Aquele mês de Kislev se encontrava estranho, ardente.
A canícula se alongava até horas avançadas, mesmo quando o velário da noite se cobria de astros coruscantes que lucilavam ao alto. . .
O dia fora exaustivo.
As multidões se haviam redobrado, apresentando suas múltiplas necessidades ao Rabi.
As notícias da Boa Nova se espalhavam como bálsamo abençoado, atendendo às exulcerações dos sofredores que chegavam de toda parte.
Enquanto as excelências da Mensagem luminosa alcançavam o ádito dos corações e renovavam as esperanças de uma Israel exaurida, as tricas farisaicas armavam ciladas com que esperavam colher nas suas malhas ardilosas o Divino Amigo.
Sucediam-se, naqueles dias, as ansiedades e expectativas dos corações.
As levas de sofredores assinalados pela desesperança e pelo deperecer de forças solicitavam carinho, exigiam paciência, de modo a terem minimizadas suas dores superlativas.
O Mestre encerrara o ministério do dia e se recolhera às praias frescas próximas à casa de Simão.
O velho pescador, fascinado pelo querido Amigo, se Lhe entregara desde as primeiras horas com alma e coração.
Cada vez que o Senhor se recolhia ao solilóquio da oração, ele se colocava a respeitosa distância, de modo a acompanhar com ternura extrema a solidão do Enviado do Céu. . .
Vez que outra, quando eram favoráveis as circunstâncias, qual criança curiosa buscava o Excelente companheiro e solicitava esclarecimentos, apresentava dificuldades, propunha problemas, dirimindo dúvidas e elucidando enigmas.
O Mestre, compassivo e complacente, ouvia e ensinava, otimista quão afável, deixando impressões dúlcidas nas almas estúrdias dos discípulos ansiosos.
Vezes sem conta eram examinados, em tais ensejos, os problemas do dia a dia e as indagações variavam desde as colocações da religião dominante às injunções governamentais dominadoras. . .
Naquela noite especial, enquanto o Rabi demandara a agradável paisagem da noite, que refletia os astros na placidez do mar, Simão e os companheiros se acercaram, envolvendo o Mestre em terna afetividade.
Sem dúvida, as dificuldades do momento eram muitas e a baba dos preconceitos envenenava, espalhando suspeitas e inquietudes, multiplicando notícias contraditórias.
Pulcro e impertérrito, Jesus acalmava as incertezas dos amigos, assegurando-lhes a destinação gloriosa que estava reservada aos fiéis servidores do Evangelho em todos os tempos.
— Rabi, como nos devemos comportar diante dos filhos rebeldes e ingratos? Ministramos lições de amor mediante a áspera renúncia e a forte abnegação, a fim de que desatem as forças superiores da vida e se tornem felizes. Todavia, à medida que adquirem liberdade de movimento e de ação, tornam-se prepotentes, rudes e, não raro, agressivos. Está escrito na Lei que é necessário honrar pai e mãe. . .
Sem embargo, Senhor. . .
Havia surda mágoa na palavra do devotado pescador.
— Simão, que faz o homem com o solo adusto, quando deseja cultivá-lo?
— Arroteia-o, Senhor —, respondeu, prontamente, o atento companheiro.
— Que faz o oleiro diligente, que deseja um vaso e dispõe, apenas, de modesta e desagradável porção de lama?
— Modela-a com hábil movimento e celeridade.
— Como procede o jardineiro, quando se dispõe a colher rosas?
— Precata-se contra os espinhos.
— Como se deve comportar o educador ante o aprendiz difícil?
— Insistindo, paciente, e porfiando, austero, buscando encontrar a fórmula própria e acessível para ministrar o ensino.
— Nenhum esforço filial consegue retribuir em amor o amor que recebe de seu pai e de sua mãe.
— Os filhos-problema são ferrete para os pais, que os devem amar mais e sofrê-los mais, até que o amor seja o sublime élan de união entre eles, em nome da celeste comunhão que a todos, um dia, nos unirá como verdadeiros filhos de Deus.
Calou-se o Mestre.
No ar leve da noite, o acre odor do plâncton das águas, trazido pelo vento, perpassava penetrante.
O Rabi levantou-se e, emoldurado de desconhecida luminescência, afastou-se, vagarosamente, deixando os companheiros devotados em demorada reflexão.