Transeuntes habituais e mendigos outros conheciam o antigo enfermo que lhes compartia o drama e o sofrimento, oriundos da miséria moral e econômica.
vendo-o, saltitante e cantando louvores, não podiam sopitar a inveja da sua sorte nem a ambição de se curarem também.
Supersticiosos e ingênuos, afirmavam ter acontecido um milagre que jamais ali ocorrera antes.
Os comentários eram surpreendentes e as opiniões, desencontradas.
– Farsa! - explodiram os incrédulos, e saíram blasfemando.
– Satanás. Foi Satanás quem o curou! - afirmavam os mais ignorantes e, portanto, mais fanáticos, dando de ombros.
– Glória a Deus! - Exclamavam os convencidos e permaneciam expectantes.
Os discípulos de Jesus, porém, avançaram no rumo do Templo, acompanhados pelos curiosos e o recém-curado
que os segurava, até chegarem ao pórtico de Salomão, uma das entradas principais.
E porque o tumulto se avolumasse, inspirado e audaz, Pedro esclareceu:
– Israelitas! Por que vos maravilhais deste homem, ou por que fitais os olhos em nós, como se por nosso poder ou piedade o tivéssemos feito andar?!Pedro conhecia os seus compatriotas, que passavam do júbilo à revolta, da crença exagerada à dúvida cruel, do apoio à pedrada.
Quanto eles viram Jesus fazer!
Aclamaram-no ao entrar na cidade, fazia pouco tempo, e O apuparam logo depois, pedindo para Ele a crucificação.
Mentes ao vento do interesse mais chão, mudavam de direção conforme a força predominante.
Assim, prosseguia com firmeza, os olhos fulgurantes, a voz vigorosa:
– O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus dos nossos antepassados, glorificou seu servo Jesus, a quem vós entregastes e negastes perante Pilatos, quando este havia resolvido soltá-lO, mas vós negastes o Santo e Justo, pedindo que se vos desse um homicida.
Era um discurso forte para despertar as consciências anestesiadas pelo mal, para direcionar o pensamento, arrancando-o da vileza moral.
Sem temor, o apóstolo prosseguiu, enquanto todos pararam para escutá-lo.
Pairava no ar a doce vibração de paz e o suave enlevo da esperança.
– Matastes o autor da vida, a quem Deus ressuscitou entre os mortos, do que nós somos testemunhas. Pela fé em seu nome fortaleceu o seu nome a este homem, a quem vedes e conheceis. Sim, a fé, que vem por meio de Jesus, deu a este homem saúde perfeita na presença de todos vós.
A verdade, que é luz, apunhalava-os, rasgando-lhes a treva interior para ajudá-los no discernimento.
Atenuando as acusações, explicou com suavidade:
– Agora, irmãos - a palavra era dúlcida e meiga - eu sei que o fizestes por ignorância, como também as vossas autoridades; mas Deus assim cumpriu o que já dantes anunciara pela boca de todos os profetas: que seu Cristo havia de padecer.
Agora, como o majestoso de uma sinfonia ímpar, Pedro propôs:
– Arrependei-vos e convertei-vos, para serem apagados os vossos pecados, de sorte que da presença do Senhor venham tempos de refrigério. . . tempos de restauração de todas as coisas. . .
O arrependimento é indispensável para o real despertamento do ser. Medida de análise dos atos pelo árbitro da razão que discerne, aponta as falhas e demonstra a gravidade do equívoco, falando à consciência a respeito da insensatez do delito. É o começo da transformação moral, convidando o indivíduo a sair da teimosa atitude de desequilíbrio para alcançar o patamar da harmonia.
Mas não basta por si mesmo; porquanto os danos perpetrados devem ser reparados, e o terreno perdido necessita de ser reconquistado.
O passo imediato já se encontra no ato de arrepender-se, que é o sofrer pelo mal que se praticou. Despertar para a conscientização íntima gera dor e amargura pelo desperdício de tempo gasto e pelos prejuí- zos causados a si mesmo e ao próximo. Tal sofrimento, no entanto, é benefício, pois consolida o arrepender-se. Entretanto, faz-se urgente a etapa final, que é reparar o mal produzido, recompor o que foi danificado, refazer o caminho percorrido.
Esse esforço exige maior dose de abnegação e de desprendimento.
O erro é uma experiência malsucedida, natural no processo de crescimento moral das criaturas.
Reabilitar-se é impositivo da evolução, que não pode nem deve ser desconsiderado.
Provavelmente acontecerá que o outro, a vítima, não desculpe, ou não deseje aceitar a justificativa, o pedido de perdão.
Essa postura, porém, somente é negativa para quem a toma, porquanto, o arrependido se desobriga do dever e o outro assume agora o lugar infeliz.
Seguir adiante quem se deseja recuperar, fazendo o bem e reparando o mal onde este se apresente é conquista libertadora.
Isto posto, dá-se a conversão ao bem real, à verdade, ao amor.
Converter-se é aceitar a proposta que antes lhe foi oferecida e esteve recusada com acrimônia, com ferocidade, tornando-se-lhe adversária naquele momento.
É também eficaz metodologia para a reparação.
Jesus havia sido negado, traído, abandonado e crucificado pelos que se beneficiaram do seu amor e o desdenharam depois.
Havendo retornado da sepultura, prosseguiu amando-os, amando-nos a todos, e o demonstrou mediante a ação de caridade, que fere os sentidos físicos e reconforta a alma dorida, curando as mazelas e deformidades do corpo e do Espírito.
Ante a evidência dos fatos, Pedro conclamou os criminosos e comparsas do hediondo drama consumado ao arrependimento e à aceitação dos ensinamentos de Jesus, que já os perdoara, pois que volvera para os socorrer e libertá-los deles mesmos.
. . . Para que venham os tempos de refrigério e de restauração.
A mensagem-luz voltava à noite das almas.
O amor-ação despertava os adormecidos.
O calor da alucinação ardia nos seres.
Eram necessários tempos de refrigério, porque novas dores chegariam - preço cruel que o mundo dos sentidos cobra aos Espíritos da emoção.
Logo mais, recomeçariam os tempos de ardência, fazendo-se necessário refrigerar aqueles próximos dias, a fim de suportar os outros, os futuros períodos de testemunhos, que precedem os de restauração.