Aquele mês de adar (nota
1) começara mais quente do que nos anos anteriores, precipitando o louro da aveia em prenúncio de amadurecimento no campo. Os céus de um azul profundo denotavam o rigor da quadra estival na Judeia. Nas áridas encostas das terras crestadas, balsaminas teimosas se abrem em flor e algumas raras vegetações de cor ocre e moitas das íris violetas cobrem os cortes dos cerros dando-lhes específica pintura.
Aquele solo árido e sáfaro, arenoso numa faixa e calcáreo noutra Região, recebera desde há mil anos a Capital de Israel, fundada por David, estabelecendo desde então as diretrizes seguras para o povo sofrido de contínuas escravidões...
Ele percorria com os Seus aqueles terrenos, sofrendo os preconceitos das gentes de espírito rígido nas observâncias do Culto Externo da Fé e da Lei, sem qualquer integração, porém, no espírito dos ensinos dos Profetas e de Moisés.
Aquele ano de 29 significava-Lhe as dores superlativas da comunhão com os maus, conquanto sem lhes participar das mazelas; caminhar, comer, conviver com e entre eles, e, no entanto, estar acima deles, sem os ferir, sem os humilhar...
Na Galileia gentil, de alma simples e gentes humildes, afáveis e quase sonhadoras, Ele defrontara dificuldades, todavia, amara e fruíra as venturas de receber o amor de ternura e de ingenuidade do povo.
No coração dos simples o licor da generosidade é abundante e nas suas almas há melodias que entoam cantos de fraternidade pura. Socorrem-se na dificuldade, compreendem-se na aflição — falam o mesmo idioma do sofrimento que os nivela, iguala, irmana...
As aspirações deles raramente vão além do desejo do pão, a segurança da quadra de terra onde erguem o lar e donde retiram o grão, a saúde, e depois o amparo dos Céus após a jornada concluída na Terra.
Sem os altos tirocínios e as armadilhas da astúcia intelectiva, amam prontamente e prontamente dão-se.
Na Galileia Ele compusera as Parábolas simples e expressivas, cantara o Sermão do Monte, realizara a pesca abundante...
A Judeia, porém, era diferente: atormentada pelas tricas da política religiosa e governamental, fazia-se covil de lobos e ninho de águias.
Os companheiros afáveis que O seguiam, desacostumados com as condições de tratamento áspero a que eram submetidos ali — pois que os galileus eram subestimados pelos judeus, por serem simples e humildes — mostravam-se receosos, tristes, saudosos das suas praias e terras...
Seguiam-No astutos sacerdotes por toda parte, buscando intrigá-Lo com o povo;
apareciam nas praças em que discursava infelizes sofistas para perturbá-Lo; espias desditosos surgiam em todo lugar tentando surpreendê-Lo em qualquer desacato direto ou indireto à letra formalista da Lei; mercenários das sinagogas propunham-Lhe perguntas de dúbia significação para prejudicá-Lo e fariseus soezes e mesquinhos ameaçavam-No frequentemente, invejosos da Sua popularidade, armando ciladas verbais...
Ele sobrepairava além e acima de todos.
Suas lições vazadas nas lições da Natureza, reforçadas pelos ensinos do Tora e apoiadas na comunhão íntima que mantinha com o Pai, tocavam e incendiavam de beleza os ouvintes, mesmo os que O detestavam por despeito e inferioridade.
E apesar disso, conviviam com Ele, conheciam-No sem O conhecer realmente.
Participavam da sua quase intimidade e, no entanto, ignoravam... Viam, ouviam e não entendiam em toda a magnitude a Sua missão, o Seu destino...
Mister se fazia anunciar-lhes o futuro.
Naquela noite transparente, salpicada pelos diamantes estelares, enquanto a terra se refazia da ardência do dia...
Já lhes dissera anteriormente: — "Crede em Deus, crede também em mim. " (João
Depois reflexionara: "desde os primórdios dos tempos enviara Mensageiros, Seus Embaixadores, para despertarem as consciências humanas pelas Civilizações dos diversos tempos.
Em todos os povos Seu Nome sob outros nomes chegou aos ouvidos das almas, ensejando conhecimento da Imortalidade, dos deveres libertadores como também das consequências das ações escravizantes.
Desfilam, então, pelas Suas evocações Crishna, Láo Tseo, Abraão, Hermes Trismegistro, Moisés, Buda, Sócrates, Pitágoras..., que Ele enviara para despertar as consciências para a verdade, recordando nos homens a Paternidade Divina, laborando pela ética. .
Aquela era a primeira experiência real do amor no seio das massas. O amor até então era manifestação de fraqueza e cobardia moral. Media-se a coragem do caráter de homem pelo rol dos seus hediondos crimes.
Em civilizações, tais a do Seu tempo, nas quais a mulher e a criança não mereciam registro, por serem destituídos de valor, em cujo curso a vida tornada escrava, por espólio da guerra, valia menos do que uma alimária de carga, a Sua mensagem de amor e de perdão não encontraria ressonância, senão através de muitas dores e muitos séculos.
Compreendia Jesus as fraquezas humanas e as incontáveis turbações de que seriam vítimas as criaturas, as alterações que imporiam aos Seus ensinos adaptando-os aos interesses dos diversos tempos e das suas inumeráveis paixões...
Aquela condicional do amor se realizaria no futuro do dever. Amá-Lo para guardarLhe as lições. E, no entanto, se amando, os olvidassem, atormentados, ou os alterassem, matando-lhes a significação?
A música da sublime promessa modulava no leve ar uma esperança consoladora, infinita de amor.
O conforto do amparo contínuo dar-lhes-ia forças para sobreviverem na luta e nas provações.
O supremo socorro e a perene ajuda continuarão chegando incessante e, um dia, o Espírito de Verdade se manifestará restabelecendo as Suas lições, a legítima ideia do amor...
Já não há dúvida nem receio.
Chegarão à Terra as forças invencíveis do Mundo Espiritual, contra as quais o homem reencarnado, equivocado e irrisório, nada poderá.
Essas legiões chegarão a todos os rincões e pregarão a esperança na dor, enxugando as lágrimas da saudade e abrindo as portas da morte para a vida.
Penetrarão todos os lares da Terra e convocarão os homens à cruzada do amor impessoal e fraterno.
Ei-lo chegado!
O Consolador encaminha e ampara já milhões de seres, preparando os dias do Senhor, entre os deserdados do Orbe, homenageando o amanhã da felicidade, desde o agora das lágrimas.
Aí estão soando as trombetas de além da morte, entoando advertências, repetindo os ensinos, restaurando a verdade...
Escutemo-las na acústica do coração, essa voz que fala pela boca dos sempre-vivos. É Jesus novamente ensinando.
O Consolador em triunfo traça rotas e guia. "Mandarei alguém: o Consolador!" "Não vos deixarei órfãos... " (nota
1) Março.