Na noite de 26 de abril de 1956, foi trazido à comunicação o Espírito Raimundo Teixeira, que sofreu aflitiva prova na alienação mental.
Os apontamentos do visitante, que foram alinhados sob a legenda “loucura e resgate”, valem igualmente a nosso ver, por precioso estudo no tema “reencarnação e justiça”.
Conduzido ao recinto por devotados 1nstrutores Espirituais, recomendam eles algo vos diga de minhas provas.
Entretanto, minhas dificuldades são quase insuperáveis para relacionar com a palavra os tremendos episódios de minha terrível experiência.
Sou uma alma pobre que ainda convalesce de aflitiva loucura no campo físico.
Não creio que o verbo articulado possa exprimir com segurança tudo aquilo que expresse meus estados emocionais.
Ainda assim, posso garantir-vos que tenho atravessado inimagináveis suplícios.
Por mais de vinte anos, fui vítima de flagelações e tormentos que culminaram em transes de pavoroso desespero, não pelas dores de origem material que me dilaceravam o corpo, mas sim porque, na condição de alienado mental, guardava, no fundo de meu ser, a consciência de todos os meus atos, embora não pudesse governar meus infelizes impulsos.
Perambulei no mundo à maneira de alguém que se visse sob o guante invencível de Inteligências perversas, como pode acontecer a um homem irremediavelmente prisioneiro de malfeitores, em sua própria moradia.
Por mais orasse, por mais anelasse o bem e por mais quisesse comandar a própria existência, os terríveis carcereiros das minhas atividades mentais compeliam-me a atitudes deploráveis que, de início, me angariaram o desafeto dos familiares mais queridos ao coração.
Era constrangido a práticas ignominiosas, impelido a pronunciar palavras que me afastavam toda e qualquer simpatia e a perpetrar atos que provocavam, em torno de mim, repugnância e temor.
E, por essa razão, relegado à atmosfera deprimente dos loucos, nela padeci não apenas os mais dolorosos processos de tratamento médico, como sejam, a insulinoterapia, a malarioterapia e o eletrochoque, mas também os bofetões de enfermeiros desapiedados e o poste de martírio, a camisa de força e a solidão.
Isso tudo sofri com a tácita aprovação de minha consciência, pois no íntimo me reconhecia culpado.
Colocava-me na situação de quantos me assistiam caridosamente e concluía que, na posição deles, infligiria a mim mesmo os mais duros castigos, de vez que os ocupantes de meu campo mental me impeliam à delinquência e ao desrespeito, ao insulto e à viciação.
Chorei tanto, que acredito haverem as lágrimas aniquilado os meus olhos encadeados a medonhas alucinações.
Amarguei tanto a vida que o sofrimento por fim me venceu diante das testemunhas implacáveis de minha dor — testemunhas que me acusavam sem que ninguém as ouvisse, que me espancavam sem que ninguém lhes presenciasse os assaltos, que me acompanhavam dia e noite sem que ninguém lhes pressentisse a presença.
E tamanho foi o meu infortúnio que, em me libertando do cárcere da prova, desarvorado e desiludido, pedi à Providência Divina, através de mil modos, que uma explicação me aliviasse o torturado raciocínio, porquanto, ainda mesmo fora do corpo carnal, a malta de perseguidores continuava assacando contra mim gritos soezes, tentando escravizar-me de novo a mente desditosa…
Foi, então, que, ao socorro de Instrutores Amigos, me vi em surpreendente retorno à condição em que me achava antes da internação na carne para a terrível provação da loucura…
Identifiquei-me em pleno espaço, desolado e errante, cercado por centenas de verdugos que me buscavam o Espírito, impondo-me à visão tremendos quadros — quadros esses que, pouco a pouco, me reconduziram ao posto que eu deixara anteriormente, através da morte…
Sim, eu havia sido um juiz que abusara da dignidade do meu cargo.
Vi-me envergando a toga do magistrado, que me competia preservar impoluta, desfrutando invejável eminência social na Terra, mas enceguecido pelos interesses do grupo político a que me filiara, com desvairada paixão.
Torcia o direito para quase todos aqueles que me buscavam, tangidos pelas circunstâncias, conspurcando o tribunal que me respeitava, transformando-o em ominoso instrumento de crime e revolta, perversidade e miséria, desânimo e desespero, porque as minhas sentenças forjavam todos esses males. Mas não consegui ludibriar a verdadeira justiça.
Deixando o veículo físico, as minhas vítimas se converteram em meus juízes e todas aquelas que me não podiam perdoar seguiram-me os passos na Esfera espiritual, tecendo-me a cadeia de tormentos inomináveis, a explodirem no pavoroso desequilíbrio com que ressurgi entre as criaturas humanas, na existência última.
Atravessei uma infância atormentada… Para os médicos, eu não passava de pobre exemplar da esquizofrenia.
Alcancei a juventude tumultuária e triste dos que não possuem qualquer estabilidade de raciocínio para a fixação dos bons propósitos, e, tão logo atingi a maioridade, meus implacáveis acusadores senhorearam-me a estrada, conturbando-me a vida, e, desse modo, como alienado mental fui submetido ao julgamento de todos eles, experimentando, por mais de quatro lustros, flagelações e torturas que não posso desejar aos próprios Espíritos satanizados nas trevas.
Sou, assim, um doente desventurado procurando restaurar a si mesmo, depois de terrível inferno no coração. Não acredito que a minha palavra possa trazer qualquer apontamento que induza ao consolo.
Entretanto, o juiz louco que fui, o juiz que impôs a si próprio horrenda enfermidade da alma, pode oferecer alguma advertência aos que manobram com a autoridade no mundo e a todos os que ainda podem recuar nas deliberações infelizes!…
Diante de mim vibra o Tempo, o grande julgador…
Possa a Divina Compaixão conceder-me com esse juiz silencioso, cujas palavras para nós são as horas e os dias do mundo terrestre, a oportunidade de ressarcir minhas faltas, porque, por enquanto, o juiz que dementou a si mesmo apenas ingressou na fase inicial do reajuste, da qual se transferirá para o campo expiatório, onde, face a face com as suas antigas vítimas, será obrigado a solver seus clamorosos débitos, ceitil por ceitil. (Mt
Deus seja louvado!…
RAIMUNDO TEIXEIRA — Espírito amigo não identificado.