Dias Venturosos

CAPÍTULO 22

Silêncio impossível



O progresso marcha, lenta ou aceleradamente, e ninguém o pode deter. É o processo natural da vida, que evolui sistematicamente sem nunca parar. O repouso, por isso mesmo, e a inércia não fazem parte dos seus quadros.

 

O mesmo ocorre com a verdade. Não pode ser impedida, porque seu fluxo, o seu curso é inestancável.

 

Quanto mais lúcida a civilização, mais claro se lhe desvela o conhecimento da verdade, ultrapassando o chavão comum, que fala a respeito daquela que é de cada um. Expande-se e, mesmo quando sombreada pelos cúmulos dos preconceitos e dos comportamentos arbitrários, rompe o aparente impedimento e brilha com todo o esplendor.

 

A verdade é única, embora sejam conhecidas apenas algumas de suas faces; particularmente aquelas que podem ser aceitas sem muitas discussões ou querelas.

 

As palavras que pretendem apresentá-la ao mundo e às pessoas, não poucas vezes alteram-na, confundem quem a busca, dividem-na em ideologias e interpretações, causando dificuldades e problemas.

 

Dela se utilizam todos os indivíduos, conforme a estrutura mental e o interesse moral de cada qual.

 

Matam em seu nome, embora ela proceda do Amor; perseguem sob a sua bandeira, apesar de expressar-se como paz; confundem-na mediante os seus textos, e a sua proposta é clara quanto universal; separam, seguindo as regras de interpretação que lhe concedem, mesmo originada do pensamento unívoco de Deus. . .

 

Todas as pessoas pretendem possuí-la, e quando pensam detê-la, ou querem retê-la, eis que escapa e expande-se.

 

Buscam asfixiá-la em um lugar e ressurge noutro.

 

Imbatível, termina por impregnar as mentes e acolher-se nos corações.

 

A verdade é transparente como a luz diáfana do amanhecer; é vida que nutre e pão que alimenta.

 

A verdade procede de Deus e a Ele conduz o pensamento, as realizações e os seres.

 

Por isso, é impossivel o seu silêncio.

 

A inquietação é inimiga da serenidade, e esta resulta do conhecimento da verdade.

 

Na quietude da meditação e no recolhimento do trabalho, ei-la que se expressa, abrindo espaço para a iluminação.

 

Para perpetuá-la no seu conteúdo espiritual, os místicos e santos de todos os tempos retiveram-na em indumentárias delicadas: contos, koans, lendas, e Jesus apresentou-a em encantadoras parábolas.

 

Os homens, em diferentes épocas, temiam-na, e por isso não a aceitavam desnuda. Mas a recebiam, para o entendimento, quando adornada de fantasias, de fábulas, de símbolos.

 

Naquela circunstância, era necessário que todos a conhecessem na sua apresentação legítima: o fato consumado, inegável.

 

Todos quantos ali estavam, viram-na e comoveram-se. Talvez não a tenham entendido.


Por isso, apelaram para os envoltórios, a que se acos-

tumaram.

 

O coxo andara e prosseguia andando. Não se tratava de um impressionável adolescente, mas sim, de um homem de quarenta anos, maduro, que sabia discernir, e dava o testemunho: - Eu era limitado; agora ando.

 

Este o fato: a verdade inconfundível!

 

Há pessoas que preferem ignorar a verdade, porque aceitá-la é ver-se na encruzilhada da decisão. Não mais se pode ser como anteriormente, receando mudar e não possuir forças para prosseguir. Essa energia, no entanto, haure-se nela mesma, que impulsiona para frente, que sustenta no desempenho e vivência dos seus postulados.

 

Adiá-la significa prosseguir na ignorância, sofrer, quando se torna possivel ser feliz.

 

Jesus afirmou que a verdade liberta, porque desalgema, dignifica, impondo responsabilidade e dever, que são as suas primeiras consequências.

 

Pedro e João conviveram com o Mestre, que a expressara em palavras, na conduta e na autodoação.

 

Pedro fora vítima da própria defecção, por fragilidade moral, porém, sustentado pela verdade, reergueu-se e tornou-se seu embaixador.

 

Com o jovem amigo, que a possuía iluminando-o interiormente, pôs-se a apresentá-la de forma incorruptível. Agora era hora de confirmá-la.

 

A notícia do feito alcançou os ouvidos das torpes e atormentadas autoridades da governança. Receosos do efeito do acontecimento, tomaram providências, mandando seus esbirros aprisionarem os dois humildes galileus que provocavam tal rebuliço.

 

Temiam que o fermento do bem levedasse a massa informe e ameaçasse a sua dominação inescrupulosa.

 

A alternativa para a sua mesquinhez era o poder da força.

 

E mandaram ao cárcere os inimigos em potencial, conforme via sua óptica distorcida.


Sempre se repete a cena da covardia: intimidar a ver-

dade, ameaçando ou vencendo aqueles que a apresentam. Porque não a podem vencer, buscam silenciá-la, inutilizando os seus porta-vozes.

 

Já era tarde, quando os prisioneiros foram trazidos ao Tribunal e, por isso mesmo, foram arrojados ao cárcere até o dia seguinte, quando os submeteram a interrogatório diante do recuperado paciente, que prosseguia saudável.

 

Novamente mediunizado, Pedro enfrentou os algozes e não se deixou atemorizar ou confundir ante os hábeis sofistas enganadores do povo.

 

Haviam sido presos porque fizeram o bem em nome de Jesus Cristo.


– Ele - afirmou o apóstolo - é a parte desprezada por vós. . . Não há salvação em nenhum outro (

*). . . porque dentre os homens Ele é o maior.

 

Havia altivez no porte e exatidão no verbo.

 

Assombraram-se os pusilânimes e tomaram a atitude que lhes era habitual: conciliar-ameaçando, libertar-intimidando.

 

Assim, num conluio infame resolveram proibi-los de referir-se a Jesus, o Cristo.

 

Não detectaram nos discípulos do Rabi qualquer crime ou erro passível de punição, mas também por medo do povo, que glorificava a Deus, do que por outra razão.


Responderam-lhes, então, os interrogados:

– Se é justo diante de Deus ouvir-vos antes do que a Deus, julgai-o; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos.

 

O silêncio era-lhes impossivel.

 

Podiam perder o corpo; mas com a verdade ganhavam a vida.

 

Não se pode deixar de mencionar a verdade que decorre do encontro com os seus conteúdos.

 

As perseguições chegariam, mas a verdade permaneceria, também, sem jamais ser abafada. . .

 

Atos 4:1-22