A noite estava coalhada de astros. O plenilúnio fazia-se acompanhar de suave brisa que perpassava em a Natureza, encrespando levemente as ondas do mar gentil da Galileia.
Tudo era uma elegante moldura para a tela luminescente da própria noite.
Como de hábito, o Rabi assentou-se defronte do mar e, perdendo-se na contemplação da tela viva, abstraiu-se do ambiente pelo milagre da meditação profunda . . .
Os discípulos acercaram-se, tocados pelo magnetismo do Senhor e, à Sua volta, deixaram-se inebriar pela dúlcida harmonia que dEle se irradiava.
Já se iniciavam as primeiras dificuldades, no ministério da Boa Nova.
As primeiras cartas-vivas, que se faziam endereçadas às criaturas, sofriam a agressão da pusilanimidade e do preconceito.
A violência e o despeito armavam os corações, gerando dificuldades e produzindo receios.
Do entusiasmo inicial, os companheiros desarmados para as lutas mais árduas, começaram a denunciar cansaço e a somar aflições.
Esperavam que a Mensagem os libertaria de problemas e dores, não aguardando maior somatório de sofrimentos.
Afinal, a figura do Rabi infundia-lhes ânimo e os encorajava ao empreendimento.
Receavam, no entanto, aqueles estranhos embates, que se delineavam sob o açodar da violência.
Feridos nos interesses imediatistas e combatidos nas paixões inferiores, os comensais da inércia e da exploração expelem a vasa pestífera da animosidade gratuita, que disfarçam sob os vernizes da sociabilidade e da aparência.
Facilmente mudam o comportamento, quando estão em jogo as intrincadas ilusões da posse e do destaque humano a que se agarram com avidez e desesperação.
Sem a crença na sobrevivência da alma, fruem até a exaustão os valores alucinantes da fantasia, receosos de que o túmulo tudo devore e aniquile.
Por isso, insurgiam-se contra a mensagem libertadora.
Ante a impossibilidade de investirem contra a Mensagem, insurgiam-se, depredadores, contra os mensageiros.
Respiravam-se, portanto, os primeiros receios e, à socapa, as ameaças levantavam-se contra os companheiros simples e desataviados que O acompanhavam.
— Mestre — arguiu com gentileza — como proceder com aqueles que erguem apodos injustos e calúnias contra nós, somente porque nos desejam afastar do campo a que se atribuem propriedade?
— Com paciência, André — redarguiu o Divino Companheiro. — A paciência demonstra a nobreza dos nossos sentimentos e testemunha a elevação dos nossos propósitos.
— Se eles se levantam a agredir-nos — volveu o amigo, sinceramente magoado — e movimentam recursos para impedir-nos o trabalho correto?
— Pacientemente — insistiu o Generoso Guia. — A paciência consegue demover dos propósitos inferiores aqueles que nos examinam através dâs lentes escuras do óculos da má vontade.
— No entanto, — volveu o discípulo, revelando na voz os sintomas da emoção — como suportar a ironia e o descaso daqueles cujas falhas conhecemos, mas se atrevem a ferir-nos com cinismo indisfarçável?
— Persistindo na paciência — contrapôs Jesus, otimista. — A paciência é efeito natural do respeito que nos devemos uns aos outros, compreendendo que aqueles que não concordam conosco, têm o direito de ajuizar-nos conforme a sua capacidade, e não mediante os propósitos que abraçamos.
— O homem, convidado à gleba áspera do serviço, que se não propõe a joeirar o solo adusto, removendo os pedregulhos, adubando a aridez e irrigando o chão duro, jamais terá garantida a felicidade da ensementação. "Aqui, insiste na lavoura; ali, persevera na manutenção das mudas;
mais adiante, revitaliza a terra.
Se esta vai vencida por catástrofes e pragas, repete a experiência, até que a vida responda em flores de primavera e dádivas de alegria o sacrifício e a paciência da espera. "A colheita, porém, propicia tal júbilo, que, todas as expectativas e ansiedades, sob a bênção da paciência, parecem haver-se constituído em verdadeira lição de felicidade. " Quando se calou, os companheiros, tocados pelo Seu verbo lúcido, entreolharam-se, em silêncio, e compreenderam que se o amor é a base da vida, a paciência constitui uma das mais belas das suas expressões a enflorescer os corações.