O entardecer, em ruborizada coloração além dos montes, refletindo o leque em luz de ouro sobre a placidez transparente do lago foi o cenário, no qual se apresentou a mensagem de esperança e renovação.
Havia murmúrios no ar e expectativas diversas.
Espraiando-se as notícias em alvíssaras de singular beleza, os espíritos simples se embalavam embevecidos, nas visões prenunciadoras dos tempos porvindouros.
Acostumados à monotonia dos quefazeres quotidianos, o poviléu e os modestos trabalhadores do mar e das vinhas foram colhidos pelas abençoadas informações do Reino de Deus.
Israel esperava pela tradição o Rei que lhe restituísse o poder e a dominação arbitrária sobre os outros povos.
O orgulho da raça em mafiosa ambição esperava recuperar as glórias terrenas e transitórias do passado.
Mais de quatro séculos de profecias silenciadas pareciam, agora, quebrados, ante a voz do Messias que atendia os cultos, deslumbrando os pobres e ignorantes.
Sucediam-se os comentários desencontrados e as exageradas apreciações.
Nunca se escutaria igual àquela outra qualquer voz. . .
A autoridade nEle se confundia à meiguice e a sabedoria se exteriorizava sem atavios. Sua presença infundia respeito e granjeava afeição.
A modesta e colorida Cafarnaum fora aquinhoada com os ensinos e dentre os que O seguiam, na íntima condição de amigos, muitos eram daquelas bandas frescas e formosas, de todos conhecidos, tornados importantes, até invejados, de um para outro momento, desde que foram escolhidos. . .
Que Reino, afinal, seria o dEle? — interrogavam-se todos, entre curiosos e interessados. A verdade, é que Ele se dizia Embaixador de Deus — o Filho de Deus! — em missão de reunir as ovelhas ante o Seu cajado!. . .
Confundiam-se anseios e curiosidades.
As pequenas rodas de ouvintes alongavam-se em comentários demorados, terminadas Suas explanações.
Nesse clima de dubiedades e de expectação, naquela tarde, enquanto se fizera uma pausa natural, no encontro de costume entre amigos, a astuta Salomé, orgulhosa e dedicada mãe, acercou-se, traindo, na face, a angustiosa indagação que Lhe desejava propor.
Como o momento se fizesse próprio, a esposa de Zebedeu, sem delongas ou circunlóquios, foi direto ao assunto: — Senhor, desejaria que ao triunfar a Tua luta, quando seja instalado o Reino, coloques os meus dois filhos, um à Tua direita e outro à Tua esquerda. . .
Sem dar-se conta da grave solicitação, exultava antevendo o futuro radioso e feliz porque anelava. Nem sequer percebeu a expressão de amargura e espanto desenhada nos rostos marcados dos membros do Colégio reunidos pelos vínculos do amor. . .
— Estarão eles dispostos a beber da minha taça de amargura?
— Estamos dispostos a sorver todo o conteúdo da Tua taça da amargura.
— É certo que bebereis da minha taça; quanto, porém, a vos sentardes ao meu lado, ao Pai compete determiná-lo, não a mim. . .
A resposta concisa e sem qualquer rodeio, não encontrou receptividade na família Zebedeu.
Os discípulos, porém, tomados de ira, investiram com olhares furibundos e expressões agressivas contra os dois ambiciosos candidatos.
— Quem desejar ser o primeiro, seja o escravo, o servo do último!. . .
A noite tombou em crepe negro salpicado de estrelas cintilantes.
Os últimos revérberos do poente continuavam, a distância, coroando as corcovas das montanhas altaneiras, longes. . .
Um dia aqueles amigos, por enquanto desatentos, compreenderiam o profundo significado da lição.
Os reinos humanos se erguem sobre as bases da dominação odienta e ruem, transformando-se em escombros . . .
Os impérios terrenos se levantam sobre os solos onde cadáveres insepultos os transformam em pântanos, nos quais se afundam depois.
As civilizações grandiosas, erigidas e comandadas pelos punhos da guerra e do orgulho, construções de um dia, passam, convertendo-se em ruínas tristes e ermas, logo depois. . .
Os povos se levantam e sucumbem no voraz perpassar dos séculos e dos milênios. . .
O Reino de Deus, que vem sendo erguido na mente do homem com os alicerces nas terras dos corações, jamais passará. . .
Seu povo se identificará pelo amor e suas características serão a mansidão, a concórdia e a cordura.
É certo que ainda há muito equívoco a tal respeito.
Muitas Salomés e candidatos sem número aspiram a posições, lugares e brilho. . .
O tempo, todavia, na soberana tranquilidade de ensinar e corrigir lentamente, cuidará de fixar em cada ser que o primeiro será sempre aquele que se fizer o servidor do último.
Até esse momento, a insuperável lição da humildade acenará para todos, chamando, chamando. . .