Há Flores no Caminho

CAPÍTULO 15

Pastor e porta



Ele não mais voltaria à Galileia a partir daquele momento.

Os sítios queridos onde medravam a ternura e a simplicidade não volveriam a escutar-Lhe a voz.

Ficavam para trás as cariciosas convivências, os caminhos enflorescidos pela bondade espontânea e pela meiguice das gentes simples e humildes, afáveis e dóceis, marcadas pelas experiências primeiras da canção da Boa Nova.

Era Tishri do ano 29.

O pó se levantava pelos caminhos e a luz ardia nos olhos.

Começaria, agora, até o acume das dores, o período pela árida Judeia.

Poderia um profeta desincumbir-se do ministério sem viver e sofrer na Judeia?

Iniciavam-se agora e alongavam-se as rudes provas e os aturdimentos gerais, as controvérsias e as paixões fulminantes.

As ciladas armadas pela insensatez e os olhos vigilantes da inveja estavam abertos seguindo-Lhes os passos, a Sua atividade, provocando. . .


* * *

Em janeiro, passadas as Festas, quando Jerusalém acabara de receber magotes de viajantes de toda parte, o Seu verbo já se levantara e se fizera ouvir.

Os discípulos fascinados sentiam-se aturdidos face à coragem dEle.

O verbo desataviado e as atitudes desembaraçadas se espraiavam conclamando ao Reino de Deus.

Jesus desvelara-se por fim.

Chegava a hora.

Nenhum silêncio era possivel a partir de então.

Testemunhos e dores não O atemorizavam.

Indispensável inaugurar o período de libertação das consciências.

— Eu sou o Bom Pastor. . .

A voz soava meiga e poderosa.

Ao dizê-lo diante da multidão que O cercava, houve um estremecimento, seguido de sussurros enquanto a ira farisaica espuma e escorre na boca aberta dos adversários.

Há um infinito de amor naquelas palavras e nos gestos nobres que O ampliam além do tempo e pelos longes dos espaços.

A nebulosa de dúvidas se aclara e as incertezas se fazem convicção.

— Todo aquele que não entra pela porta do aprisco das ovelhas é um ladrão e um salteador — prossegue, no seu canto de dedicação. — Quem vai pela porta é o pastor, que ama as ovelhas. O salteador tenta seduzi-las, levá-las. . . As ovelhas, no entanto, conhecem a voz do seu pastor e o seguem, confiantes. "O Pastor faz-se seguido, porque defende as ovelhas, por isso, elas o amam. Ele logo chega, caminha à frente delas e as chama pelos nomes.


O ladrão age diferentemente. . . " Os murmúrios aumentam e o mal-estar se manifesta nos mais afoitos, nos atrevidos, que bradam:

— Tem demônio. Fala pela sua boca a blasfêmia, o espírito das trevas. . .


Outros retrucam negativamente:

— Diz a verdade!

Altercam-se os constantes contendores, os inúteis e esvaziados de ideais, os que falam e não agem, os que agridem em nome da fé, mais não vivem para a fé. . .

Ele não se altera, não modifica o tom de voz, a canção de esperança e de apoio.

O dia arde. O grupo aumenta. O silêncio concede-lhe espaço no campo da audição geral.

— O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas e, se alguma se extravia, vai ao seu encontro onde quer que esteja, sem importar-se com qualquer perigo, porque o amor vence os obstáculos, supera os impedimentos e é melhor dar a vida pela ovelha tresmalhada do que perdê-la. O pastor dá-lhes pastagens, guarda-as. . .

As almas solitárias, os corações sedentos de carinho, aqueles que jornadeiam em clima de necessidades, sob o açodar das dores que não se encorajam revelar, os que estão à borda da alucinação, porque cansados e exauridos, constituem, em todos os tempos, as ovelhas, o rebanho, a família que o amor deve reunir em um só grupo, sob o Seu comando.

Naquele momento há um altissonante apelo no silêncio que se faz natural.


Ele prossegue:

— O mercenário cuida das ovelhas, mas não as defende. Quando o perigo se avizinha poupa-se a aborrecimentos e dores, fugindo, receando perder a vida, porque o rebanho não é seu, por isso não lhe dá amor. "Eu, porém, que vos amo, digo: eu sou a porta por onde as ovelhas entram no redil, a passagem de segurança, que conduz e apoia. . . " Lágrimas orvalham os olhos e emoções se avolumam nos sentimentos enregelados, nos ressequidos.

Aquela doação total e sem limite penetra com reconforto e dá força, ampara e levanta.

Todos sentimos necessidade de segurança, de ponto de referência, de certeza, para caminhar em paz.

A jornada solitária, o caminho pedregoso e áspero se dilatam além das perspectivas humanas. Para vencê-los, no entanto, só com a presença de Jesus.

Só Ele é o pastor, junto a quem as aflições se fazem paz e as precárias forças se transformam em alento.

Há pastores, todavia, que em Seu nome são mercenários, procurando tomar-Lhe o lugar nos corações.

Zelam por si mesmos, apaixonados e loquazes, susceptíveis e volúveis, buscando poder e glória, não excogitando dos interesses daqueles que os seguem.

Pensam no próprio eu antes que nos outros.

Assoberbam-se, na azáfama egoística, pressurosos e amargos.

Não desculpam aqueles que discordam das suas diretrizes, que os não seguem armazenando azedume e fazendo-se combativos no sentido negativo da luta.

Veem perigos, apontam falhas, mas não protegem as ovelhas.

São mercenários no curral.

Quando se não beneficiam de moedas, fazem-no pelo elogio, pela autopromoção, azorragados pela conquista das coisas nenhumas com que se inquietam, de que se abarrotam.

Estão passeando suas injunções através dos séculos, em nome de Jesus.

O pastor, porém, verdadeiro, afável, doando-se, é conhecido facilmente pelas ovelhas que lhe identificam a voz, os sentimentos, os instrumentos da ação e o conseguem porque são amadas, seguindo-o, confiantes.

O bom pastor, acima de todos os pastores, comanda as ovelhas com incomparável amor, porta e estrada, estrada de acesso e rota, cajado de comando e presença de apoio.


* * *

Antes, naquele ínterim, entre outubro e janeiro, Ele atendera publicamente à "mulher adúltera", cantou com inesquecível música a sinfonia do amor expressa na "parábola do bom samaritano", para depois de surpreender e escandalizar a hipocrisia e o puritanismo, apresentar-se na sublime condição de bom pastor, de porta.


* * *

Não mais a Galileia O escutaria, senão ao retornar do túmulo, para rápido convívio com os amigos, no aprazível mar de Genesaré, antes de encerrar, em definitivo, o ministério. . .

Jesus: Pastor e porta!


João 10:10-18