Dias Venturosos

CAPÍTULO 23

Tempos de refrigério e restauração



As notícias do fenômeno da cura do coxo, na Porta Formosa, correram céleres como ventos desgovernados pela garganta dos vales.

 

Transeuntes habituais e mendigos outros conheciam o antigo enfermo que lhes compartia o drama e o sofrimento, oriundos da miséria moral e econômica.

 

vendo-o, saltitante e cantando louvores, não podiam sopitar a inveja da sua sorte nem a ambição de se curarem também.

 

Supersticiosos e ingênuos, afirmavam ter acontecido um milagre que jamais ali ocorrera antes.

 

Os comentários eram surpreendentes e as opiniões, desencontradas.

 

– Farsa! - explodiram os incrédulos, e saíram blasfemando.

 

– Satanás. Foi Satanás quem o curou! - afirmavam os mais ignorantes e, portanto, mais fanáticos, dando de ombros.

 

– Glória a Deus! - Exclamavam os convencidos e permaneciam expectantes.


Os discípulos de Jesus, porém, avançaram no rumo do Templo, acompanhados pelos curiosos e o recém-curado

que os segurava, até chegarem ao pórtico de Salomão, uma das entradas principais.


E porque o tumulto se avolumasse, inspirado e audaz, Pedro esclareceu:

– Israelitas! Por que vos maravilhais deste homem, ou por que fitais os olhos em nós, como se por nosso poder ou piedade o tivéssemos feito andar?!Pedro conhecia os seus compatriotas, que passavam do júbilo à revolta, da crença exagerada à dúvida cruel, do apoio à pedrada.

 

Quanto eles viram Jesus fazer!

 

Aclamaram-no ao entrar na cidade, fazia pouco tempo, e O apuparam logo depois, pedindo para Ele a crucificação.

 

Mentes ao vento do interesse mais chão, mudavam de direção conforme a força predominante.


Assim, prosseguia com firmeza, os olhos fulgurantes, a voz vigorosa:

– O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus dos nossos antepassados, glorificou seu servo Jesus, a quem vós entregastes e negastes perante Pilatos, quando este havia resolvido soltá-lO, mas vós negastes o Santo e Justo, pedindo que se vos desse um homicida.

 

Era um discurso forte para despertar as consciências anestesiadas pelo mal, para direcionar o pensamento, arrancando-o da vileza moral.

 

Sem temor, o apóstolo prosseguiu, enquanto todos pararam para escutá-lo.

 

Pairava no ar a doce vibração de paz e o suave enlevo da esperança.

 

– Matastes o autor da vida, a quem Deus ressuscitou entre os mortos, do que nós somos testemunhas. Pela fé em seu nome fortaleceu o seu nome a este homem, a quem vedes e conheceis. Sim, a fé, que vem por meio de Jesus, deu a este homem saúde perfeita na presença de todos vós.

 

A verdade, que é luz, apunhalava-os, rasgando-lhes a treva interior para ajudá-los no discernimento.


Atenuando as acusações, explicou com suavidade:

– Agora, irmãos - a palavra era dúlcida e meiga - eu sei que o fizestes por ignorância, como também as vossas autoridades; mas Deus assim cumpriu o que já dantes anunciara pela boca de todos os profetas: que seu Cristo havia de padecer.


Agora, como o majestoso de uma sinfonia ímpar, Pedro propôs:

– Arrependei-vos e convertei-vos, para serem apagados os vossos pecados, de sorte que da presença do Senhor venham tempos de refrigério. . . tempos de restauração de todas as coisas. . .

 

O arrependimento é indispensável para o real despertamento do ser. Medida de análise dos atos pelo árbitro da razão que discerne, aponta as falhas e demonstra a gravidade do equívoco, falando à consciência a respeito da insensatez do delito. É o começo da transformação moral, convidando o indivíduo a sair da teimosa atitude de desequilíbrio para alcançar o patamar da harmonia.

 

Mas não basta por si mesmo; porquanto os danos perpetrados devem ser reparados, e o terreno perdido necessita de ser reconquistado.

 

O passo imediato já se encontra no ato de arrepender-se, que é o sofrer pelo mal que se praticou. Despertar para a conscientização íntima gera dor e amargura pelo desperdício de tempo gasto e pelos prejuí- zos causados a si mesmo e ao próximo. Tal sofrimento, no entanto, é benefício, pois consolida o arrepender-se. Entretanto, faz-se urgente a etapa final, que é reparar o mal produzido, recompor o que foi danificado, refazer o caminho percorrido.

 

Esse esforço exige maior dose de abnegação e de desprendimento.

 

O erro é uma experiência malsucedida, natural no processo de crescimento moral das criaturas.

 

Reabilitar-se é impositivo da evolução, que não pode nem deve ser desconsiderado.

 

Provavelmente acontecerá que o outro, a vítima, não desculpe, ou não deseje aceitar a justificativa, o pedido de perdão.

 

Essa postura, porém, somente é negativa para quem a toma, porquanto, o arrependido se desobriga do dever e o outro assume agora o lugar infeliz.

 

Seguir adiante quem se deseja recuperar, fazendo o bem e reparando o mal onde este se apresente é conquista libertadora.

 

Isto posto, dá-se a conversão ao bem real, à verdade, ao amor.

 

Converter-se é aceitar a proposta que antes lhe foi oferecida e esteve recusada com acrimônia, com ferocidade, tornando-se-lhe adversária naquele momento.

 

É também eficaz metodologia para a reparação.

 

Jesus havia sido negado, traído, abandonado e crucificado pelos que se beneficiaram do seu amor e o desdenharam depois.

 

Havendo retornado da sepultura, prosseguiu amando-os, amando-nos a todos, e o demonstrou mediante a ação de caridade, que fere os sentidos físicos e reconforta a alma dorida, curando as mazelas e deformidades do corpo e do Espírito.

 

Ante a evidência dos fatos, Pedro conclamou os criminosos e comparsas do hediondo drama consumado ao arrependimento e à aceitação dos ensinamentos de Jesus, que já os perdoara, pois que volvera para os socorrer e libertá-los deles mesmos.

 

. . . Para que venham os tempos de refrigério e de restauração.

 

A mensagem-luz voltava à noite das almas.

 

O amor-ação despertava os adormecidos.

 

O calor da alucinação ardia nos seres.

 

Eram necessários tempos de refrigério, porque novas dores chegariam - preço cruel que o mundo dos sentidos cobra aos Espíritos da emoção.

 

Logo mais, recomeçariam os tempos de ardência, fazendo-se necessário refrigerar aqueles próximos dias, a fim de suportar os outros, os futuros períodos de testemunhos, que precedem os de restauração.

 

Atos 3:11-19