Luz do Mundo

CAPÍTULO 23

BALIZAS DE LUZ



Do choque decorrente da tragédia às surpresas dos reencontros queridos com o Mestre, aqueles companheiros da sementeira da luz transitaram em poucos dias percursos longos de amargura e júbilos.

Sentiam-se desarmados para prosseguir na tarefa e não compreendiam, conquanto o desejassem, a extensão do Reino que o Mestre viera implantar na Terra.

Acostumados à estreiteza dos conceitos e às limitações geográficas do solo em que nasceram e viviam, não podiam penetrar na grandeza do ideal universalista e indimensional a que a Palavra Reveladora se reportava, incessantemente...

Em Jerusalém, naqueles dias, eram estrangeiros atemorizados, amargando as vicissitudes dos acontecimentos terríveis que os surpreenderam, sulcando fundamente suas almas aparentemente sem experiência...

Jesus fora-lhes o Amigo Divino, é verdade, mas acima de tudo tornara-se o Celeste Condutor das suas vidas.

Acostumaram-se à energia e à meiguice da Sua palavra como o cordeiro que identifica com facilidade a voz do Pastor e lhe segue o bastão de comando...

Chamados à realidade da fé e ao compromisso assumido pelas irretorquíveis demonstrações de amor do Companheiro que retornara do além-túmulo para conviver ao lado deles reiteradas vezes, passaram a experimentar diversa robustez de ânimo e até então desconhecida determinação espiritual.

Após elegerem Matias para o lugar de Judas e receberem o Espírito Santo, desataram-se as percepções obnubiladas até aquela hora e lucidez inusitada os dominou. Podiam fitar os horizontes infinitos do futuro e experimentar gáudio descomunal no exercício do bem e da renúncia.

O verbo se lhes destravou das bocas antes seladas por cruel silêncio e a palavra lhes escorria abundante e sábia do cérebro às modulações da voz canora e forte.

Teriam que redobrar o esforço para o serviço começante.

Embora tudo estivesse ainda por fazer, contavam com a inspiração do Mestre e o socorro dos Seus Embaixadores que incessantemente os visitavam, revigorando-os e esclarecendo-os.

À frente o porvir difícil, e a desdobrar-se ante os seus olhos a Seara necessitada de semeação e cuidados.

Os homens esfaimados, as criaturas exauridas de sofrer, os corações cansados e cheios de decepções— eis o barro que teriam de movimentar para transformar em ânfora capaz de reter o elixir divino, conservando puras as suas excelentes qualidades.

Sem temor, exaltados pela fé, após orarem e unirem esforços, na tentativa de criarem comunidade pura e simples, em que se refugiariam, prepararam-se para o cometimento: avançar com os pés do futuro na direção da Humanidade...


Pedro e João fascinados e vibrantes de entusiasmo demandaram o Templo e libertaram o coxo da Porta Formosa, transformando a prata e o ouro de que não podiam dispor em esperança e saúde em nome de Jesus... Como, porém, os ali presentes se surpreendessem com o raro fenômeno da libertação do paralítico das amarras constringentes que o infelicitavam o longo período, o velho pescador proferiu ante o assombro geral comovente discurso de exaltação ao Senhor da Vida:

" — Israelitas, porque vos maravilhais deste homem, ou porque fitais os olhos em nós, como se por nosso poder ou piedade o tivéssemos feito andar? O Deus de Abraão, de Isaac e Jacó, o Deus de nossos pais glorificou a seu Servo Jesus, a quem entregastes e negastes perante Pilatos; quando este havia resolvido soltá-Lo;

negastes o Santo e Justo, pedindo que se vos desse um homicida; matastes o Autor da vida a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que somos testemunhas... " (Atos 3:12-15) A palavra emocionada e musical penetrava as almas em expectação.

O recém-curado chorava, ria e os apontava como responsáveis peio retorno da sua saúde claudicante.

— Nada fizemos. — Modulou Simão, que se agigantava na multidão, nimbado de desconhecida luz. — Fê-lo Jesus. Arrependei-vos do mal e encetai desde agora vida nova! Despertai!

A Sua palavra cheia de vibração e elevada pela emotividade cindia a acústica fechada das almas, irrigando de esperanças os canais ressequidos das consciências entenebrecidas, despertando-as para os primeiros embates da Mensagem...

Chocados pela coragem dos estranhos, sacerdotes e policiais temerosos prenderam-nos em atitude arbitrária, como se limitando os seus movimentos pudessem silencia-lhes a palavra soprada pela Verdade...

Mil vezes o fato se repetirá.

Ante a impossibilidade de impedir-se a manifestação da verdade a ignorância há buscado destruir os veículos pelos quais se manifesta...

Continuava a partir daquele momento o martirológio iniciado no Gólgota, mas que não se acabaria pelos séculos afora até os dias atuais...

Libertados a posteriori por falta de provas que os retivessem no cárcere, os discípulos retornaram à comunidade, oraram emocionados, agradecendo a bênção do testemunho e rogando a oportunidade de prosseguirem até a morte...

Os dias que se sucederam esmagaram paulatinamente aqueles homens simples e audazes que passaram à memória dos tempos como heróis da renúncia e vexilários do amor, não se lhes extinguindo o ideal. As sementes de vida que esparziram, à semelhança do que fizera o Seu Modelo, conseguiram modificar a estrutura social, econômica, moral e política da História gerando uma Era de esperança e de paz.

Criaram nova História para os fastos da Humanidade por onde palmilharam com pegadas de sangue...

Abriram imensas brechas nas paredes fortes da dominação de governos tirânicos e o amor que deles evolou impôs-se como a resposta única possivel à problemática da angústia universal. Mediante a resistência pacífica e perseverante encharcaram os séculos de amor e os iluminaram quando os campeões da impiedade ameaçavam tudo destruir a aniquilar, reduzindo a escombros e trevas...

A sua "não violência" produziu o mais vigoroso e demorado movimento de fraternidade que se conhece... E a sua memória, as suas lutas, as suas abnegações e o seu amor vivem atuantes até os nossos dias, constituindo a segurança dos que amam e confiam, dos que esperam e se doam à Causa de uma Humanidade melhor e mais feliz.


* * *

Ainda hoje as perseguições aos paladinos do bem e aos servidores do Cristo não cessaram.

Repontam com mil faces, estrugem de maneiras múltiplas, convocando os verdadeiros trabalhadores do bem ao poste do martírio e ao circo do ridículo, ferindo-os fundo na alma e anatematizando-os incessantemente, como se forças conjugadas conspirassem contra a Vida Estuante...

Não nos iludamos!

Mudaram os tempos, modificaram-se os métodos da insana campanha contra o Cristo, ora disfarçados e sutis, conspirando contra os que se entregam — discípulos estoicos do Herói da Cruz — com devoção ao programa de redenção humana.

À semelhança daqueles seguidores intimoratos que conviveram com Jesus e Lhe deram a vida, prossigamos irmanados na colocação de balizas pelas fronteiras do Reino divino entre os homens da atualidade.

Hoje como ontem retornam as Vozes, e falam os chamados mortos, alentando e revigorando as consciências, atestando à saciedade a indestrutibilidade do espírito e a realidade da vida após o túmulo.

Mesmo que se faça noite em nossos caminhos, repentinamente, e a chuva de amarguras caia impenitente sobre nossas cabeças, e os nossos pés tropecem nos calhaus que a indiferença em nome da falsa cultura e a impiedade representativa da ignorância nos arremessem, continuemos de ânimo robusto e espírito afervorado, ligados ao Espírito Divino, colocando as marcas da nossa passagem em bastiões de luz que clarificarão por todo o sempre as eternas fronteiras do Reino de Deus, quais postos avançados da vida nos campos de sombras da morte.