Astronautas do Além

Capítulo XVII

Cansados e tristes




Muitos dos amigos e irmãos que nos visitavam a instituição mostravam-se desanimados e abatidos. Problemas da vida e conflitos em família eram comentados por grande número de companheiros. E muitos outros se diziam cansados e tristes, sem a alegria de viver.

Depois da visita aos lares, que fazemos habitualmente aos sábados, as conversações cessaram e deram lugar à reunião. O Livro dos Espíritos nos deu para estudo a pergunta-questão 943. () O tema, que se referia às anotações da noite, foi explanado por uma de nossas irmãs presentes.

Ao término das tarefas a nossa Maria Dolores escreveu a mensagem-poema intitulada Retrato da Fé.


Ao homem que tombara em desalento,

Crendo-se velho, inútil e sozinho,

Deus permitiu pudesse escutar, certa feita,

Grande árvore seca, mas de pé,

Que lhe falou, num cântico de fé,

À beira do caminho:


— Amigo, ergue-te e segue… Deus nos vê.

Não perguntes por que

A velhice aparente nos recobre…

Muitos passam aqui, parando na viagem…

Lamentam-me a nudez, dizem-me triste e pobre.

Entretanto, ainda guardo

A seiva da esperança e da coragem

Que Deus criou em mim.


Um dia fui esplêndido jardim,

Os pássaros cantavam nos meus braços,

Depois voavam, devorando espaços,

Em seguida, tornavam da distância

A me pedirem ninhos!

Com que amor lhes guardava os filhotinhos!


Louvava o Excelso Pai por minha mocidade

E orava a oferecer-lhe a minha gratidão

Sob a forma de flores

Do júbilo profundo.

Quando se tem no mundo

A paz do coração!…


Deus aceitava as minhas preces,

Transformando-as em frutos

Para todos aqueles que passassem…

Quantos homens vieram e os colheram!

Muitos nobres e bons, outros fracos e brutos

Que me varavam, galho a galho,

Sem refletirem no trabalho

Que Deus tivera em me formar…

Mas nada perguntei a eles quanto a isso,

Todos somos de Deus para a luz do serviço

Tendo por privilégio o dom de trabalhar.


Minha copa era grande… Era um vestido

Todo ele a vibrar, entretecido

De folhas semelhantes a esmeraldas…

Por isso mesmo, ante o verão candente,

Alegrava-me ouvindo a voz de tanta gente

Que me buscava o teto, assim como se busca

A brandura da fonte

Quando o sol nos ofusca,

Lembrando águia de fogo

Fugindo sem cessar ao pouso do horizonte!


Depois, o tempo veio…

Tudo parece haver levado!

Meu corpo agora é nodulado e feio,

Mas creio em Deus e firmo-me de pé,

Porque Deus certamente me deseja

Para qualquer tarefa benfazeja…

Talvez que este meu corpo feio e nodulado

Possa servir de apoio certo e amigo

Para algum pássaro cansado

Que esteja ao desabrigo…


Não sei qual o destino a que o Céu me conduz,

Se algum machado bronco

Surgirá, de repente, a decepar-me o tronco,

Para que eu volte ao Alto, em espiras de lume

Na forma de calor ou de perfume

Em alguma fogueira que me aguarde.

E nem sei se serei aproveitada

Em singela choupana

Que me acolha, mais tarde,

Para ajudar a nobre vida humana!


Nada sei do porvir,

Sei que pertenço a Deus e que devo servir…

O Homem que se cansara sem razão

Levantou-se do chão,

Fitou o mundo em torno!

Do verme ao firmamento e do lodo ao cascalho

Tudo era vida e luz, regozijo e trabalho…


No pranto de emoção

Que a alegria lhe dava ao coração,

Exclamou para os Céus:

— Sê louvado, Senhor!…

Num lenho que julguei largado e semimorto,

Deste-me nova fé, visão, auxílio, reconforto!

Perdoa-me, Senhor, a rebeldia,

Esquece todo o mal que fiz nos erros meus!

E pelo doce amor

Que esta árvore, a sós, entesoura e irradia,

Obrigado, meu Deus!


Maria Dolores


Maria Dolores nos dá, nesse poema, não só o retrato da fé, mas também o retrato do tédio. Na pergunta 943 de O Livro dos Espíritos () temos a resposta de que o tédio provém da ociosidade, da falta de fé e da saciedade. O homem saciado e ocioso não encontra beleza nem estímulos na vida. A falta de fé o leva ao desespero e à angústia que caracterizam o nosso tempo e sua árida filosofia. “O homem é uma paixão inútil”, afirma Sartre, o filósofo e o profeta do nada. O homem “velho, inútil e sozinho” que encontrou a árvore seca é o retrato do tédio e da náusea, da famosa náusea sartreana.

Mas a árvore seca estava em pé. Continuava de galhos abertos no espaço, no mesmo gesto acolhedor do passado verdejante. E se não tinha mais frutos, podia ainda oferecer ao viandante o seu exemplo de firmeza e de fé. Todas as coisas falam. E se tivermos “ouvidos de ouvir”, como ensina o Evangelho, (Mt 11:15) as pedras podem clamar ao nosso redor e as árvores secas podem transmitir-nos as suas mensagens. A velhice, a inutilidade, a solidão só existem para aqueles que se entregam ao desânimo, que subestimam as próprias forças.

Como ensinava Léon Denis, cada fase da vida tem a sua finalidade no conjunto da existência. Se as forças físicas enfraquecem na velhice, as forças espirituais podem aumentar. Se o homem não tem mais ilusões, tem experiência e sabedoria. O jovem afoito, embriagado pela juventude, está sujeito a muitos erros e decepções. O velho experimentado e compreensivo será uma velha árvore que pode acolhe-lo e despertá-lo para a compreensão real da vida, apontando-lhe o caminho seguro da fé à luz da razão. O tédio é a ferrugem da alma. Só corrói as almas que se abandonam a si mesmas, que se atiram por covardia nos montes de ferro-velho.