Diante do fato imprevisto e passada a comoção do espanto, todos os monges, inclusive Epifânio, se prosternavam humildes, banhados no pranto da compunção e do arrependimento.
Debalde procuraram investigar a origem e antecedentes da jovem mártir, para só conservarem da sua pessoa e dos seus feitos imorredoura lembrança, afim de poderem, mais tarde, justificar a sua exemplificação santificante.
Cheio de amargura, o velho superior da comunidade reclamou a presença de Menênio Túlio e da filha, para que se esclarecesse a pérfida calúnia, mas, ante o cadáver da virgem cristã e, recordando a sua humildade, Brunehilda perdeu a razão, para sempre.
Nunca mais, a figura de Célia foi olvidada pelos religiosos, pelos crentes, pelos desventurados e pelos aflitos. Convertida em símbolo de amor e piedade, sua memória centralizou, nos arredores de Alexandria, os votos e rogativas das almas fervorosas e sinceras.
Mas, acompanhando nossas principais personagens à vida do além-túmulo, antes de iniciarem novas lutas remissoras, vamos encontrá-las em grupos dispersos, conforme o seu estado consciencial, às vésperas de regressarem, convocadas ao esforço coletivo nos sagrados institutos da família.
À exceção de Célia, chamada a um mundo superior e onde lhe foi concedida a tarefa de velar pela evolução dos seus entes bem-amados, os demais permaneciam nas Esferas mais próximas da Terra, regiões de trabalho e de luta, buscando cada qual armazenar energias novas para subsequentes esforços no Plano material.
De todo o grupo, as personalidades de Cláudia Sabina, Lólio Úrbico, Fábio Cornélio e Silano Pláutius eram as que se conservavam nas regiões mais rasas e mais sombrias, atento o doloroso estado de consciência que as caracterizava.
Em esferas mais elevadas, Helvídio Lúcius junto de quantos lhe foram familiares, inclusive Ciro, repousavam do trabalho, esforçando-se, em conjunto, por fixar as bases espirituais, asseguradoras de êxito futuro.
Algumas personagens, como Nestório e Policarpo, faziam grandes excursões pelos arredores sombrios do planeta, cooperando com os mensageiros de Jesus, que pregavam a Boa-Nova aos Espíritos desalentados e sofredores, levando a efeito o mais sadio aprendizado evangélico para as lutas do futuro nos ambientes terrenos, onde prosseguiriam, mais tarde, no abençoado labor de redenção do passado culposo.
A vida cariciosa do Plano espiritual constituía, para todos, um conforto suave.
Continuamente, os grandes portadores das determinações divinas ensinavam aí as verdades do Mestre, enchendo os corações de paz e de esperança.
As almas afins, reunidas em grupos familiares, sabem apreciar, fora das vibrações pesadas do mundo físico, os bens supremos da verdade e da paz, sob os laços sublimes do amor e da sabedoria.
Examinadas as disposições felizes dessas Esferas, cuja intimidade encantadora não poderemos descrever aos leitores humanos, vamos encontrar o agrupamento de Cneio Lúcius na região de repouso em que todas as nossas personagens se encontravam, embaladas na carícia suave de numerosos afetos dos séculos longínquos.
Tudo era uma carinhosa esperança nos corações e um generoso propósito nas almas.
Os nobres projetos, com vistas ao porvir, sucediam-se uns aos outros.
No grupo em que a tranquilidade se estampava no espírito de todos os componentes, esperava-se Júlia Spínter que, em companhia de Nestório, descera aos ambientes inferiores do orbe terrestre, tentando acordar com o seu amor os sentimentos entorpecidos do companheiro, que se mantinha nas mesmas atitudes de ódio e vingança.
— É inútil — dizia Cneio Lúcius, bondosamente, dirigindo-se aos filhos e aos amigos — é inútil mantermos propósitos de vindita depois das lutas terrestres, pois a reencarnação, nesse caso, soluciona todos os problemas! Na minha última ida a Roma, tive ocasião de ver o Imperador Élio Adriano no corpo miserável do filhinho de uma escrava. Desde essa hora, tenho ponderado bastante os nossos deveres e a necessidade de recebermos com o maior amor a vontade divina.
— Sim — exclamava Lésio Munácio, então presente — nas minhas excursões evangélicas pelas zonas inferiores, tenho encontrado antigos nobres de nossa época, que suplicam a Deus uma nova oportunidade na Terra, sem escolherem as condições do futuro aprendizado.
— O conhecimento no Espaço — aventava Helvídio Lúcius — parece que nos enche o coração de profunda dedicação pelo sofrimento. Em face da grandeza divina e reconhecendo, aqui, a nossa insignificância, sentimo-nos capazes de todas as tarefas de redenção, porquanto, agora, aos nosso olhos, os maiores feitos da Terra são ações humildes e pequeninas.
— Grande é a misericórdia de Jesus — dizia Cneio — que nos concedeu os patrimônios da vida eterna.
Enquanto a conversação ia animada com o concurso de Alba Lucínia e da sua antiga serva, regressaram Nestório e Júlia Spínter da sua excursão de amor e de fraternidade.
A velha matrona trazia o semblante desolado, fornecendo aos companheiros o testemunho de sua amargura e de suas lágrimas.
— Então, minha mãe — exclamou Lucínia abraçando-a, ao mesmo tempo que usava a linguagem amiga e carinhosa da Terra — conseguiste alguma coisa?
— Por enquanto, filhinha — retrucava Júlia Spínter enxugando as lágrimas — todos os meus esforços resultam inúteis. Infelizmente, Fábio não trabalha, intimamente, por adquirir a suprema compreensão das grandes leis da vida. Encarcerado nos seus pensamentos tristes não cede, absolutamente, às minhas súplicas!…
— Entretanto — elucidava Nestório aos companheiros, que lhe ouviam a palavra com interesse — Policarpo já se prepara, junto de quantos o acompanham na luta, para a próxima reencarnação coletiva. A nossa não poderá tardar muito. O único obstáculo que parece retardar nossa marcha é a ausência de uma compreensão perfeita daquele inolvidável ensinamento de Jesus, quanto ao perdão de setenta vezes sete vezes. (Mt
— Bastaria perdoarmos para que o Senhor nos permitisse voltar ao trabalho santificante? — Perguntou Cneio Lúcius, intencionalmente.
— Sim — esclarecia Nestório na sua fé — o perdão sincero é uma grande conquista da alma.
Nesse comenos, Cneio Lúcius preparava os filhos que se entreolhavam com alguma tristeza, pela dificuldade que tinham em esquecer os atos de Lólio Úrbico e de Cláudia Sabina.
— De minha parte — dizia Júlia Spínter resignada — não tenho coisa alguma a perdoar aos outros. Desde a minha desencarnação roguei insistentemente a Jesus que me fizesse esquecer todas as expressões de orgulho e amor-próprio.
— Muito bem, minha irmã — advertia Cneio com um sorriso sereno — um coração feminino é inacessível aos sentimentos de ódio e represália.
E como percebera que os presentes relembravam, no íntimo, os atos de Cláudia, em face de sua alusão generalizada, acrescentou com bondade:
— A mulher que odeia é uma dolorosa exceção no caminho da vida, pois Deus confiou às almas femininas o seu ministério mais santo, no seio da criação infinita!
Todos compreenderam os seus generosos pensamentos e louvavam as suas ideias fraternais, quando Hatéria murmurou:
— Tenho suplicado ao Senhor dos Mundos que me faça digna de viver junto de Cneio Lúcius nos meus próximo trabalhos.
— Ora, filha — retrucou o ancião com um sorriso — bem sei que nada valho, mas terei imenso júbilo se te puder ser útil alguma vez… Apenas te recomendo que, de futuro, deves temer o dinheiro como o pior inimigo da nossa tranquilidade.
Todos sorriram a essa alusão e a palestra continuou animada.
Algum tempo se passou, ainda, enquanto o coração das nossas personagens se retemperavam nas ideias do amor e do bem, da fraternidade e da luz, esperando as novas lutas.
Um dia, porém, um mensageiro das alturas veio convocar o grupo de Cneio Lúcius a comparecer perante os numes tutelares que lhe presidiam os destinos, de modo a efetuar-se a livre escolha das provações futuras.
Examinados os projetos de esforço, com a livre cooperação de todos os que se achavam em condições evolutivas, imprescindíveis ao ato de resolução e de escolha, na esfera da responsabilidade individual, o grupo de Cneio Lúcius continuava aguardando as determinações superiores para regressar à Terra.
De vez em quando, observavam-se, entre as nossas personagens, pequeninas impressões como estas:
— Uma das situações que mais receio — exclamava Helvídio Lúcius — é a vida em comum com Lólio Úrbico, pois temo que ele reincida nas tendências inferiores da sua personalidade.
— Convence-lo-emos pela dedicação e pelo amor — esclarecia Alba Lucínia. — Tenho suplicado a Jesus que nos conceda forças para tanto e estarei constantemente ao teu lado, a fim de podermos transfundir os seus sentimentos em fraternidade e afeição espiritual.
— Sim, meus filhos — ponderava o experiente e generoso Cneio Lúcius — precisamos amar muito! Somente com a renúncia sincera poderemos alcançar o reino de luz, prometido pelo Salvador. Entre todos os que ficarão sob a nossa responsabilidade, no porvir, uma alma existe, credora da nossa compaixão mais profunda!…
E como Helvídio e a companheira silenciassem, adivinhando-lhe os pensamentos, o ancião continuou:
— Refiro-me à Cláudia Sabina, que ainda tem o coração como um deserto árido. As últimas visitas que lhe fiz, na região das sombras, deixaram-me envolto num véu de amargura!… Remorsos terríveis transformaram-lhe o mundo psíquico num caos de angustiosas perturbações! Debalde lhe tenho falado de Deus e de sua inesgotável misericórdia, porquanto, na caligem de seus pensamentos, não consegue perceber as nossas advertências consoladoras.
Alba Lucínia e o companheiro ouviram-no comovidas e, todavia, abstiveram-se de comentar o doloroso assunto.
Hatéria, entretanto, que lhe bebia avidamente as palavras, objetou, deixando entrever os amargos receios que lhe povoavam a mente:
— Meu generoso protetor, já fui notificada de que o meu roteiro de lutas se verificará em linhas paralelas ao de Cláudia Sabina, em vista de meus erros imperdoáveis; contudo, suplico o vosso amparo, apesar das novas energias que me felicitam a alma. Cláudia é autoritária e insinuante e, se hoje se encontra acabrunhada e ensandecida, em virtude dos sofrimentos no Plano invisível, não duvido que, novamente na Terra, procure retomar a sua feição de orgulho e mandonismo.
— Filha — ponderava o ancião com um leve sorriso — Jesus velará por nós, concedendo-nos a força precisa para o desempenho dos nossos deveres mais sagrados.
Júlia Spínter acompanhava as impressões de todos com amoroso interesse e exclamava, por vezes:
— Eu tudo daria por cultivar em nosso meio, no porvir que se aproxima, a paz perpétua e a harmonia duradoura. Repararei minhas faltas do passado, buscando compreender a essência do Cristianismo, para cuja luz eterna hei de conduzir o coração de Fábio, com o amparo do Cordeiro de Deus, que há de ouvir minhas sinceras rogativas…
A vida do grupo do venerando Cneio Lúcius decorria, assim, em expectativas promissoras para o futuro. Cada qual, erguendo muito alto o coração, buscava aprender, cada vez mais e melhor, os ensinamentos de Jesus, de modo a recordar a sua claridade sublime entre as sombras espessas da Terra.
Os grupos afins de Policarpo e de Lésio Munácio já haviam regressado aos labores do mundo, quando as nossas personagens foram chamadas à determinação superior, afim de baixarem aos tormentos e lutas purificadoras do ambiente terrestre.
Tomados de veneração e de esperança, acomodaram-se perante os executores da justiça divina, enquanto ao seu lado estacionava quase uma centena de companheiros, incluindo escravos, serviçais e amigos de outrora.
No recinto espiritual, de beleza maravilhosa, intraduzível na pobre linguagem humana, havia a cariciosa vibração de uma prece coletiva, que se escapava de todos os peitos, plenos de receio e de esperança.
— Irmãos — começou de dizer um mentor divino, a cuja responsabilidade estava afeta a direção daquele amistoso conclave — breve estareis de novo na Terra, onde sereis convocados a praticar os divinos ensinamentos adquiridos no Plano espiritual!… Agradeçamos à misericórdia do Senhor, que nos concede as preciosas oportunidades do trabalho a favor de nossa própria redenção, em marcha incessante para o amor e para a sabedoria. Vós que partis, amai a luta redentora, como se deve amar uma alvorada divina! Aqui, sob a luz da bondade infinita do Cordeiro de Deus, a alma egressa do mundo pode descansar de suas profundas mágoas. Os corações ulcerados se retemperam junto à fonte inesgotável do consolo evangélico; mas, acima de nossas frontes, há um reino de amor perene e de paz inolvidável, que necessitamos conquistar com os mais altos valores da consciência! Adquiristes aqui os mais elevados conhecimentos, em matéria de sabedoria e amor; experimentastes o bafejo de sublimes consolações, como somente poderá senti-las o Espírito liberto das sombras e angústias materiais; observastes a beleza e a ventura que aguardam, no Infinito, as almas redimidas; todavia, é necessário regressardes à carne, afim de poderdes experimentar o valor do vosso aprendizado! É na Terra, escola dolorosa e bendita da alma, que se desdobra o campo imenso de nossas realizações. Os erros de outrora devem ser reparados lá mesmo, entre as suas sombras angustiosas e espessas!… Enquanto se reparam, na sua superfície, os desvios das épocas remotas, faz-se mister aplicar nas suas estradas sombrias os ensinamentos recebidos do Alto, em virtude do acréscimo de misericórdia de Jesus, que não nos desampara. Na Terra está o aprendizado melhor e a aqui vigora o exame elevado e justo. Lá é a sementeira, aqui a colheita. Voltai novamente aos carreiros terrestres e reparai o passado doloroso!… Abraçai os vossos inimigos de ontem, para vos aproximardes dos vossos benfeitores no porvir! Fechai as portas da exaltação no mundo e sede surdos às ambições! Edificai o reino de Jesus no imo, porque, um dia, a morte vos arrebatará de novo às angústias e mentiras humanas, para as análises proveitosas. A exemplificação de Jesus é o modelo de todos os corações. Não vos queixeis da orientação precisa, porque, em toda parte do mundo, como em todas as ideias religiosas e doutrinas filosóficas, há uma atalaia de Deus esclarecendo a consciência das criaturas! O mundo tem as suas lágrimas penosas e as suas lutas incruentas. Nas suas sendas de espinhos torturantes se congregam todos os fantasmas dos sofrimentos e das tentações, e sereis compelidos a positivar os vossos valores intrínsecos. Amai, porém, a luta como se os seus benefícios fossem os de um pão espiritual, imprescindível e precioso!… Depois de todas as conquistas que o Plano terrestre vos possa proporcionar, sereis, então, promovidos aos mundos de regeneração e de paz, onde preparareis o coração e a inteligência para os reinos da luz e da bem-aventurança supremas!…
A palavra sábia e inspirada do esclarecido mentor do Alto era ouvida com singular atenção.
Em dado instante, porém, sua voz esclareceu, depois de uma pausa:
— Agora, irmãos bem-amados, encontrareis aqui os adversários de ontem, para a conciliação e para os trabalhos futuros. Escolhestes e delineastes o mapa de vossas provas, porquanto já possuís a noção de responsabilidade e a precisa educação psíquica, para colaborar nesse esforço dos vossos guias!… Nossos irmãos infelizes, entretanto, ainda não possuem essas condições evolutivas e serão compelidos a aceitar as decisões daqueles gênios tutelares, que lhes acompanham a trajetória na trama dos destinos humanos… E esses gênios do bem deliberaram que eles vivam convosco, que aprendam nos vossos atos, que vibrem nas vossas experiências do futuro! Os executores dessas elevadas resoluções os trouxeram a todos, afim de se processar a decisão final com o vosso concurso, nesta assembleia de divinos ensinamentos. Tendes, pois, o direito de escolher, entre eles, os companheiros do porvir, sem vos esquecerdes de que, nestes momentos, pode o nosso coração dar as melhores provas de compreensão daquele “amai-vos uns aos outros”, (Jo
Nossas personagens entreolharam-se ansiosas.
A esse tempo, contudo, algumas entidades penetravam no recinto. Atrás dos vultos nobres de alguns Espíritos caridosos e amigos, vinham Cláudia Sabina, Fábio Cornélio, Silano Pláutius, Lólio Úrbico e, um pouco distantes, numerosos servos de outrora, comparsas dos mesmos erros e das mesmas ilusões dos nossos amigos, como, por exemplo, Pausânias, Plotina, Quinto Bíbulo, Pompônio Grátus, Lídio, Marcos e outros, enquanto o recinto se povoava de suas vibrações estranhas, saturadas de amargura indefinível.
A maior parte demonstrava surpresa amarga e dolorosa.
Quase todos se conservavam cabisbaixos e tristes, fazendo ouvir, de quando em quando, soluços dolorosos.
Observando a penosa impressão dos filhos e sentindo que ambos se encontravam sob as tenazes de indecisão angustiosa, Cneio Lúcius suplicava ao Senhor que o inspirasse quanto à melhor maneira de sacrificar-se pelos filhos bem-amados, conciliando o seu afeto com as próprias necessidades deles, em face do futuro.
Então, viu-se que o generoso velhinho levantava-se com desassombro e serenidade e, caminhando para a desolada Cláudia Sabina, que não ousara erguer os olhos saturados de lágrimas, falar-lhe com infinita brandura:
— Já que a misericórdia de Jesus-Cristo me faculta a escolha dos que viverão comigo, considerar-te-ei, minha irmã, desde já como filha, a quem devo consagrar uma afeição duradoura e divina!…
E, abraçando-a generosamente, concluía:
— De futuro permanecerás no meu lar, afim de transfundirmos o ódio e a vingança em fraternidade sublime e sacrossanta… Comerás do nosso pão, participarás das minhas alegrias e das minhas dores, serás irmã de meus filhos!…
Cláudia Sabina soluçava, sensibilizada pelo amor daquela alma devotada e generosa.
Hatéria, levantando-se, caminhou até Cneio Lúcius e lhe beijou as mãos, que, naquele instante, estavam luminosas e translúcidas.
A esse tempo, Júlia Spínter amparava o coração desolado do companheiro, abraçando Silano Pláutius e prometendo-lhe o seu auxílio devotado e amigo, no curso das lutas planetárias.
Foi aí que Helvídio Lúcius e Alba Lucínia se levantaram e dirigindo-se a Lólio Úrbico, que se ajoelhara como oprimido por um tormento implacável, estenderam-lhe os braços fraternos, prometendo-lhe amor e dedicação.
Continuando a mesma obra de solidariedade e devotamento, todos chamaram a si esse ou aquele antigo servo, bem como os comparsas de seus feitos passados, afim de associá-los aos seus esforços no futuro.
Terminada essa tarefa bendita, o mentor da reunião perguntou serenamente:
— Todos estais certos de haver suficientemente perdoado?
Amargurado silêncio… No íntimo, as nossas personagens experimentavam, ainda, certas dificuldades para esquecer o passado. Helvídio Lúcius não olvidara as perseguições de Lólio Úrbico; Alba Lucínia não esquecera as ações de Sabina, e Fábio Cornélio, por sua vez, apesar dos sofrimentos, não se sentia capaz de perdoar o crime de Silano.
A indecisão era geral, mas uma luz branda e misericordiosa começou a verter do alto, atingindo em cheio todos os corações. Sem exceção de um só, todos os membros do grupo de Cneio Lúcius começaram a chorar, possuídos de emoção indefinível.
A um só tempo, divisaram no Alto a figura sublime de Célia, que lhes acenava cheia de ternura e de carinho.
Movidos, então, por um doce mistério, deram guarida a um perdão sincero e puro, sentindo-se reciprocamente tocados de profunda piedade.
Como se as substâncias do ambiente fossem sensíveis ao estado íntimo dos presentes, uma claridade doce e branda começou a fazer-se em torno, enquanto a maioria das nossas personagens chorava enternecida.
Entremostrando um sorriso suave, o mentor exclamou:
— Graças à misericórdia do Altíssimo, sinto que todos regressais aos Planos terrestres com uma vibração nova, que vos edifica o coração e a consciência nas mais formosas expressões de espiritualidade! Que as bênçãos do Senhor encham de luz e de paz os vossos caminhos no porvir!… Sede felizes! Todos os segredos da ventura estão no amor e no trabalho da consciência redimida!… Esquecei o passado umbroso e dolorido e atirai-vos à luta remissora, com heroísmo e humildade… Sinto que estais irmanados pela mesma vibração de piedade e faço votos a Deus para que compreendais, em todas as circunstâncias, que somos irmãos pelas mesmas fraquezas e pelas mesmas quedas, a caminho da redenção suprema, nas luzes do Infinito!…
Em face da palavra carinhosa e sábia do mensageiro divino que os dirigia, os nossos amigos sentiam-se confortados por uma nova luz, que lhes esclarecia o imo com a mais bela compreensão da existência real.
A visão de Célia havia desaparecido, mas, como se a sua grande alma estivesse assistindo à cena comovedora através das luminosas cortinas do Ilimitado, ouviu-se em vibrações cariciosas, provindas do Alto, um hino maravilhoso, cantado por centenas de vozes infantis, derramando em todos os corações a coragem e o amor, a consolação e a esperança… As estrofes harmoniosas atravessavam o recinto e elevavam-se para as Alturas em notas melodiosas, subindo para o sólio de Jesus, qual incenso divino! Era um brado de fé e de incitamento, que fazia nascer nas almas dos presentes as mais piedosas lágrimas.
Em seguida, sob as preces dos carinhosos amigos e benfeitores espirituais, que ficavam no Plano invisível, todos os membros do grupo de Cneio Lúcius abandonavam o recinto, reunidos numa caravana fraterna, em direção às Esferas mais inferiores que envolvem o planeta terrestre.
Nessa hora, havia entre todos o bom desejo de consolidar uma paz íntima, antes de recomeçar a luta.
Foi então que Cláudia Sabina, num gesto espontâneo, aproximou-se de Alba Lucínia e exclamou com angustiada expressão:
— Não me atrevo a chamar-vos irmã, pois fui outrora o impiedoso verdugo de vosso coração sensível e bondoso!… Mas, por quem sois, pelos sentimentos generosos que vos exornam a alma, perdoai-me mais uma vez. Fui o algoz e vós a vítima; todavia, bem vedes aqui a minha ruína dolorosa. Dai-me o vosso perdão para que eu sinta a claridade do meu novo dia!…
Cneio Lúcius contemplou a nora, com evidente ansiedade, como a implorar-lhe clemência.
Alba Lucínia compreendeu a gravidade daquele instante e, vencendo as hesitações que lhe turbavam o espírito, murmurou comovida:
— Estais perdoada… Deus me auxiliará a esquecer o passado, para que a genuína fraternidade se faça entre nós, nas lutas do futuro!…
Júlia Spínter fitou a filha, deixando transparecer o júbilo que lhe ia no coração, em vista do seu gesto generoso, ao mesmo tempo que Cneio Lúcius envolvia a companheira de Helvídio num olhar caricioso de satisfação e de profundo reconhecimento.
Enquanto a maioria das personagens trocava ideias sobre o porvir, surgia, ao longe, a atmosfera do planeta terrestre, envolta num turbilhão de sombras espessas.
Alguém falou com voz melancólica e imponente, do seio da caravana:
— Eis a nossa escola milenária!…
Decididos na sua fé, olhos para o alto, implorando a misericórdia divina, guiados todos eles pelas forças esclarecidas do bem, que os envolviam, penetraram a atmosfera planetária, habilitados a uma compreensão cada vez mais elevada e mais nobre, dos valores eficientes do trabalho e da luta.
Apenas Nestório conservava-se em oração junto dos fluidos terrenos, notando-se-lhe os olhos mareados de lágrimas, na comoção daquela hora cheia de apreensões e de esperanças.
— Senhor — exclamava o antigo escravo, evocando amargurosas lembranças — novamente na Terra, escola abençoada de nossas almas, contamos com a vossa misericordiosa complacência, afim de cumprirmos todos os nossos deveres, a caminho do arrependimento e da reparação. Auxiliai-nos na luta! Somente os séculos de trabalho e dor poderão anular os séculos de egoísmo, orgulho e ambição, que nos conduziram à iniquidade!… Perdoai-nos, Jesus! dignai-vos abençoar nossas aspirações sinceras e humildes!… Ensinai-nos a amar o planeta com as suas paisagens procelosas, afim de podermos encontrar, nas sendas terrestres, a luz da nossa regeneração espiritual, a caminho do vosso reino de paz indestrutível!…
Entre as lágrimas de suas rogativas, Nestório foi o último a imergir na vastidão dos fluidos planetários.
Do Alto, porém, emanava uma claridade branda e compassiva. Toda a caravana sentiu o bafejo divino de uma esperança nova, atirando-se ao ambiente da Terra, tomada de uma coragem redentora. Reconfortados na meditação e na prece, os corações adivinhavam que a luz da Providência Divina seguiria as suas experiências na dor e no trabalho, como uma bênção.