Enquanto no corpo, não formulamos a ideia exata do que seja a realidade, além da morte. Ainda mesmo quando o Espiritismo nos ajuda a pensar seriamente no assunto, debalde tentaremos calcular relativamente ao futuro, depois do sepulcro.
Os quadros sublimes ou terríveis no plano externo correspondem, de alguma sorte, à nossa expectativa; contudo, os fenômenos morais, dentro de nós, são sempre fortes e inesperados.
Antes da passagem, tudo me parecia infinitamente simples!
Não passaria a morte de mera libertação do Espírito e mais nada. Seguiria nossa alma para esferas de julgamento, de onde voltaria a reencarnar, caso não se transferisse aos Mundos Felizes.
Compreendo hoje que aceitar esta fórmula, seria o mesmo que menoscabar a existência humana, declarando-se que o homem apenas renascerá na Terra, respirará entre as criaturas e, em seguida, se libertará do corpo de baixa condensação fluídica. Quantos conflitos, porém, entre o aparecimento e a desagregação do veículo carnal? quantas lições entre a infância e o declínio das forças físicas?
Reconheço, presentemente, que as dificuldades não são menores para a alma liberta dos mais pesados impedimentos do Plano material. Entre o ato de perder a carcaça de ossos e a iniciativa de reencarnação ou de elevação, temos o tempo, e o conteúdo desse tempo reside em nós mesmos. Quantos óbices a vencer, quantos enigmas a solucionar?
Acreditei que o fim das limitações corporais trouxesse inalterável paz ao coração, mas não é bem assim.
No fundo, em nossas organizações religiosas, somos uma espécie de combatentes prontos a batalhar a distância de nossa moradia e, quando nos julgamos de posse da vitória final, tornamos ao círculo doméstico para enfrentar, individualmente, a mesma guerra, dentro de casa. Vestimos a roupa de carne, a fim de lutar e aprender e, se muitas vezes sorvemos o desencanto da derrota, em muitas ocasiões nos sentimos triunfadores. Somos, então, filhos da turba distraída, companheiros de mil companheiros, cooperadores de mil cooperadores.
Chega, no entanto, o momento em que a morte nos reconduz à intimidade do lar interior. E se não houve de nossa parte a preocupação de construir, aí dentro, um santuário para as determinações divinas, quantos dias gastamos na limpeza, no reajustamento e na iluminação?
Oh! meus amigos do Espiritismo, que amamos tanto! É para vocês — membros da grande família que tanto desejei servir — que grafei estas páginas, sem a presunção de convencer! Não se acreditem quitados com a Lei, por haverem atendido a pequeninos deveres de solidariedade humana, nem se suponham habilitados ao paraíso, por receberem a manifesta proteção de um amigo espiritual! Ajudem a si mesmos, no desempenho das obrigações evangélicas! Espiritismo não é somente a graça recebida, é também a necessidade de nos espiritualizarmos para as esferas superiores.
Falo-lhes hoje com experiência mais dilatada. Depois de muitos anos, nas lides da Doutrina, estou recompondo a aprendizagem, a fim de não ser o companheiro inadequado ou o servo inútil. Guardem a certeza de que o Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo não é apenas um conjunto brilhante de ensinamentos sublimes para ser comentado em nossas doutrinações — é Código da Sabedoria Celestial, cujos dispositivos não podemos confundir.
Agradeço, sensibilizado, a colaboração de Emmanuel e de André Luiz, nos registros humildes de meu refazimento espiritual, nestas páginas que endereço aos irmãos de ideal e serviço.
E pedindo a Jesus nos fortaleça a todos, no trabalho a que fomos conduzido, de modo a estendermos, além de nós, as bênçãos que nos felicitam, rogo também ajuda para mim mesmo, a fim de que a Luz Divina me esclareça e auxilie, dentro do novo caminho de trabalho e elevação, porque, se a experiência carnal amadurece e passa, a vida prossegue e a luta continua.
Pedro Leopoldo, 19 de fevereiro de 1948.
Nótulas da Editora, relativas a algumas das personagens citadas neste livro:
BATUÍRA, cognome de Antônio Gonçalves da Silva — Pioneiro do Espiritismo em terras de Piratininga (Desencarnou em 1909).
BEZERRA DE MENEZES, Adolfo (Dr.) — Presidente da FEB, de 1895 a 1899 (Desencarnou em 1900).
BITTENCOURT SAMPAIO. Francisco Leite (Dr.) — Poeta, escritor, médium receitista e membro do “Grupo Confúcio” e do “Grupo Ismael” (Desencarnou em 1895).
CASIMIRO CUNHA — Poeta, cego desde a idade de dezesseis anos, colaborava em “Reformador” (Desencarnou em 1914).
CIRNE, Leopoldo — Presidente da FEB, de 1900 a 1913 (Desencarnou em 1941).
FREDERICO Pereira da Silva JÚNIOR — Médium do “Grupo Ismael” durante 34 anos (Desencarnou em 1914).
GUILLON RIBEIRO, Luis Olímpio (Dr.) — Presidente da FEB, em 1920 e 21 e de 1930 até à época da sua desencarnação, em 1943.
INÁCIO BITTENCOURT — Vice-Presidente da FEB, em 1915, médium receitista (Desencarnou em 1943).
ORNELAS, Adolfo Oscar do Amaral — Secretário do “Reformador”, médium, dramaturgo e poeta de valor (Desencarnou em 1923).
PETITINGA, pseudônimo de José Florentino de Sena — Presidente da União Espírita Baiana. Poeta ilustre (Desencarnou em 1939).
ROMUALDO Antônio de SEIXAS — Arcebispo da Bahia, desencarnado em 1860. É um dos Guias do “Grupo Ismael”.
ROSENBURG, Artur (Cel.) — Diretor da FEB, por muitos anos (Desencarnou em 1930).
SAYÃO, Antônio Luís (Dr.) — Diretor do “Grupo Ismael”, escritor e evangelizador (Desencarnou em 1903).
SCHUTEL, Caírbar (Farmacêutico) — Abnegado espírita, escritor e jornalista (Desencarnou em 1938).
SPINOLA, Aristides (Dr.) — Presidente da FEB, em vários anos (Desencarnou em 1925).
TOSTA, José Machado — Jornalista espírita, esforçado professor de Esperanto na FEB (Desencarnou em 1929).
ULISSES de Mendonça — Médium do “Grupo Ismael” (Desencarnou no Estado de Mato Grosso).
VALE OWEN, Rev. G. — Vigário de Orford, Lancashire, Inglaterra, médium que recebeu uma série de livros semelhantes aos de André Luiz.