Dias Venturosos

CAPÍTULO 9

Nunca mais a sós



Emaús, ao tempo de Jesus, era uma aldeia bucólica e movimentada, que se encontrava distante de Jerusalém aproximadamente oito quilômetros, ao noroeste.


Na sua história se insere a batalha travada por Judas Macabeu, no ano 66 a. C., que houvera vencido os sírios co-

mandados por Górgias, retornando ao domínio de Israel. O simpático lugarejo não possuía nada de especial, sendo antes uma porta de acesso para a Síria e outras regiões do Oriente.

O seu clima experimentava as mesmas amenidades e vicissitudes que o de Jerusalém e o seu comércio era relativamente modesto.

Emáus passaria à posteridade graças a um acontecimento de que fora objeto.

Os dias eram, naquela ocasião, assinalados pela tristeza e pela saudade.

A notícia e a constatação da ressurreição do Mestre mais aguçaram as expectativas de novos reencontros.

O amor e a ternura têm este condão: quanto mais perto, maior a necessidade de convivência. A alma sente sededa presença e se embriaga na convivência renovadora, procurando não despertar para a realidade do cotidiano.

Haviam sido felizes todos os momentos com Jesus. Agora ausente, as lembranças alegravam e vergastavam os companheiros daquele banquete de luz, que se interrompera abruptamente, de forma trágica.

Eles repassavam as memórias e davam-se conta de que não haviam correspondido à expectativa do Rabi, que tanto confiara na sua fragilidade de homens simples e alguns deles bastante ignorantes.

Não podiam imaginar que todas aquelas palavras de advertência eram-lhes direcionadas, a fim de que tivessem resistência no momento do testemunho.

Certamente, não somente Judas sofrera a defecção moral de entregá-lO aos inimigos. Pedro também O negara, e envergonhava-se profundamente. Quando soube que Ele voltara, apesar de contente, quase caiu em prostração, imaginando a forma como iria enfrentar-Lhe o olhar compassivo e misericordioso.

O discípulo, arrependido, entregava-se com frequ- ência ao pranto convulsivo, porque não se lhe apagava da mente a fraqueza moral que o tomara naquela noite inesquecível. . .

Todos, porém, ou quase todos, O abandonaram; fugiram, amedrontados, tentando poupara vida, sem se darem conta de que, perdendo-a, tê-la-iam ganhado.

– viria, o amigo, visitá-los ? - Interrogavam-se em silêncio dolorido. Até quando Eles ficariam com os seus corações temerosos, e quais os rumos que lhes dariam, a fim de que a Boa Nova se espalhasse pelo mundo, como a claridade do dia?

Tudo era incerto naqueles momentos, acostumados que estavam com Ele, em cujo lado tudo eram certezas.

Assim, algo aturdidos, não tinham outra alternativa senão a de aguardar os acontecimentos.

As viagens eram feitas com muita dificuldade naquele período.

Os caminhos, quase impérvios, dificultavam o acesso às diferentes comunidades, especialmente àquelas destituídas de maior importância. Bandoleiros e assaltantes se locupletavam na rapina e no intimidamento aos solitá- rios que se atreviam a vencer as distâncias. Por essa razão, sempre se formavam grupos e caravanas, particularmente quando se deveria atravessar o deserto ou as gargantas entre montanhas. . .

Dois discípulos, no mesmo dia da Ressurreição, deveriam viajar a Emaús, que se encontrava distante de Jerusalém cerca de sessenta estádios (cada estádio media 125 passos, ou seja, 206,25m).

As notícias que lhes haviam chegado, anunciando o retorno do Mestre, levaram-nos a dialogar com entusiasmo sobre as perspectivas do futuro.

Saíram da cidade e ganharam a estrada de acesso ao caminho de Emaús e, entusiasmados, quase não se deram conta do estranho que se lhes acercara e iniciara uma conversação. Pareciam estar cegos para a realidade, ante as perspectivas do futuro.


Inesperadamente o desconhecido indagou-lhes:

– Que palavras são essas que trocais enquanto andais? (Lucas 24:13-35) Sem dar-se conta do que estava acontecendo, um deles, de nome Cléofas, perguntou: –Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias?

–Que foi? - indagou, por sua vez, o acompanhante.


Quase a duas vozes, ambos responderam em ritmo acelerado:

– O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; como os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes O entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele quem libertasse Israel, mas com tudo isso, já lá se vai o terceiro dia desde que se deram essas coisas. . . verdade é que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro, de madrugada, e não lhe achando o corpo, vieram dizer que Ele vivia. Então um dos nossos foi ao túmulo e encontrou tudo como as mulheres haviam dito. Mas a Ele, não O viram.

O dia esplendia de Sol. Havia uma orquestração maravilhosa no ar, e a Natureza se abria ao encantamento do que logo sucederia.

Complexas são as soberanas Leis de Deus, e sábia a sua justiça.

A verdade teria que ser ministrada vagarosamente, li- ção por lição, a fim de que a pudessem absorver e nunca mais abandoná-la.


O peregrino então falou-lhes com energia e bon- dade:

– Ó homens sem inteligência e lentos de espírito em crer em tudo quanto os profetas anunciaram. Não tinha o Messias que sofrer essas coisas para entrar na sua glória?

. . . E abordando com lucidez e magia os conteúdos das Escrituras, comentou-os, referindo-se aos profetas, desde Moisés, e suas mensagens de advertência, despertando-os para a compreensão dos acontecimentos que se apresentaram funestos, porém necessários naquelas circunstâncias.

A caminhada chegava a termo. Os viandantes iam adentrar-se na aldeia, para buscarem uma hospedaria, quando perceberam que Ele se preparava para seguir adiante.

O Sol declinava, e o ar pesado da tarde cedia lugar à brisa refrescante, que soprava dos montes em derredor.


Nesse comenos, movidos por um sentimento inabitual, os viandantes O convidaram a ficar com eles, dizendo:

– Fica conosco, Senhor, pois a noite desce, e o dia já está quase no ocaso.

Ele ficou, adentrou-se na pousada, e, à hora do repasto, quando ia ser servido o pão, Ele o tomou nas Suas mãos e o abençoou, entregando-lhes algumas nacadas.

Só então se lhes abriram os olhos e deram-se conta de que aquele que os acompanhara, confortara e iluminara, era Jesus.

Ali estavam as chagas assinalando a crucificação, os mesmos olhos penetrantes e transparentes de beleza, a do- çura na voz e a irradiação de infinita paz.

Embora não O houvessem identificado antes, o cora- ção lhes ardia no peito, e desconhecido júbilo dominara-os por todo o caminho.

Não tinham o que falar, e nada era necessário dizer.

Quando o Senhor desapareceu da sua frente, não tergiversaram, retornando imediatamente a Jerusalém.


Quando chegaram à cidade dos profetas, encontraram os discípulos reunidos, e, tomados de ímpar felicidade, narraram tudo quanto lhes havia acontecido na viagem, informando com segurança:

– Sim, o Senhor apareceu, voltou para que nunca mais nos sintamos a sós.

A sinfonia da esperança cantava no ar a balada dos júbilos sem-fim.

A Era Nova se estabelecia, fundando os seus alicerces na Ressurreição de Jesus, sem cuja base tudo se reduziria a mitos injustificáveis.