Vozes do Grande Além

Capítulo XXX

O Homem e o Tempo



Terminávamos as nossas atividades na noite de 5 de janeiro de 1956, quando fomos tomados de grande alegria. Pela primeira vez em nossa casa, compareceu o grande poeta português Antero de Quental à manifestação psicofônica, e, usando mímica e inflexão singularíssimas, ditou os dois sonetos intitulados “O Homem e o Tempo” que, ainda hoje, nos tocam profundamente a sensibilidade.


I


Disse o Homem ao Tempo: — Ó gênio triste!

Onde a tua caverna horrenda e escura?

Por que trazes velhice e desventura

À minha carne que te não resiste?


Abomino-te a clava estranha e dura

Que dilacera tudo quanto existe!…

Por que razão me segues, lança em riste,

Estendendo-me as noites de amargura?


Por que fazes o riso envolto em pranto

E derramas o fel do desencanto

No doce vinho da felicidade?


Quem és tu? Monstro ou deus, arcanjo ou fera?

Onde o ninho de sombra que te espera

Nos remotos confins da Eternidade?!


II


Mas o Tempo exclamou: — Ergue-te e lida!…

Sou o pajem divino que te exorta

A seguir para os Céus, de porta em porta,

Amparando-te os passos na subida…


Eras apenas larva indefinida

Quando arranquei-te à treva fria e morta.

Desde então, sou a luz que te transporta,

De forma em forma, para a Grande Vida.


Dou-te alegria e dor, miséria e glória,

Para que guardes, puro, na memória,

O amor de Deus que, em tudo, anda disperso…


Louva o trabalho que te imponho aos dias.

Sem meus braços, irmão, não passarias

De um verme preso às furnas do Universo.




ANTERO DE QUENTAL — Notável poeta português, desencarnado em Portugal, no século passado.