Terminávamos as nossas atividades na noite de 5 de janeiro de 1956, quando fomos tomados de grande alegria. Pela primeira vez em nossa casa, compareceu o grande poeta português Antero de Quental à manifestação psicofônica, e, usando mímica e inflexão singularíssimas, ditou os dois sonetos intitulados “O Homem e o Tempo” que, ainda hoje, nos tocam profundamente a sensibilidade.
Disse o Homem ao Tempo: — Ó gênio triste! Onde a tua caverna horrenda e escura? Por que trazes velhice e desventura À minha carne que te não resiste? Abomino-te a clava estranha e dura Que dilacera tudo quanto existe!… Por que razão me segues, lança em riste, Estendendo-me as noites de amargura? Por que fazes o riso envolto em pranto E derramas o fel do desencanto No doce vinho da felicidade? Quem és tu? Monstro ou deus, arcanjo ou fera? Onde o ninho de sombra que te espera Nos remotos confins da Eternidade?! IIMas o Tempo exclamou: — Ergue-te e lida!… Sou o pajem divino que te exorta A seguir para os Céus, de porta em porta, Amparando-te os passos na subida… Eras apenas larva indefinida Quando arranquei-te à treva fria e morta. Desde então, sou a luz que te transporta, De forma em forma, para a Grande Vida. Dou-te alegria e dor, miséria e glória, Para que guardes, puro, na memória, O amor de Deus que, em tudo, anda disperso… Louva o trabalho que te imponho aos dias. Sem meus braços, irmão, não passarias De um verme preso às furnas do Universo. |
ANTERO DE QUENTAL — Notável poeta português, desencarnado em Portugal, no século passado.