Dias Venturosos

CAPÍTULO 10

O final dos tempos



Jerusalém era uma cidade esplêndida, que ostentava o seu suntuoso Templo no monte Moriá. Tratava-se de uma edificação imponente, representando o orgulho da raça hebreia, que ali homenageava ao Deus Único, o mais poderoso de todos os deuses, revelado pela profecia ancestral.

 

A cidade, construída com severidade, rivalizava com as mais belas da sua época, ornamentada por tesouros de arte e de cultura.

 

Não obstante o seu poder e fascínio, o famoso Santuário era relativamente devassado pela Torre Antônia, que disputava o poder de Roma com o Altíssimo. Nela se aquartelavam a governança do país e sua soldadesca, à exceção de Pilatos, o reizete que se deixava manipular pelo Imperador de Roma, que residia em suntuoso palácio, noutra área nobre da cidade.

 

Num dos montes, fora dos muros da cidade, encontrava-se o Getsêmani ou Jardim das Oliveiras, que seria praticamente destruído por Tito, o conquistador, filho de vespasiano, quando venceu os judeus e mandou crucificar quase seiscentos mil.

 

Ninguém que se adentrasse no Templo, que não se curvasse à sua grandiosa majestade. Colunas trabalhadas em pórfiro da melhor qualidade, formando átrios e salas sucessivas, atingia o máximo esplendor na parte interior, onde se encontrava o Santuário propriamente dito, em magnífico salão, no qual se guardavam os objetos sagrados, entre outros, a arca da aliança, os papiros e pergaminhos da mais recuada tradição.

 

Sacerdotes, levitas, fariseus, comerciantes, vendedores de todo tipo, cobradores de impostos, agiotas, religiosos, vadios e aventureiros misturavam-se em alarido constante, discutindo câmbios, interesses chãos, negócios de alto preço, oferendas sagradas, em dialetos variados, que tornavam o ambiente, desde as suas portas externas até a sala de orações, um verdadeiro mercado das ambições humanas. Simultaneamente era considerado como a entrada do para- íso, por onde transitavam os zelosos fiéis que almejavam a convivência com Jehová.

 

Pesados reposteiros caíam das suas portas, vedando a passagem aos intrusos, enquanto monumentais decora- ções elaboradas sob as ordens de Salomão davam-lhe destaque incomum e impressionavam profundamente àqueles que o visitavam.

 

Rico de aparência, o monumento vivia vazio de fé e repleto do orgulho vão daqueles que o frequentavam. Dentro e fora ostentava poder e glória, fortuna e vaidade, mas também intrigas infinitas, rudes disputas, afrontas e misé- rias numerosas, porque onde se encontram as criaturas, aí vicejam as suas paixões, particularmente se não são vigiadas pela observância do equilíbrio moral.

 

Ali, portanto, como em toda parte onde prevalecem os interesses imediatistas em detrimento das aspirações superiores, predominavam as mazelas humanas que se disputavam primazia.

 

vez que outra, o Mestre visitava Jerusalém e tivera oportunidade de adentrar-se no Templo com o objetivo de observar o luxo e a extravagância em exibição desordenada.

 

Quando já se acercavam os tempos anunciados, encontrando-se com os Doze, na cidade dos Profetas, foi em visita ao Templo, conforme era exigido a todos os judeus.


Ante a construção soberba, um dos discípulos disse-lhe:
– Vede, Mestre, que pedras e que construções!Penetrando no futuro com a sua visão percuciente e profunda, Jesus respondeu, não sem um certo acento de amargura:

– Vedes estas grandiosas construções? Pois, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído.

 

Ante o rude vaticínio, o interlocutor foi tomado de angústia e, em silêncio, o grupo se dirigiu ao Monte das Oliveiras, de onde se podia contemplar toda a cidade, algumas das suas portas de acesso e a formosa construção de onde saíram.

 

Havia expectativas naturais e dolorosas naqueles corações simples e desataviados, desacostumados às grandes reflexões.


Na primeira ensancha, Pedro, Tiago e João, que lhe estavam ao lado, pediram:
– Dizei-nos quando tudo isso acontecerá e qual o sinal a anunciar que estas coisas estão próximas. Examinando o que deveria acontecer e já se encontrava delineado para o porvir, Jesus começou a proferir o seu sermão profético:

– Acautelai-vos, para que ninguém vos iluda. . . Surgirão muitos com o meu nome, dizendo: Sou eu!. . . E seduzirão a muitos. Quando ouvirdes falar de guerras e de rumores de guerras, não vos alarmeis: é preciso que isso aconteça, mas não será o fim. Erguer-se-ão povo contra povo e reino contra reino; haverá terremotos em vários lugares, haverá fome. Isso será apenas o princípio das dores.

 

Estai vigilantes!. . .

 

O silêncio se fez natural nos ouvintes estarrecidos. Não podiam imaginar que o soberbo edifício, construído para suportar todas as vicissitudes e combates, pudesse vir abaixo. . . Tampouco podiam conceber que se acercavam dias terríveis, quais aqueles que estavam sendo anunciados.

 

O mundo terrestre, por mais cativante, é elaborado nos efeitos do mundo primordial, aquele de onde tudo procede e para onde tudo retorna: o espiritual.

 

A existência física mais louçã e bela emurchece e passa, como tudo que transita no mundo das formas materiais, somente permanecendo as construções morais e as do Espírito eterno.

 

O efêmero é também ilusão de breve curso.

 

Anestesiado pelo corpo, o ser real se apega aos engodos e concebe o prazer como válvula de realização, entregando-se, inerme, à dependência dos gozos sensualistas da mesa farta, da cama confortável, dos relacionamentos de destaque, do sexo em desalinho, dos vícios extravagantes e destruidores do corpo e da alma. . .

 

Desequipado de compreensão momentânea para a sua realidade, não se dispõe a penetrá-la, de forma que possa enfrentar todas as ocorrências com altivez e denodo, perseguindo as metas legítimas que têm primazia, porque de sabor eterno. Por isso, facilmente se deixa consumir, mergulhando nos fossos da depressão, da revolta, do autoaniquilamento pelas dissipações ou pela indiferença em relação a tudo que é nobre e bom.

 

Compreendendo a aflição silenciosa que assaltava os amigos, o Senhor esclareceu: "É necessário que tudo quanto teve início no mundo das formas se modifique, porquanto a vida marcha para a perfeição, para a eternidade. Porque as criaturas são ambiciosas pela conquista exclusiva daquilo que apenas atende aos interesses mesquinhos, as suas construções são transitórias, em razão da volúpia dos seus edificadores, que se não contentam em perpetuá-las além dos seus dias de orgulho e glória mentirosa. . .

 

Como consequência, atiram-se umas contra as outras, em guerras odientas, nas quais exterminam-se reciprocamente e destroem as magníficas edificações do passado e do presente.

 

Esse desalinho procede desde o começo dos tempos, quando o homem, ainda primitivo, disputava a caça e o albergue. À medida que avançou no conhecimento, ao invés de adquirir mansuetude, se tornou mais perverso e dominador, esquecido da sua transitoriedade no corpo. Por essa razão, quando triunfador hoje, torna-se escravo amanhã, e quando sorri, indiferente aos sofrimentos dos outros, passa a chorar mais tarde. . .

 

Como a Terra também se encontra em evolução, os terremotos e vulcões, as tempestades e os acontecimentos coletivos se farão sucessivos, demonstrando a inevitabilidade da morte.

 

Os sentimentos belicosos prosseguirão dirigindo os pigmeus morais, que estabelecerão mecanismos de perseguição a todo aquele que se lhes opuser, em razão dos ideais que acalente, mantendo-se acima das suas ambições desconcertantes e mesquinhas.

 

Os filhos desrespeitarão os pais, e estes os entregarão às autoridades por bagatelas, desde que tenham satisfeitas as suas paixões inferiores e mundanas.

 

Os astros se abalarão, e destruições jamais vistas ocorrerão em toda parte, consumindo as criaturas, os seus animais e haveres, que voltarão ao pó.

 

Tudo isso resultado da insânia mental e moral dos próprios indivíduos que, não sendo vulneráveis ao amor de Nosso Pai em tudo presente, serão vítimas de si mesmos através do sofrimento reparador, que os advertirá para os rumos que devem imprimir à existência.

 

Mas não será ainda o fim da Humanidade, nem da Terra. " Ele lançou o olhar compassivo para o céu ardente de Jerusalém, e desvelando o seu destino, prosseguiu: "Logo mais, o Filho do Homem estará oscilando num madeiro de infâmia, como trapo abandonado ao sabor do vendaval. . . Passada, no entanto, a noite escura da morte, Ele ressurgirá das sombras e se erguerá como incomparável madrugada, que nunca mais perderá seu brilho.

 

Os séculos formarão milênios, até que seja restaurada a sua mensagem de amor e de paz, fecundada pelo adubo do sangue dos mártires e dos idealistas, de forma que se estabeleçam a verdadeira fraternidade e o bem comum.

 

O fim dos tempos infelizes, nos quais o desamor forma legiões e a prepotência se manifesta em todo lugar, cederá terreno ao reino de luz que venho anunciar desde agora.

 

Tende bom ânimo, porém, porque eu vigiarei convosco durante esse período de testemunhos e de solidão, de construção da Era Nova, não vos deixando tombar nas armadilhas que vos serão levantadas, isto porém se permanecerdes fiéis aos postulados que vos ofereço. " O sermão profético silenciara nos lábios do Rabi compassivo, enquanto os companheiros, observando que a noite se aproximava, e receando-a, acercaram-se mais, como se desejassem proteção em sua fragilidade, facultando-lhe acrescentar: "Jamais vos abandonarei. Eu vos conheço e vos amo. Os males que vos infligirão somente romperão a carne corruptível, nunca, porém, atingindo o Espírito imortal.

 

Tende ânimo, e em qualquer situação, nos distantes tempos que virão, eu sempre estarei ao vosso lado. " No ano setenta, Tito, após batalhas cruentas, com as suas legiões venceu os judeus, derrubou as fortificações de Jerusalém e a quase totalidade das suas muralhas, não deixando pedra sobre pedra do Templo, que não desmoronasse.