Diariamente à sua volta renovavam-se os grupos ávidos do Seu socorro.
A mensagem da esperança alcançando as fronteiras das almas inebriava-as, derramando-se abundante pelos demais corações que se contagiavam da Sua empolgante realidade.
Jamais 1srael vira ou escutara alguém igual a Ele.
Os sofredores recebiam de Suas mãos as mais vantajosas quotas de auxílio, e os deserdados enriqueciam-se de alegria do primeiro encontro com as Suas palavras.
"Ele tudo transpirava amor.
Das aldeias e cidades, dos arredores do Lago e das terras distantes chegavam os grupos que se adensavam em multidões expressivas para ouvi-Lo, sentir a grandeza dos Seus ensinos, fruir as concessões das Suas dadivosas mãos.
Nunca se cansava de ensinar nem se descoroçoava jamais ante a impertinência ou a rebeldia dos infelizes. Compreendia-os por conhecer o ácido sabor do sofrimento que os infelicitava e por compreender-lhes a dor decorrente da pesada canga a consranger-lhes os corpos cansados e os espíritos aflitos.
Alongava-se a todos como abençoada fímbria de luz na pesada sombra a clarear os roteiros e fazia-se a barca de segurança para que os náufragos do mar das paixões atingissem as praias da paz ou os postos da segurança.
A primavera e o verão ensejavam-Lhe naqueles dois últimos anos a apresentação rutilante da Sua Mensagem. E mesmo quando os ventos outonais sopravam prenunciando o frio, Ele prosseguia ajudando os discípulos amados, para aproveitar o tempo que urgia, por não ser Ele deste mundo.
A. sombra da árvore veneranda, no entardecer, enquanto amena a atmosfera se faz transparente, facultando a visão do céu límpido azul-alaranjado, Ele, ao lado dos discípulos, alongou os olhos por sobre a multidão (Mateus
Ali estavam todos os elementos constitutivos da melodia dos sofrimentos humanos.
Mutilados em permanente exibição das deformidades e miseráveis sonhadores da esperança.
Aqueles rostos sulcados pela dor e curtidos pelo sol, aqueles olhos sem luminosidade que as desilusões quase apagaram de todo, acendiam-se, porém, expectantes, naquele momento aguardando.
Ao longe, o mar explodindo rendas nas praias tranquilas e bordando de espumas alvas os seixos e pedregulhos negros. Os distantes coroados de sol poente e o verde-marron da gramínea teimosa em que madressilvas como pingentes azuis bordam o tapete do solo...
Ele amava tudo aquilo: o mar era o seu espelho a refletir a face do dia e da noite;
o rio o alaúde em que Suas mãos movimentavam sons nas longas cordas das correntezas cantantes; as elevações tornavam-se tribunas nobres donde Sua voz se espraiava na direção dos homens; os desertos em que se refugiava para estar a sós e orar eram preferidos, e os painéis verde-brancos dos bosques e dos casarios eram a pintura comovedora na tela da Natureza...
— Alegrai-vos na dor e não vos desespereis. Participais desde hoje do Reino de Deus e os tempos continuarão a correr cantando músicas de júbilo em vossas almas, se perseverardes fiéis até o fim.
"Todos os que vos buscaram antes prometiam quimeras e acenavam triunfos que o túmulo apaga, deixando em cinza ou lama os tecidos custosos e enferrujados, sem valor os tesouros da ficção.
"Marcham e passam sorridentes os dominadores da Terra, guindados a postos nos quais padecem a alucinação da loucura que os vence e preferem ignorar.
"Prometem a Terra e são submetidos a ela, desaparecendo nos seus carros de ouro, sem deixarem saudades, porque são substituídos por outros títeres e por todos logo esquecidos.
"Ameaçam e atemorizam os de coração simples, perseguem os fracos porque sofrem fraquezas que os desgraçam e se fazem acompanhar de outros famanazes, quais abutres reunidos, que, em última instância, irão devorar o mesmo cadáver em disputa infeliz.
Os ouvidos aguçados da multidão recebem as palavras quais moedas de luz para serem entesouradas nos cofres do coração ansioso.
A Natureza canta silêncios em derredor.
— Quem desejar ser digno de mim, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
"Não temais aqueles que apenas matam os corpos e nada mais podem fazer. Eles também morrerão.
"Temei, respeitai aquele que depois da morte tem poder de restituir a vida, oferecendo paz ou dor.
"Se me amardes tomai a vossa cruz e renunciai às vãs utopias, vindo em seguida.
"Construí a nova conduta do amor e da verdade.
"Tudo pelo Pai é sabido, mesmo as coisas mais insignificantes Ele conhece. Tem contado os fios dos vossos cabelos.
"Acautelai-vos da hipocrisia que é a arma dos cobardes.
"Sede verdadeiros e mantende limpos os corações.
"Aqueles que me confessarem diante dos homens, também eu os anunciarei a meu Pai.
"Nada digais em segredo contra alguém, pois que isto que seja dito em silêncio será apregoado aos brados.
"Evitai manter duas condutas: a que os homens podem e aquela que não podem saber. Nada, pois, façais escondido, porquanto tudo se torna revelado e permanece conhecido.
"A mentira é a medida do mentiroso como a presunção é a dimensão do ignorante.
"Levantai a cabeça reta mas sede simples de alma e humilde de sentimento.
"Engendrai a simpatia entre todos e fomentai a cordialidade. O homem isolacionista é espírito enermo. Manter cortesia com os que são corteses é retribuir a medida do que se recebe.
"Os meus seguidores aprendem a ter alegria interior para os momentos difíceis e se acostumam ao prazer de servir em nome do amor. É nisto que reside a verdadeira união comigo.
"Preservai-vos do fermento da maledicência. As más palavras, as palavras azedas, as palavras rudes corrompem o espírito e corroem a vida, turbando a consciência.
"Saí da amargura e livrai-vos das suspeitas. Os espíritos imundos se comprazem na inspiração dos pensamentos vulgares e se nutrem dos conúbios deprimentes.
"Em toda circunstância buscai a prece, e, vigiando, servi. Não procureis, porém, fazer tudo. Sede grandes nas tarefas insignificantes e tornai-vos pequenos nas grandes realizações — eis como provar a integridade no bem.
"Aquele que me negar entre os homens, dele não me recordarei para apresentá-lo no Reino.
A noite estava quase chegando.
Uma sutil atmosfera de paz caía sobre os grupos na multidão silenciosa, de coração túmido de emoções e almas comovidas.
As silhuetas dos montes se recortam nas primeiras sombras e as estrelas salmodiam nos Céus canções em prata fulgurantes.
Onomatopeias, hipérbatos e sinédoques escapam dos lábios do Mestre na composição dos ditos.
"Quando tiverdes de falar, diante de quem seja; não temais! Abri a boca: o Espírito Santo falará por vós.
Sublime musicalidade tomou conta do ar.
Levantou-se, ergueu as mãos e abençoou os ouvintes.
As lágrimas abundavam nos olhos de todos nascendo nas fontes do espírito.
Havia um elan invisível que transformava a mole humana numa só família — a família do amor universal do futuro!
No mar sereno deslizam ao longe as barcas que retornam. No ar salpicado pelas lâmpadas estelares as ansiedades da multidão soluçam baixinho...
... E Ele entre os homens apresentando a legislação do amor em convite esplêndido à Humanidade inteira.
E como todos se retirassem aos poucos, silêncio, dispostos a carregarem a sua cruz, Ele a sós e se encheu de plenitude.
A noite, por fim, vestiu o aclive de luar, enquanto as aldeias e as cidades dormiam, e Ele velava dos cimos do outeiro...