seu colega de trabalho, que conseguiu salvar-se, Wilson procurou avisar a todos os seus companheiros da irrupção do incêndio, reduzindo naturalmente suas próprias chances de sobrevivência, naquela dura luta contra o tempo.
O leitor pode imaginar que não foram fáceis para a jovem esposa, para os pais e irmão, os momentos difíceis que se sucederam à morte do Wilson.
É a dor sem descrição, a separação irreversível, a ausência definitiva que sulca de rugas os rostos sofridos e desenha os primeiros brancos nos cabelos, em nome da saudade.
Palavra de profundo significado intuitivo, intrínseco, saudade é contudo difícil de definir-se, pois que não é fácil materializar sentimentos ou padronizar a dor. Duas figuras há, entretanto, que se aproximam do que todos nós entendemos por saudade, sem reduzir o vocábulo a um sentido mais concreto. Essas figuras encontramos em Silveira Bueno, quando diz que “saudade é a presença dos ausentes queridos” e, no poeta piauiense, Da Costa e Silva, o poeta da saudade, ao lembrar-se do olhar materno e do velho Rio Parnaíba de sua infância distante:
Saudade, o olhar de minha mãe rezando
E o pranto lento, deslisando em fio.
Saudade — minha terra e o rio,
Cantigas d’águas claras soluçando.
Quatro meses após a morte do filho, D. Hilda e o Sr. Armando começaram a frequentar a Casa da Passagem, entidade espírita do Itaim, levados pelo amigo da família Paulo Pitta, companheiro das horas amargas, e que tomou para si o encargo de localizar o corpo do Wilson no Instituto Médico Legal. Posteriormente, através de D. Yolanda, mãe do Augusto, que vieram a conhecer nessa época, passaram a visitar regularmente o Lar do Amor Cristão, no Ipiranga, onde sobretudo senhoras, vitimadas pela perda dos filhos, vão buscar o consolo e o esclarecimento.
Também por esse tempo, D. Hilda, que não conhecia Francisco Cândido Xavier, passou a visitá-lo em Uberaba e na 5ª viagem, no dia 20 de dezembro de 1975, quase dois anos após a morte do filho, recebeu a mensagem Renasci das Chamas.
Maria Cristina, a esposa do Wilson, como os demais familiares, também de formação católica, encontrou nas palavras do marido, psicografadas por Chico Xavier, a confirmação de sua sobrevivência. E, somente então, após os dois penosos anos de sofrimento pela separação compulsória, começou a apresentar sinais mais efetivos de recuperação, embora muito traumatizada ainda, a ponto de interromper a entrevista que nos concedia, para a obtenção de dados referentes ao marido, envolvida que foi nos quadros do passado próximo, quando se viu, inesperadamente, sozinha.
Certamente nas telas de seu pensamento voltavam os quadros da juventude, quando durante quatro anos, após um despretencioso trote telefônico, ela e o Wilson passaram a manter regular intercâmbio, sempre pelo telefone, sem se conhecerem.
Mas o telefone do Além não permitiu que Wilson e a esposa deixassem de comunicar-se e foi esse reencontro que reacendeu na jovem Maria Cristina a chama da vida e os anseios de lutar, perseguindo a felicidade com as forças vivas da fé.
Querida mãezinha, abençoe seu filho como sempre.
Aqui me parece reencontrar um segredo da Providência Divina: o retorno ao coração materno para renascer entre as criaturas humanas. Importante pensar: no mundo chegamos pelo regaço dos anjos a quem Deus confiou o lar e creio que, em meu caso, torno a me fazer sentir por suas preces, mãe querida.
Tenho a ideia de que obedeço a uma compulsão: suas orações me envolvem, desde muito tempo, levando-me a recordar os panos do berço com que a senhora um dia aí na Terra me esperou com tanto carinho. Mas o segredo continua: porque se alcancei os seus braços, chorando de alegria e de dor, na imagem de uma criança recém-nascida, regresso ao seu carinho com as lágrimas da felicidade e do sofrimento para surgir na forma desta carta em que trago notícias.
Se me sensibilizo tanto, perdoem-me. A senhora e meu pai desculpem o que me ocorre. Não posso estancar o pranto de júbilo e saudade, em que se misturam os nossos corações no vaso da família.
Mãe, não se aflija tanto. Poderia afirmar como num telegrama: cheguei bem. No entanto, de que modo não extravasar o sentimento quando a ansiedade do rever foi tão amargurada e tão sofrida?
Tenho procurado consolá-los, fortalecê-los, mas não é fácil vencer os muros de vibrações, através dos quais ouvimos as vozes inarticuladas uns dos outros. O pensamento fala sem palavras e a mente escuta sem ouvidos.
Você sabe, mamãe, que seu filho está vencendo as lutas novas. Em nossas orações, o nosso diálogo é sempre repetido, sempre constante, mas você aguardava que esse tipo de ondas espirituais em que nos comunicamos tivesse um registro: o registro através das letras escritas. E estou aqui, rogando à senhora conduza minhas informações aos nossos entes queridos.
Cessem nossas lágrimas, porque o pesado aguaceiro de nossas inquietações vai sendo amainado. Peça à nossa querida Maria Cristina para que se refaça no coração. O amor é uma luz que brilha sempre. Um perfume que pode transferir-se de frasco, persistindo sempre o mesmo.
Não quero dizer que sou agora simplesmente o irmão da esposa querida que deixei. Sou ainda o homem, o companheiro, o amigo, a metade do par feliz que nós fomos; entretanto, as lições daí são semelhantes às nossas neste mundo novo, em que nos modificamos pouco a pouco.
Por que o exclusivismo, não é mamãe? quando devemos entender as necessidades que ficam na Terra? por que prender os corações amados, acorrentando-os a nós, quando o amor é a felicidade que podemos distribuir em seu nome? Amor é paz que se dá para receber, luz que se acende em alguém, para que a luz desse alguém nos clareie os caminhos.
Deixei Maria Cristina por menina que precisa de proteção para reconstituir as próprias tarefas. Precisamos auxiliá-la a reencontrar-se, realizar-se. Diga para ela, mãezinha, que foi bom para nós não havermos encomendado o bebê com que sonhávamos… A promoção que esperávamos em meu trabalho para isso era importante demais para que marcássemos a existência com esse compromisso.
Não peço a ela para esquecer-me, porque isso eu também não posso fazer, mas que nossa querida Cristina se lembre de que a compreensão mora conosco e, pela compreensão, devemos contar com as renovações com que Deus, por Seus Mensageiros, nos queira favorecer. O que ela escolher, escolhi; o que ela desejar, também desejo para ela, desde que nisso ela se faça feliz. Os caminhos dela serão os nossos, porque a leguei à nossa casa; ela é sua filha, mãezinha, filha de meu pai também e nós todos estaremos com ela em todas as circunstâncias.
Meu avô Ângelo e meu amigo o tio Ernesto Arbulu me informaram que ela procurou viajar para refazer energias, a pedido deles mesmos, a fim de que melhorássemos, mas sei que ela não se sente feliz fora de nossos horizontes. Mamãe, rogue a ela e ao nosso caro Armandinho para não se rebelarem e não esmorecerem na fé. A oração é um fio de intercâmbio entre nós, ante a Providência Divina.
Aqui, vejo que a religião é uma lâmpada que brilha em qualquer lugar. As interpretações são apenas cores sobre o foco, imprimindo maneiras e reflexos diferentes da chama que é única. Seja qual for a manifestação de fé em que os nossos procurem viver, essa fé será sempre benéfica, embora deva considerar de minha parte que, neste mundo novo em que me vejo, trazem grande bem ao coração os textos que nos ensinem a necessidade do bem e de conhecimentos maiores, em nosso próprio auxílio. Mas, não tenho autoridade para tocar nisso; apenas anseio ver a paz em nossos familiares queridos, a paz que surge da certeza de que a vida não termina com a morte.
E por falar em morte, os quadros do incêndio já estão longe. Passaram. O nosso admirável Joelma para nós agora funcionou como um templo em que nos transformamos para as leis de Deus. Não creiam que o sofrimento para mim fosse muito. A princípio, o tumulto, o desejo natural de escapar à provação, a luta pela sobrevivência sem agressões à frente dos companheiros e colegas que experimentavam como nós o desequilíbrio nos conflitos inesperados… Depois, foi a tosse, o cérebro toldado, como se houvesse sorvido uma bebida forte e, em seguida, um sono com pesadelos… Os pesadelos das telas em derredor que vocês podem imaginar como tenham sido…
Posso dizer a você, mamãe, que pensávamos em helicópteros que nos retirassem das partes altas do edifício e com espanto, quando acordei ainda estremunhado, fui transportado para um aparelho semelhante, junto de outros amigos. Era assim tão perfeita a situação do salvamento que fui alojado num hospital, como se estivéssemos num hospital da cidade para recuperação, antes do regresso à nossa casa.
Mantive essa expectativa até que meu avô Ângelo me fizesse recordar os tempos de criança e, logo que me vi novamente menino, na memória, compreendi que ele era o meu avô na 5ida Espiritual e que estávamos juntos. O hospital não era mais daqueles que conhecemos no mundo.
Meu avô e o meu tio, nosso irmão José Garcia, me apresentaram aos benfeitores que nos acolhiam. Tantas surpresas tive ao abraçar antigos mestres do São Bento que chorei muito, sem saber se eu estava alegre ou triste, renovado ou vencido, como se algum pesadelo ou sonho feliz daquela hora fosse repentinamente materializado para meus olhos.
Um benfeitor dos meus benfeitores, preciso nomear — nosso amparo na Terra e aqui mesmo: Dom Lourenço Zeller [bispo de Doriléia, Arquiabade da Congregação de São Bento, falecido repentinamente em Belém do Pará, no dia 2 de setembro de 1945]. Os que acreditam aí no mundo que a morte seja uma cortina de sombra e esquecimento, saibam que das cinzas do mundo surgem os nossos agradecimentos e os grandes benfeitores delas renascem para ajudar aos que caminham em passos vacilantes para as verdades maiores.
Os que sofreram nos claustros, os que desapareceram em louvor da fé, os que trabalharam para socorrer as criaturas que lutam na Terra, os que amaram um ideal superior, em nome de Deus, são aqui mais vivos. Todos vivemos, porque todos somos filhos de Deus e Espíritos imortais; no entanto, os que se doaram pelos outros, os que se trocaram pela felicidade e pela paz dos seus semelhantes, aqui encontram mais vida, somando vida e amor a si mesmos, na medida do amor e da vida que distribuíram com os outros. Isso me vem à lembrança porque os amados professores do nosso colégio não estão mortos.
Mãe, querida mãezinha, agora despede seu filho em paz, e lembre-me aos nossos. A todos, muito carinho e muito amor. Não posso escrever mais. À Maria Cristina e ao nosso Armandinho, o meu abraço de imensa confiança. Ao papai, a certeza de que prosseguimos juntos. Não tenham receio pelo amanhã. O verdadeiro seguro — o seguro que nunca falha — é o trabalho que Deus nos concede. Trabalhando no bem, tudo teremos de bom.
Querida mãezinha, agradeço as orações e os pensamentos. Não chore com aflição que isso dói muito em nós aqui. Confiemos em Deus.
Receba todo amor e toda gratidão, com as saudades e as esperanças do filho que lhe traz o espírito agradecido, sempre seu filho e companheiro, carinho de seu carinho e coração de seu coração.
Wilson
Conta-nos, D. Hilda, mãe do Wilson, que o próprio Chico chorava copiosamente, enquanto sua mão corria rápido o papel, escrevendo essa página de singular simplicidade.
De fato, acompanhando a leitura da mensagem, senti-la-emos impregnada de um realismo nostálgico que difícil se nos torna conter a emoção maior. Entendemos o Wilson pelas suas palavras, como alguém que superando as próprias lutas, vencendo os embates íntimos, volta resoluto para convidar os pais e a esposa querida a um novo entendimento. Daí dizer firme: “cessem nossas lágrimas, porque o aguaceiro de nossas inquietações, vai sendo amainado. Peça à nossa Cristina para que se refaça no coração”. Não é fácil para nós, apreendermos toda a problemática afetiva que envolve dois corações jovens, ligados de modo aparentemente fortuito, qual sucedeu com Wilson e Cristina, como vimos, que se conheceram e mantiveram a ilusão dos sonhos de juventude, através de um aparelho telefônico, impotente, contudo, para separar as almas afins, que acabaram por se unir, ainda que por tão pouco tempo.
Ocorre-nos uma série de perguntas, quando seguindo na leitura da mensagem, surpreendemos o coração magnânimo do marido ausente pedir à esposa jovem que não se resigne à possibilidade de solidão. Muita coisa bonita o Wilson nos diz nessa mensagem, como alguém que havendo suportado o fogo do incêndio devastador por fora, alimentado pelas chamas incontroláveis do Joelma, passou a trazer mais intenso calor afetivo por dentro da própria alma, de tal forma sublimado em novas luzes de compreensão, que as expressões do comunicante nos comovem a todos.
Da página mediúnica, como revelação, cremos ser desnecessário falar. No desdobramento da leitura deste livro, como ocorre com JOVENS NO ALÉM, o leitor aprendeu a ver nas tarefas de Chico Xavier qualquer cousa de extraordinário, em que revelações incontestáveis se misturam a conceitos de brilho raro, poemas do Céu em forma de prosa. Também o Wilson não fugiu a citações surpreendentes. Senão vejamos:
1 — Meu avô Ângelo — avô materno Ângelo Arbulu, muito ligado ao Wilson. Faleceu há 12 anos, em São Paulo.
2 — Tio Ernesto Arbulu — ainda não identificado. Pelo que conhecemos do Chico, não temos dúvida de que nos arquivos familiares o Tio Ernesto será logo localizado.
3 — Ela procurou viajar — Realmente confirmado pela esposa do Wilson que buscou, em viagem para os Estados Unidos, no ano passado, o esquecimento da dor inseparável.
4 — Nosso caro Armandinho — irmão do Wilson, assim chamado pelos familiares.
5 — Luta pela sobrevivência sem agressões — um companheiro de serviço contou que durante o incêndio o Wilson, tão-logo teve ciência do ocorrido, foi de sala em sala avisar os outros funcionários da secção em que trabalhava.
6 — Tosse, cérebro toldado — confirma que a morte ocorreu presumivelmente por asfixia, pois que seu corpo estava praticamente intacto, sem sinais de queimaduras importantes.
7 — José Garcia — tio paterno, desencarnado há cerca de 30 anos. O Sr. Armando Garcia nos contou que eram irmãos por parte de pai, sendo, José Garcia, filho do primeiro casamento. Sempre viveram distantes um do outro, sem maiores aproximações afetivas, desconhecendo mesmo o pai do Wilson, a data mais aproximada e o local de falecimento do irmão.
8 — Antigos mestres — Wilson cursou o primário no Colégio São Bento, tendo sido aluno de D. Lourenço Zeller, conforme lembra na mensagem, além de falar genericamente em outros mestres. O jovem reconhece em D. Lourenço Zeller o devotado benfeitor da Causa do Bem, homenageando-o com formosos conceitos a respeito dos abnegados heróis que passam pela Terra, distantes de nosso conhecimento maior, escondidos na própria humildade.
Caio Ramacciotti