Não obstante, bailavam no leve ar os suaves perfumes das flores silvestres que ornavam a Natureza.
Nas praças e praias largas, na Sinagoga e nos encontros habituais, o comentário único falava sobre Jesus.
A sua força magnetizava a multidão, e ninguém conseguia passar incólume à sua presença, que se ampliava até além das fronteiras do mar, vencendo as distâncias com rapidez.
Ele conseguira despertar a atenção geral, trabalhando a fragilidade e os desconcertos do ser humano necessitado.
O arquipelago de dores em que se debatiam os seres sempre havia constituído motivo de desespero e apreensão. Os homens se amontoavam nas ermas regiões da agonia, deixando-se consumir pela decomposição orgânica e pela degenerescência mental, sob os acúleos de forças ignotas que os desnutriam e anatematizavam, constituindo pesada carga sobre o organismo sempre deficiente.
Ele chegou e passou a modificar a estrutura viciada das paixões, assinalando-as com mensagens de saúde e depaz, o que se tornava acontecimento inteiramente novo na desolada Israel, particularmente na sofrida região da Galileia. . .
Limpar corpos das exulcerações que os apodreciam; abrir olhos fechados à luz, que voltavam a enxergar; erguer paralíticos de membros atrofiados; cantar lições de profundo enternecimento e esperança, constituíam as notas melodiosas da sinfonia que Ele ofertava aos esfaimados e sedentos de paz, de alegria.
Essa orquestração de sons libertadores inundava as aldeias e corria de cidade em cidade, atraindo novas multidões necessitadas, expectantes, descrentes, e, às vezes, confiantes.
Jairo era personagem de destaque na comunidade, chefe da sinagoga, homem conhecedor da Lei e dos Profetas, que antes não se permitira aproximar dEle. O sofrimento, porém, esse inesperado visitante, adentrara-se pelo seu lar e apunhalava-lhe o coração, dilacerando-lhe os sentimentos. (Mateus
A filhinha encantadora encontrara-se doente, todos os recursos utilizados redundaram inúteis, e a morte a carregara no rumo do desconhecido. A angústia da separação era maior do que os preconceitos vigentes, e ele, pai afetuoso, foi procurar Jesus, dizendo-lhe: "Minha filha acaba de morrer, mas vem impor-lhe tua mão e ela viverá. " A confiança sempre faz transbordar a taça do sofrimento, renovando-lhe o conteúdo, graças ao que pode ser chamada de portal para a vitória.
Penetrando-lhe o ser arrebentado de dor, Jesus e os discípulos seguiram-no.
Chegando à casa, defrontaram o desespero dominando a família, os tocadores de flautas e a multidão que se aglutinara à porta, pranteando a menina morta.
Percebendo que ainda não se houvera dado a ruptura total dos vínculos com o corpo, e o Espírito ali se encontrava, Jesus asseverou: "Retirai-vos, porque a menina não está morta: dorme!" Diante do inusitado, os cépticos habituais puseram-se a rir, zombeteiros, ante o fato que aparentemente constatavam: a morte da criança.
Limitados às percepções sensoriais, não podiam ir além da capacidade de análise incompleta. A mofa era, então, o recurso único de que podiam dispor, dela utilizandose com naturalidade.
Indiferente à ignorância geral, e consciente da realidade, Jesus entrou, tomou a mão da menina, chamou-a docemente e levantou-a, despertando-a do sono cataléptico em que se encontrava e, ato contínuo, devolveu-a aos seus.
A mesma multidão zombeteira, surpreendida pelo acontecimento, começou a cantar hosanas.
Já quando vinha pelo caminho, libertara do fluxo sanguíneo a mulher enferma que O tocara, e que de imediato se recuperara do terrível mal.
As alegrias estrugiam nas almas simples e entusiasmadas com os fenômenos incomparáveis produzidos pelo Rabi.
O tempo perdera a sua dimensionalidade. Tudo eram sorrisos e felicidades. Não lhes era possivel antecipar preocupações nem futuras dores, aquelas que acompanham os idealistas e heróis, os construtores do novo mundo. A sua fama se espalhava cada vez mais por toda parte, atraindo maior número de sofredores, que buscavam solu- ções externas para os males que os atormentavam, sem interesse real pela cura interior, aquela que não degenera mais.
Como se tratava de uma orquestração infinita de risos e lágrimas, assim que Ele saiu, trouxeram-lhe um mudo, possesso de demônio.
O pobre homem encontrava-se dominado pela força constritora que o limitava, tornando-o silencioso, com a alma sob os camartelos de angústias incessantes.
Colhendo os frutos amargos da sementeira passada, o enfermo sintonizava com o seu algoz, entregando-se-lhe em regime de totalidade. Submisso, sob o açodar da consciência de culpa, sentia-se incapaz de resistir à insidiosa dominação. Faltavam-lhe forças morais para superar o constrangimento psíquico.
Jesus, acercando-se, e compreendendo o drama que se desenrolava além da observação física, repreendeu o Espírito enfermo e afastou-o da sua vítima, luarizando a noite do ódio com a inebriante claridade do seu amor.
Libertado da coarctação, o paciente pôs-se a falar, inundado pelo júbilo.
Os fariseus, porém, invejosos e mesquinhos, impossibilitados de realizar o mesmo, assacaram acusações de que era através do príncipe dos demônios que Ele expulsava os demônios.
Nunca faltarão aqueles que, sem os recursos que os tornem capazes de algo realizar, encontram mecanismos acusatórios para justificar o êxito de quem produz.
Como podia, porém, o mal fazer o bem. . . o príncipe dos demônios voltar-se contra o seu subordinado e tornarse-lhe contrário?
Jesus, que os conhecia, não lhes dava a importância que eles se acreditavam merecer.
O mundo está repleto de mudos para a verdade e de palradores que estimulam o crime e disseminam a promiscuidade moral.
Elaboram temas que desconcertam as vidas e exibem as feridas íntimas com leviandade e entusiasmo, atraindo outros insensatos que os acompanham em festa, desnudando os cânceres espirituais que os dilaceram, impiedosos.
Mudos para a verdade, podem expressar-se nas sombras em que se debatem, encontrando aqueles que se encontram surdos para as realidades do Espírito e receptivos para as suas mensagens de alucinação e de baderna.
Encontram-se, igualmente, obsidiados por adversá- rios cruéis que os espreitam e dominam, retirando-lhes a voz que poderiam usar para o bem, ampliando-lhes o volume para o mal deles mesmos, ou cerram os ouvidos para as melodias de vida, abrindo-os para o alarido primitivo das paixões selvagens em que se comprazem.
Por muito tempo eles permanecerão na Terra, obsessos e obsessores, expungindo sem libertar-se, negando-se à iluminação e campeando na loucura que os caracteriza.
A voz, porém, do Divino Pastor, permanecerá chamando-os e os Seus ouvidos atentos estarão aguardando para captar qualquer ruído de aquiescência que eles se permitam oferecer, a fim de os resgatar das prisões sem grades, nas quais se encarceram espontaneamente.