péis e vaidades humanas, ao ônus de intrigas, de bajulação, do vil comércio da corrupção moral.
O Templo soberbo no monte Moriá deslumbrava pela imponência. Desde que reerguido e embelezado por Salomão, tornara-se o símbolo da raça vencida, mas não submissa, e do poder do pensamento monoteísta no imenso oceano politeísta.
As festas religiosas celebradas tinham também um caráter civil, nacionalista, e vice-versa, graças às quais os judeus demonstravam aos romanos o seu desdém por César, pelos seus deuses e por eles todos.
Com habilidade, às vezes maldisfarçada, exteriorizavam o desprezo que nutriam pelo estrangeiro dominador e pelas suas tradições.
Portadores de fina ironia, fariseus e saduceus anatematizavam o jugo político e seus chefetes, beneficiando-se das migalhas que disputavam com exacerbada cupidez e sob veladas ameaças punitivas, quando não deles mesmos, deDeus, para quem transferiam os seus anelos de vingança rancorosa.
A festa de Pentecostes atraíra as gentes de todas as tetrarquias e de outras terras.
As evocações do passado eram predominantemente afirmações da eleição especial de que gozavam por parte da Divindade.
Estavam no ar os salmos, as hosanas, as fanfarras, os sons melódicos dos instrumentos de prata e a mixórdia de cores, de vozes, de animais e pessoas pelos átrios, nos seus arredores, dentro do Templo.
Exibiam-se os poderosos, mendigavam os desprovidos de recursos, discutiam os aventureiros, negociavam os ambiciosos, tramavam os perversos.
A Torre Antônia, esguia e poderosa, velava próxima, com os olhos romanos direcionados, provocativamente, para as suas áreas.
Os ódios espumavam entre dentes rilhados, e as suspeitas se alimentavam de ignóbeis ardis.
Respiravam-se, na cidade, glória e miséria, poder e carência, beleza e vilania moral.
Fora dos muros, o Jardim das Oliveiras espreguiçavase monte acima, assinalado pelo verde-musgo das árvores venerandas, sobranceiras, generosas. . .
Ir a Jerusalém era sempre uma ambição máxima de todo israelita que vivesse em outras terras.
Sacrificar aves e animais em sinal de arrependimento dos erros, de reparação de crimes ou de gratidão a Deus, representava honra disputada com veemência.
Jerusalém era-lhe o pináculo da glória, e o Templo, a felicidade total. . .
Naquela cidade, deveria o Mestre desvelar-se.
Os intelectos, vazios de luz e atulhados de textos confusos, sutilmente utilizados a benefício próprio, compraziam-se nas intérminas discussões de insignificâncias da Lei, da Torah, das vacuidades a que davam magnitude.
Essas pessoas eram profissionais da retórica inútil e dourada, as fomentadoras das perturbações sociais e polí- tico-religiosas.
Fariseus, que se celebrizaram pela pusilanimidade, ostentavam vestes brancas, alvinitentes, que lhes não abafavam o odor de cadáveres vivos. . .
Saduceus presunçosos desfilavam aparência pudica, arremetendo contra tudo, na sua atormentada incredulidade. Nutriam-se de acusações permanentes e engalfinhavam-se em debates vigorosos, anelando pelo apedrejamento dos seus opositores.
Ninho de serpentes perigosas aguardava o Cordeiro; matadouro infecto esperava a vítima. . .
Jesus o sabia; mas não se impressionava com eles nem os temia com as suas exprobações e aparências mentirosas.
Mais de uma vez os enfrentara e desarmara. Silenciara-os, levando-os à incontida fúria.
Por isso mesmo, deveriam matá-lO. Urdiam planos; seguiam-nO; vigiavam-nO; interrompiam-nO, esperando surpreendê-lO.
Multiplicavam-se, aparecendo em todo lugar, erva má que eram e não necessitava ser plantada, medrando em abundância. . .
O Mestre ergueu-se diante deles e do povo, dizendo, intemerato: - Não pode o Filho fazer nada por si mesmo se não vir o Pai fazê-lo, pois tudo quanto o Pai faz, também o Filho o faz igualmente. Porque o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo quanto faz; mostrar-lhe-á obras maiores do que estas, de modo que ficareis admirados. . . (João 5:19-47)
Um grito rouquenho interrompeu-o:
– Quem pensas que és? - Estrugiu em ruidosa, histé- rica gargalhada.
Sem oferecer-lhe importância, Ele deu curso à revela- ção em paz:
– Assim como o Pai ressuscita mortos e lhes dá vida, assim também o Filho dá vida àquele que quer. O Pai não julga ninguém, mas entregou ao Filho o poder de tudo julgar, para que todos honrem o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai, que O enviou. Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra e acredita naquele que me enviou tem a vida eterna e não incorre em condenação, mas passou da morte para a vida.
Erguendo os punhos fechados e agitando-se, velho barbudo, fariseu confesso, descarregou o ódio:
– Blasfêmia! Ele blasfemou. Diz-se igual a Deus e até maior do que Deus. Morte ao traidor!
Murmúrios, imprecações, empurrões toldaram a paz do ambiente.
Jesus ainda não havia terminado e, com a voz inalterada, insistiu:
– Digo-vos que a hora vem, e é já, em que os mortos hão de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem, viverão. Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também concedeu ao Filho o ter a vida em si mesmo, e deu-lhe o poder de julgar, por ser Filho do Homem.
Ali estavam muitos cadáveres que respiravam. Eram mortos para a verdade e estavam ouvindo-a sem a entender, quando poderiam incorporá-la e viver.
Mas havia outros mortos, para os quais o Mestre falaria. . .
– Não vos admireis com isso - acentuou, vigoroso - porque vai chegar a hora em que todos os que estão nos túmulos ouvirão a sua voz; os que tiverem praticado boas obras sairão, ressuscitando para a vida, e os que tiverem praticado o mal hão de ressuscitar para a condenação. Eu nada posso fazer por mim mesmo; conforme ouço é que julgo e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
Novo alarido e interrupção.
– Levemo-lo ao poste das lapidações - Berrou truculento esbirro do Sumo Sacerdote - É passível o seu crime de morte sem julgamento.
O julgamento está impresso na consciência de cada ser. Mesmo os mortos, ao despertarem na vida, não fugirão do Estatuto Divino que carregam em si mesmos. A sua defesa são as boas obras, e a sua condenação, as más.
Jesus nada pode fazer, porquanto, cada qual é o seu próprio juiz, seu acusador, seu defensor.
A palavra viril, irretocável, prosseguiu explicando:
– Se eu desse testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não seria considerado verdadeiro. Outro é o que dá testemunho de mim, e eu sei que o testemunho que Ele dá de mim é verdadeiro.
Vós mandastes emissários a João, e ele deu testemunho da verdade. Não é de um homem que eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para que vos salveis; João era uma lâmpada que ardia e brilhava, e vós, por um momento quisestes regozijar-vos com a sua luz. Mas eu tenho um testemunho maior do que o de João, pois as obras que o Pai me deu para consumar, essas mesmas obras que faço, atestam a meu respeito, que o Pai me enviou. E o Pai, que me enviou, deu, Ele mesmo, testemunho de mim.
Nunca ouvistes a sua voz, nem vistes a sua face, e a sua palavra não habita em vós, porque não acreditais no que Ele enviou. Esquadrinhais as Escrituras, julgando ter nelas a vida eterna; são elas que dão testemunho de mim, e não quereis vir a mim para terdes a vida. Não é dos homens que recebo a glória, mas conheço-vos e sei que o amor em Deus não existe em vós.
Aquelas palavras penetraram os hipócritas como afiados punhais.
Deus não lhes habitava a alma.
Elogiavam-se reciprocamente e repartiam homenagens inúteis entre eles.
Coroavam-se de folhas de louro mortas e de metais cinzelados também sem vida.
Adornavam-se uns aos outros, porque não acreditavam realmente na vida eterna.
Tanto haviam mentido a respeito da imortalidade, da justiça de Deus, do seu amor, que ficaram áridos, sem fé, sem Deus. . .
O silêncio fez-se sepulcral.
Ele, então, agigantando-se mais, concluiu:
– Vim em nome de meu Pai, e não me recebeis, mas se vier outro em seu próprio nome, recebê-lo-eis. Como podeis acreditar, vós que tirais a glória uns dos outros e não buscais a glória que vem de Deus? Não penseis que eu vou acusar-vos ao Pai; outro vos acusará. . . Moisés, em quem depositastes a vossa esperança. Se acreditásseis em Moisés acreditaríeis em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Mas se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas minhas palavras?
Calou-se. Havia estupor nas faces macilentas, sorrisos nos rostos sofridos, alegrias nos puros de coração, esperan- ças nos deserdados do mundo, que gritaram:
– Aleluia! Exultemos e ouçamo-lO, a Ele que conhece a verdade.
De fato, Jesus não acusa jamais. Ele é todo amor. Porém Moisés, a Lei que todos conhecem, apontará no tribunal da consciência quem é justo e quem é criminoso. . .
Jerusalém era a capital de Israel. Jesus é a Luz do Mundo. Libertador!