Há Flores no Caminho

CAPÍTULO 12

A severa litania



O Seu, era um estranho poder. . .

Toda a força, porém, da Sua mensagem encontra-se no exemplo da vivência de que Ele deu mostras, seguido com fidelidade pelos que O amavam.

A urdidura da frase sem qualquer retoque, penetrando no âmago da questão que deveria ser examinada, refletia, em Jesus, a Sua procedência, a Sua sabedoria.

Nunca derivava o pensamento; jamais divagava, procurando a sobriedade verbal sem escassez, nunca a prolixidade confusa, utilizando verdadeiros apotegmas.

Recorrendo ao recurso dialético, propunha a tese e comentava-a, utilizando da antítese para robustecer o ensinamento.

Agredido pela astúcia dos fariseus, mediante as inquirições habilmente formuladas para O confundir ou comprometer, sem fugir à proposta mesmo desonesta, Ele devolvia a indagação, facultando ao interlocutor responder-se.

Essa técnica revelava a Sua compaixão pelos infelizes, permitindo-os despertar para as realidades que buscavam ignorar.

— É lícito pagar-se o tributo? — inquiriram, astuciosamente.


E Ele, pulcro e honrado, redarguiu, tomando de uma moeda:

— Que vedes?

— A efígie de César — aclamaram.

— Dai, então, a César o que é de César. . . — concluiu, fundamentado nas palavras do interrogante.

Não poucas vezes, o fato se repetiria.

Sua palavra era aragem abençoada e refrescante que perpassava, adentrando-se pelos poros do sentimento; outras vezes, alteava-se, vibrante, verberando o erro, o crime, como vento forte que afasta os miasmas da atmosfera e purifica o tempo. . .

Quando os Seus silêncios selavam-Lhe os lábios, um murmúrio de esperanças levantava-se discreto nas vagas aéreas, iluminando a melancolia das horas com as suaves claridades do Seu amor sem limite.

Porque penetrasse o cerne das necessidades humanas, o Seu era sempre o verbo da misericórdia e da compaixão, aplicado como bálsamo nas feridas abertas das aflições prementes, facultando alegrias porvindouras.

Nunca se detinha em frivolidades ou escavava os abismos das almas, aprofundando dores.

Quando se referia às coisas simples do dia a dia, fazia-as fulgurar como arquipélagos sidéreos jamais ultrapassados, nunca mais esquecidos.

Jesus falava muito em poucas palavras.

Vestia o pensamento sem os atavios das superficialidades. Todavia, seus conceitos jamais foram superados, seja na beleza da forma e poesia ou na profundidade da ideia.

Com o verbo em luz entreteceu as mais resistentes considerações em torno da vida, consubstanciando os valores transcendentes para que a criatura pudesse superar-se, sublimando as aspirações e fruindo a paz.

Legou-nos a técnica do amor, mediante a palavra de bondosa diretriz.

As ocasiões faziam-se propícias para que os adversários da paz tentassem perturbá-lO.

Convidado a um banquete, o Mestre aquiesceu e sentou-se à mesa, para escândalo do anfitrião, que o não viu lavar-se. . .


Sem perturbar-se, o Puro esclareceu:

— Limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e maldade. Insensatos, porventura quem fez o exterior, não fez também o interior? Dai em esmolas o que está no copo e no prato, e eis que todas as coisas vos são limpas.

De forma alguma compactuava com as conveniências sociais advindas da pusilanimidade, por considerar a vida integral, sem as ardilosas injunções do engodo terreno.

Valorizando o espírito eterno, buscava sempre retirá-lo do anestésico da ilusão.

Não obstante, compreendia o caído e o atormentado, soerguendo-os com o estímulo da esperança.

O hipócrita é gerador de incontáveis males para si mesmo e para os outros, fomentando prejuízos e desequilíbrios na economia sócio moral da Terra.

Terapeuta excepcional, Jesus foi severo para com eles, que não entenderiam outra linguagem.

Dedicou-lhes, por isso mesmo, a trágica litania dos ais, que ainda repercute na acústica do mundo e que os incursos procuram não ouvir: Ai de vós, fariseus! porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças e desprezais a justiça e o amor de Deus!

Estas coisas porém deveis fazer sem omitirdes aquelas.

Ai de vós, fariseus! porque gostais das primeiras cadeiras nas sinagogas e das saudações nas ruas!

Ai de vós! porque sois semelhantes aos túmulos que não aparecem, sobre os quais andam os homens sem o saberem!

Não havia impiedade na voz, antes, compaixão no sentimento.

E porque se apresentasse falsamente incluído, pressupondo-se melhor, reagiu um doutor da lei, crendo-se insultado, embora não fugindo à regra.

Sem o temer, prosseguiu o Senhor: Ai de vós, também, doutores da lei!

porque carregais os homens com fardos difíceis de suportar, enquanto sequer com um dedo vosso os tocais!

Ai de vós! porque erigis os túmulos dos profetas que vossos pais mataram!

Assim dais testemunhos e consentis nas obras de vossos pais, porque eles os mataram, e vós lhes erigis os túmulos!. . .

. . . Ai de vós, doutores da lei! porque tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes (no conhecimento perfeito) e impedistes aos que entravam.

A triste melodia provocou-lhes a ira, armando-lhes a consciência entenebrecida para calar aquela voz. . .

A trama contra a verdade corporificou-se e prossegue até hoje, ainda dominando, por enquanto, fazendo vítimas, porém aos seus famanazes vítimando.

Prometem o que não possuem e aparentam o que não são, na vergonhosa fragilidade do lodo carnal em que transitam, fátuos, sem poderem fugir à noite do túmulo, nem à madrugada do amanhecer!

A litania dos ais permanece severa, verberando a mentira e concitando o homem à renovação enquanto é tempo, porque logo mais já será tarde demais. . .

O de Jesus era, sim, um estranho poder: a Verdade!