Colocando as bases iniciais de segurança do Seu Reino na Terra, o Mestre enfrentava os primeiros desafios humanos com os hipócritas e puritanos. Acostumados à dissimulação e à perversidade sob disfarce, as primícias do Evangelho, em palavras e ações, provocavam compreensível surpresa nos manipuladores da consciência das massas.
Os maravilhosos fenômenos das curas de pacientes desenganados produziam impacto nos grupos sociais desarvorados e chamavam a atenção dos destacados membros da cultura decadente: fariseus, saduceus, zelotes. . .
Incapazes de produzir frutos opimos de paz e de dignificação — figueiras estéreis que eram! — Atinham-se às tricas verbais e às discussões inúteis sobre os textos da Lei e outros escritos, ditos sagrados, confundindo o povo e dificultando o discernimento da realidade.
Jesus provocava-lhes indisfarçável ciúme decorrente da inveja dos Seus poderes, levando-os a uma conduta sistemática inamistosa em relação a Ele e ao Seu ministério.
Ao lado desse comportamento doentio, os Seus sermões, versados no amor, eram como bálsamo derramado nas feridas dos sentimentos ultrajados, superando tudo quanto se ouvira até então, apoiando-se nas profecias, quando desejava reforçar o Seu ensino, colocando o selo da legitimidade israelita. . .
A grandeza do Seu porte e a Sua autoridade sem arrogância infundiam respeito e despertavam ressentimento nos pigmeus dominadores da ilusão.
Ele pairava acima de quaisquer conjunturas terrenas, e quem Lhe recebesse a palavra ou o toque, nunca mais seria o mesmo.
Espraiava-se o perfume da esperança pela gentil e modesta Galileia com a Sua presença incomum.
Região sofrida e assinalada pela indiferença do poder central, sediado em Jerusalém, seu povo era humilde e necessitado.
Certamente, pelas características das suas gentes, onze dos discípulos de Jesus eram galileus, apenas Judas provinha da tribo de Issacar, por isso denominado Iscariotes, aquele que não resistiu às circunstâncias e O traiu. . .
Desataviado e simples, as Suas eram atitudes vigorosas, embora caracterizadas pela Sua mansidão, sem as artimanhas das conveniências ambientais, sociais, procurando derruir as arcaicas edificações morais viciosas para implantar a nova e transformadora revolução do amor.
Desacostumados à verdade e ao sentimento fraternal, os indivíduos corriam na busca da Sua presença majestosa, nutrindo-se do Seu verbo libertador, repousando nas Suas promessas e anelando pela materialização das mesmas.
Por onde passava, ficavam as indeléveis marcas da Sua presença ímpar, inapagável. . .
Essa revolução do amor tomava corpo e as armas dos seus combatentes eram a ternura, a compaixão, a solidariedade, quase que totalmente desconhecidas naquela sociedade sofrida.
Jamais acontecera antes algo semelhante e nunca mais voltaria a acontecer.
A psicosfera do Planeta tornara-se amena, embora permanecessem a crueldade, o ódio, a guerra, a infâmia. . .
Aragens suaves perpassavam por onde quer que Ele se apresentasse e parecia que uma festa especial de sons e cores se instalara em a Natureza.
Os argutos perseguidores seguiam-nO empós.
— Por que come o vosso Mestre com os publicanos e os pecadores?
— Os sãos não necessitam de médico, mas sim os doentes.
Porém, ide aprender o que significa: quero misericórdia, e não holocaustos, pois não vim chamar os justos, mas os pecadores.
A resposta sábia e profunda silenciou-os, perturbou- -os, porquanto cuidavam apenas da aparência em atitude materialista e perversa, sem se preocuparem com o ser real que eram, com a própria dignidade humana.
Ele os havia elegido, embora sabendo da pecha que sobre eles pesava, na condição de impuros e pecadores, naquela sociedade perversa e discriminadora.
Ele não viera para os soberbos, aqueles que se encontravam dominados pelo tédio, saturados do fausto e cansados do cediço prazer, exploradores das viúvas, dos órfãos, dos necessitados, que reduziam à mendicância. . .
-Por que é que nós e os fariseus jejuamos, mas Teus discípulos não jejuam?
— Podem, porventura, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, porém, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias jejuarão. . . . Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque o remendo tira parte do vestido e fica maior a rotura. Nem se põe vinho novo em odres velhos; de outro modo, arrebentam os odres e derrama-se o vinho, e estragam-se os odres. Mas vinho novo é posto em odres novos e ambos se conservam.
A síntese da Sua Doutrina em expressões sábias era apresentada aos que tinham ouvidos e desejavam ouvir, aos que possuíam discernimento e deviam aplicá-lo.
A Sua misericórdia atraía o sofrimento das massas desesperadas, e Ele propunha essa conduta a todos os que O cercavam: aceitação da dolorosa situação do seu próximo, instalando-a no coração.
Na Sua Mensagem não havia a dicotomia: ele e eu. Existia a fusão significativa do nós todos, membros do mesmo organismo espiritual.
— Mas, se vós tivésseis conhecido o que significa: quero misericórdia, e não holocausto, não teríeis condenado inocentes. Pois o Filho do Homem é Senhor do sábado.
Rutilavam os diamantes da verdade apontando rumos.
Aqueles sacrificadores, acostumados aos holocaustos de animais, a fim de resgatarem os crimes que perpetravam, desconheciam o poder do amor na libertação do erro, sempre preocupados com oferendas, aparências, sem alteração real do ser interior, enquanto Ele pugnava pelo renascimento interno, o desenvolvimento dos tesouros adormecidos no imo do Espírito.
Vinte séculos quase transcorridos em lágrimas humanas desde aqueles inolvidáveis dias, prosseguem os holocaustos, vazios de sentimento e de elevação, distantes da misericórdia. . .
Quando o poder econômico dividiu as criaturas em classes, os excluídos, não tendo outra alternativa, passaram a aguardar Jesus que ressurge no Espiritismo, como o Consolador, para erguê-los a patamares superiores.
—Misericórdia quero!
Salvador-BA, em 31. 03. 2008.
AMÉLIA RODRIGUES