Não só minha mãe se preparava para regressar aos Círculos terrenos. Também a senhora Laura encontrava-se em vésperas do grande cometimento. Avisado por alguns companheiros, aderi à demonstração de simpatia e apreço que diversos funcionários, particularmente do Auxílio e da Regeneração, iam prestar à nobre matrona, por motivo de sua volta às experiências humanas. Realizou-se a homenagem afetuosa na noite em que o Departamento de Contas lhe entregou a notificação do tempo global de serviço na colônia.
Não é possível traduzir, em letras comuns, a significação espiritual da festa íntima.
Povoava-se a encantadora residência de melodias e luzes. As flores pareciam mais belas.
Numerosas famílias foram saudar a companheira, prestes a regressar. Os visitantes, na maioria, cumprimentavam-na, carinhosos, ausentando-se, sem maiores delongas; no entanto, os amigos mais íntimos lá permaneceram até alta noite. Tive, assim, ocasião de ouvir observações curiosas e sábias.
A senhora Laura me pareceu mais circunspecta, mais grave. Notava-se-lhe o esforço para acompanhar a corrente de otimismo geral. Repleta a sala de estar, a genitora de Lísias explicava ao representante do Departamento:
— Creio não me demorar mais que dois dias. Terminaram as aplicações do Serviço de Preparação, do Esclarecimento…
E, com um olhar algo triste, concluía:
— Como vê, estou pronta.
O interlocutor tomou expressão de sincera fraternidade e acrescentou, estimulando-a:
— Espero, entretanto, que se encontre animada para a luta. É uma glória seguir para o mundo, nas suas condições. Milhares e milhares de horas de serviço a seu favor, perante a comunidade de mais de um milhão de companheiros. Além disso, os filhinhos constituirão seu belo estímulo à retaguarda.
— Tudo isso me reconforta! — Exclamou a dona da casa, sem disfarçar a preocupação íntima, — mas devemos compreender que a reencarnação é sempre uma tentativa de magna importância. Reconheço que meu esposo me precedeu no enorme esforço, e que os filhos amados serão meus amigos de todo instante; contudo…
— Ora essa! Não se deixe levar por conjeturas, — atalhou o Ministro Genésio, — precisamos confiar na Proteção Divina e em nós mesmos. O manancial da Providência é inesgotável. É preciso quebrar os óculos escuros que nos apresentam a paisagem física como exílio amarguroso. Não pense em possibilidades de fracasso; mentalize, sim, as probabilidades de êxito. Além do mais, é justo confiar alguma coisa em nós outros, seus amigos, que não estaremos tão longe, no tocante à “distância vibratória”. Pense na alegria de auxiliar antigas afeições, pondere na glória imensa de ser útil.
Sorriu a senhora Laura, parecendo mais encorajada, e asseverou:
— Tenho solicitado o socorro espiritual de todos os companheiros, a fim de manter-me vigilante nas lições aqui recebidas. Bem sei que a Terra está cheia da grandeza divina. Basta recordar que o nosso Sol é o mesmo que alimenta os homens; no entanto, meu caro Ministro, tenho receio daquele olvido temporário em que nos precipitamos. Sinto-me qual enferma que se curou de numerosas feridas… Em verdade, as úlceras não mais me apoquentam, mas conservo as cicatrizes. Bastaria um leve arranhão, para voltar a enfermidade.
O Ministro esboçou o gesto de quem compreendia o sentido da alegação e revidou:
— Não ignoro o que representam as sombras do campo inferior, mas é indispensável coragem, e caminhar para diante. Ajudá-la-emos a trabalhar muito mais no bem dos outros, que na satisfação de si mesma. O grande perigo, ainda e sempre, é a demora nas tentações complexas do egoísmo.
— Aqui, — tornou a interlocutora sensatamente, — contamos com as vibrações espirituais da maioria dos habitantes educados, quase todos, nas luzes do Evangelho Redentor; e ainda que velhas fraquezas subam à tona de nossos pensamentos, encontramos defesa natural no próprio ambiente. Na Terra, porém, nossa boa intenção é como se fora bruxuleante luz num mar imenso de forças agressivas.
— Não diga isso! — Atalhou o generoso Ministro, — não dê tamanha importância às influências das zonas inferiores. Seria armar o inimigo para que nos torturasse. O campo das ideias é igualmente campo de luta. Toda luz que acendermos, de fato, na Terra, lá ficará para sempre, porque a ventania das paixões humanas jamais apagará uma só das luzes de Deus.
A senhora pareceu agora ver tudo mais claro, em face dos conceitos ouvidos; mudou radicalmente a atitude mental e falou, cobrando novo alento:
— Estou convencida, agora, de que sua visita é providencial. Precisava levantar energias. Faltava-me essa exortação. É verdade: nossa zona mental é campo de batalha incessante. É preciso aniquilar o mal e a treva dentro de nós mesmos, surpreendê-los no reduto a que se recolhem, sem lhes dar a importância; que exigem. Sim, agora compreendo.
Genésio sorriu satisfeito e acrescentou:
— Dentro do nosso mundo individual, cada ideia é como se fora uma entidade à parte… É necessário pensar nisso. Nutrindo os elementos do bem, progredirão eles para nossa felicidade, constituirão nossos exércitos de defesa; todavia, alimentar quaisquer elementos do mal é construir base segura para os nossos inimigos verdugos.
A essa altura, o funcionário das Contas observou:
— E não podemos esquecer que Laura volta à Terra com extraordinários créditos espirituais. Ainda hoje, o Gabinete da Governadoria forneceu uma nota ao Ministério do Auxílio, recomendando aos cooperadores técnicos da Reencarnação o máximo cuidado no trato com os ascendentes biológicos que vão entrar em função para constituir o novo organismo de nossa irmã.
— Ah! É verdade, — disse ela, — pedi essa providência para que não me encontre demasiadamente sujeita à lei da hereditariedade. Tenho tido grande preocupação, relativamente ao sangue.
— Repare, — disse o interlocutor, solícito, — que o seu mérito em “Nosso Lar” é bem grande, porquanto o próprio Governador determinou medidas diretas.
— Não se preocupe, portanto, minha amiga, — exclamou o Ministro Genésio, sorridente, — terá ao seu lado inúmeros irmãos e companheiros a colaborarem no seu bem-estar.
— Graças a Deus! — Disse a senhora Laura, confortada, — faltava-me ouvi-lo, faltava-me ouvi-lo…
Lísias e as irmãs, às quais se unia agora a simpática e generosa Teresa, manifestaram alegria sincera.
— Minha mãe precisava esquecer as preocupações, — comentou o abnegado enfermeiro do Auxílio; — afinal de contas, não ficaremos aqui a dormir.
— Têm razão, — aduziu a dona da casa; — cultivarei a esperança, confiarei no Senhor e em todos vocês. Em seguida, os comentários voltaram ao plano da confiança e do otimismo. Ninguém comentou a volta à Terra, senão como bendita oportunidade de recapitular e aprender, para o bem.
Ao despedir-me, alta noite, a senhora Laura disse-me em tom maternal:
— Amanhã à noite, André, espero igualmente por você. Faremos pequena reunião íntima. O Ministério da Comunicação prometeu-nos a visita de meu esposo. Embora se encontre nos laços físicos, Ricardo será trazido até aqui, com o auxílio fraternal de companheiros nossos. Além disso, amanhã estarei a despedir-me. Não falte.
Agradeci, comovidamente, esforçando-me por ocultar as lágrimas das saudades prematuras que me despontavam no coração.