Há Flores no Caminho

CAPÍTULO 24

Amanhecer da ressurreição



As horas transcorriam pesadas e lentas entre as sombras das saudades.

Não obstante fossem dias de luz, apagaram-se as claridades da esperança e os júbilos murcharam nos corações oprimidos pelas dores superlativas.

As sombras que mantinham os discípulos em amargura, defluíam do remorso, da mágoa, da dor ante o espetáculo inesperado, que culminara na tragédia do Gólgota.

Vencidos aqueles momentos rudes, atordoantes, insinuaram-se-lhes e neles se agasalharam as angústias e os arrependimentos. . .

Subitamente perceberam imensa, a falta impreenchível que o Mestre lhes deixara nos sentimentos.

Assustados, na simplicidade de que eram portadores, homens de condição humilde deixaram-se ali ficar, alguns na residência da família Marcos, outros na Betânia e os demais em casas amigas, atemorizados.

Não saberiam dizer por que permaneceram em Jerusalém.

O ideal teria sido o retorno aos velhos sítios e às suas lembranças, aos lugares onde foram felizes com Ele.

Jerusalém era a cidade de todas as amarguras: da traição, do medo, das negativas, no entanto um estranho sortilégio mantinha-os ali, como que aguardando não sabiam o quê.

O Mestre falara que volveria três dias depois de morto.

Eles criam, mas já não sabiam em que acreditar.

O medo é algoz impenitente, que oblitera a razão e anula a claridade mental.

O remorso é vérmina que vence cruelmente por dentro a consciência culpada e esses terríveis adversários maltratavam-nos sem trégua.

A paisagem de horror da tarde ensombrada, em que Ele fora sacrificado, não lhes saía da mente.

Macerado, em abandono pelos melhores amigos, Ele não se defendera, não se queixara e permanecera estoico até o fim.

Agora, que O recordavam, percebiam a dimensão da ingratidão de que deram mostras.

São lentas as horas da aflição e do arrependimento, quanto são rápidos os minutos da alegria.

A cidade se apresentava tensa.

As conversas eram rumores e as consciências eram cavernas onde se homiziaram a covardia e os receios injustificáveis.

Anás e Caifás, Pilatos e Herodes sentiam o ar pesado, após a consumação do crime organizado.

Jerusalém jamais olvidaria aqueles dias e dificilmente se recuperaria deles. . .

Na alva do primeiro dia da semana entrante, Maria de Magdala, Joana de Cusa e Maria de Cleófas resolveram levar bálsamo e óleos à Sua sepultura. (Mateus 28:1-10 Marcos 16:1-11 Lucas 24:10-12) Vieram do lado oposto ao Calvário.

Atravessaram o Jardim das Oliveiras, enquanto a face luminosa da manhã suavemente vencia a noite demorada, desceram o vale e galgaram a encosta dos muros da cidade velha e os contornaram até defrontarem o Monte da Caveira.

A visão do local do sacrifício chocou-as.

O vento frio da madrugada levantava-lhes os véus e desnastrava os cabelos. . .

Os corações perderam o ritmo, face à dor e ante as expectativas do que ocorreria.

Temiam e ansiavam.

Experimentavam uma sensação especial e receavam, avançando, porém.

Prosseguindo firmes, contornando as muralhas altaneiras, chegaram ao sepulcro novo, que José de Arimateia oferecera para que Ele ali fosse inumado.

Ao adentrarem-se na antessala da caverna feita para as despedidas, viram um ser angélico que as informou da ocorrência. Na parte inferior da sepultura estavam os panos que O cingiram e vazia a cova silenciosa.

Susto e angústia dominaram-nas naquele momento grave.


Maria de Magdala, saindo, a chorar, interrogou o jardineiro que cuidava das rosas silvestres e do local:

— Para onde O levaram?


Ele voltou-se. Todo em luz, tangível e vivo, o Mestre sorriu:

— Rabboni! (Mestrezinho!)

— Maria! Ainda não fui a meu Pai. Avisa aos companheiros para que sigam à Galileia onde os encontrarei.

Toda a orquestração da felicidade modulava aos seus ouvidos a música dos júbilos, trazida de longe Esfera.

As duas outras mulheres desceram na direção da cidade e cientificaram a Pedro e a João que se apressaram em testemunhar o acontecido.

Ofegantes, chegaram ao túmulo e o defrontaram sem os guardas, a pedra de entrada rolada e a cobertura afastada.

Os panos ao abandono e o lenço que Lhe cingira a cabeça estava dobrado cuidadosamente, parecendo manter as vibrações da Sua face. . . Olhos nos olhos, sorrisos em cânticos e a confirmação do triunfo após a morte, os dois discípulos exultaram com o peito túmido de emoções superlativas.

A ressurreição incontestável era o selo da Sua legitimidade, após as lutas que o túmulo não encerrara.

Ressurreição e vida numa sinonímia profunda.

As esperanças consolidaram-se.

O medo cedeu ao desejo do sacrifício.

Seu aparecimento, reiteradas vezes, arrancando os amigos das algemas humanas das próprias fraquezas, era o prólogo da realização de cada discípulo que, então, sairia em testemunho da verdade, fixando na memória dos séculos a grandeza do Mestre.

Sem temerem a morte, nem os suplícios, eles se multiplicariam pelo mundo como pólen bendito, reverdecendo a terra árida dos corações.


* * *

Hoje, quando os rumores de calamidades se transformam em triste realidade, a evocação da vitória da vida sobre a morte e a mensagem da ressurreição faz-se vida, os discípulos do Evangelho restaurado tornam-se os mensageiros intimoratos da esperança, em nome da fé sem jaça.


* * *

Almas do mundo em aturdimento!

Parai na faina alucinada, na correria desenfreada e escutai a voz do Mestre, repetindo as Bem-aventuranças!

No clímax de todos os conflitos, ouvi-Lhe as promessas e parai a meditar.

Se, todavia, parecer-vos tarde demais para estancar o passo ou retroceder na marcha, confiai, porque mesmo morrendo, ressuscitareis para a vida eterna.

Já não há morte.

O Espírito libertou da carne a vida e sem a matéria prossegue sem cessar. (nota) Embora divergindo das anotações dos Evangelistas, preferimos dar um sabor e dados especiais à narrativa.

Vide em "Primícias do Reino", de nossa autoria, o Capítulo "A rediviva de Magdala".