Há Flores no Caminho

CAPÍTULO 7

Suaves advertências



O mar imenso, emoldurado pelas áridas montanhas do lado oposto a Cafarnaum e pelas colinas recobertas de erva verdejante por onde escorrem os filetes das águas das chuvas que fertilizam o chão, reflete o azul infinitamente transparente.

Àqueles dias a música da esperança revela a grandeza da paz aos homens tumultuados e infelizes.

Em toda parte surgem graves controvérsias.

Murmuram uns, admirados ante a audácia d Aquele pregador;

emocionam-se outros, diante da Sua figura; surpreendem-se os demais, perante os Seus feitos.

A palavra de Jesus penetra e rasga os véus da ignorância, dividindo os tempos da criatura.

O som do verbo produz uma branda luz interior que cresce de intensidade e jamais se apagará.

Ali foram realizados, na região da agradável e fresca Cafarnaum, os mais numerosos milagres que, não obstante produzirem choques, não lograram convencer a todos.

Sempre tem sido assim: os homens desejam ver, na expectativa de que não aconteçam os fenômenos transcendentais e, quando ocorrem, atormentam-se pela dúvida, ante a consideração de que seriam impossíveis de ocorrer. . .

Deseja-se o pão e, após nutrir-se, rejeitam-no, empanturrados; quer-se a luz e, após clarear-se, desconsideram-na, porque se enceguecem;

procura-se a verdade e, desde que ela opõe-se à ilusão, detestam-na.

A demorada imaturidade humana, através dos séculos, estarrece o pensador e o estudioso do comportamento da criatura.

A evidência, para quem não deseja crer, nada comprova; antes, pelo contrário, desagrada e mágoa, armando o observador de irritação e agressividade, por ver-se vencido, mas não convencido.

Ainda são os piores, os "cegos que não querem ver". . .

Desprezado pelo despeito dos Seus, em Nazaré, jamais Jesus tornará àquela cidade, que lhe é grata e amarga ao coração.

Desceu pelos longos caminhos serpenteantes entre as montanhas, atravessou o verde vale do Esdrelon e fixou-se na bucólica região do mar.

As gentes simples, não habituadas às tricas farisaicas, amantes da ternura e do trabalho, sensibilizavam-no.

Poucas vezes admoestou aqueles galileus, pobres e honrados.

A Sua mensagem era um poema de amor que Ele tangia no alaúde dos sentimentos, com as metáforas da gentileza e o ritmo da misericórdia.

Ante a impossibilidade de ser compreendido em toda a Sua grandeza, vestiu o verbo de parábolas e doou-o ao futuro, confiando na chegada do dia triunfal, quando todos penetrariam no reino da paz interior.

Não se equivocou o Mestre.

Para colimar o objetivo do Seu ministério, advertiu docemente, da colina onde o leque de luz das bem-aventuranças continuava aberto, indimensional.

A lei de amor, extraída do equilíbrio cósmico, elaborada pelo Pai e ínsita em a Natureza, deveria ser o rumo por onde todos seguiriam, regendo as suas vidas.

Alma da vida, permaneceria condutora dos sentimentos e ideais.

Todavia, quanto se sabia a respeito do amor constituía permuta de interesses e de paixões imediatistas.

Sua palavra reverteu a ordem ancestral como uma sinfonia cuja musicalidade arrebatadora exige concentração e segurança para ser vivida.

Era um violar dos antigos interesses para que o importante seja o próximo, o ideal torne-se o irmão.

Não foi diversa a Sua conduta.

Ele amou até o sacrifício total da própria vida, sob as exulcerações mais cruéis que se deixou sofrer.

Não obstante, fazia-se necessário concluir as diretrizes básicas.


* * *

Ao sopé do monte estava Cafarnaum beijada pelas águas, ora tranquilas do mar. " . . . — Cuidado quando vos louvarem os homens, porque assim agiram em relação aos falsos profetas. " Sempre a mentira abonará a hipocrisia e a bajulação adornará o engodo.

Os que sintonizam na mesma faixa da mesquinhez reconhecem-se e apoiam-se.

Quando o homem, na vivência dos ideais de enobrecimento, não é compreendido, inclusive, pelos que participam dos labores na mesma grei, não se deve entristecer, antes alegrar-se, porque ainda é escasso o terreno para a autenticidade, para o valor moral enobrecido, para a auto-doação. "Os pecadores amam e doam aos pecadores, emprestam a fim de receberem outro tanto. " Ajudam-se, pensando em manter-se e sobreviver nos dédalos sombrios ou brilhantes que os acolhem, aturdidos e complicados.

O filho da luz é desvestido de trajes complexos, e, desataviado, é real, sem subterfúgios, entre todos e não igual a eles.

Todavia, faz-se necessário cuidado para não ser confundido, nem confundir-se a si próprio. "— Pode um cego, porventura conduzir, guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco?" Certamente, só alguém que vê tem condições de conduzir outro que não enxerga ou ainda não sabe discernir.

A verdade é clara, no entanto, aparece, muitas vezes, discreta, ressuma das fórmulas e dos ritos, ascende dos vales morais aonde foi arrojada. . .

A orientação é sábia e prossegue: "— O discípulo não é mais do que seu mestre; mas todo discípulo, quando for bem instruído, será como seu mestre. " Naturalmente que o aprendizado prepara, mas só a experiência dá sabedoria.

Há falsos mestres e fátuos discípulos.

O melhor ensino faz-se pelo conhecimento e mediante a vivência; a melhor aprendizagem pelo estudo e através do exercício.

Mestre e aluno completam-se.

Conclui a palavra superior, após cuidados e considerações entretecidos, orientando: "— O homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o bem; o homem mau, do mau tesouro tira o mal; porque a sua boca fala o de que está cheio o coração. " As aragens perpassam na amplidão da colina verde. . .

Música inaudível quase, murmura uma doce cantata.

O Sol dourado permanece vitorioso no carro do Dia.

A cordilheira defronte, qual guardiã de pedra da paisagem onde Ele amou, apoia os seus acumes nas bases esparramadas.

Há que ouvir-se para sempre o verbo divino.

Repeti-lo-ão de boca em boca, de página em página, de século em século.

Nunca mais será ouvido como então.

O futuro falará dEle e os homens, após mil vicissitudes, cansados e exauridos, sem roteiro nem mais esperança, amá-lO-ão por fim pelo tempo de todos os tempos. . .