Pelos Caminhos de Jesus

CAPÍTULO 18

INESQUECÍVEL DIÁLOGO



(Vide o Capítulo "Zaqueu, o rico de humildade", do livro Primícias do Reino, de nossa autoria. Nota da autora espiritual.) Jerico é tradicionalmente considerada como a cidade mais antiga da Terra, na qual o homem se teria instalado entre os milênios 10 e VII a.C.

Foi sem dúvida o berço da civilização. Estendendo-se pelo vale do Jordão, espraia-se desde os picos nevados do Monte Hermon até as terras do golfo de Akaba. (Golfo de Aqaba - O golfo de Aqaba, ou golfo de Acaba é uma porção do mar Vermelho que separa a península do Sinai da península Arábica e que banha Israel, Egito, Jordânia e Arábia Saudita. Nota digital.) Pela sua paisagem verde e rica de águas no solo árido de Israel, passaram várias culturas, e povos diversos ali estabeleceram os seus fundamentos de civilização.

O terreno generoso é tido como o mais abençoado oásis da Palestina. Laranjais e bananeiras em abundância, flores de variado matiz, leguminosas e frutos específicos da região, como tâmaras e amêndoas, falam da misericórdia do Senhor, caracterizando a sua fertilidade.

Graças ao seu clima ameno, apesar de ardente na quadra do verão, fez-se lugar de destaque elegido pelo ócio e pela riqueza material, como pouso para o conforto e área privilegiada para o prazer.

Não foi, porém, pelos fatores climáticos nem sociais que Jerico se adentrou pela Boa-nova, deixando um legado de emoção e entusiasmo para a posteridade.

Situada entre as terras amenas da Galileia e a adustez (Adustez no Dicionário Online de Português. sf (adusto+ez) Ardência, calor excessivo.) da Judeia, Jerico é, ainda hoje, passagem obrigatória para os viajantes que demandam uma ou outra região.

Jesus, periodicamente, passava por ali, e a Sua estada na formosa cidade sempre se fazia assinalar pela misericórdia e pelo amor.

Conta-nos o Evangelho que, numa dessas oportunidades, um publicano, sentindo-Lhe a grandeza e porquê de pequena estatura física, trepou num sicômoro para vê-lO passar e comoveu-se.

Sonhava por encontrá-lO. Tinha sede de fraternidade porque lhe eram escassos os amigos.

Era um homem rico, porém detestado, vivendo sob altas cargas do ódio que lhe atiravam os inimigos, que eram muitos.

A abundância argentária decorria-lhe da posição social e da profissão que exercia como cobrador de impostos. Condenavam-no, no entanto, ele adquirira dos romanos esse direito em hasta pública e aqueles que mais impiedosa campanha lhe moviam, eram os perdedores que lhe disputaram a função e não a lograram.

A inveja é a arma de efeito mortífero que usam os débeis morais, os fracassados.

Elogiavam-no em presença e perseguiam-no a distância.

Acreditavam que por ser rico deveria cultivar avareza, pelo que seria punido por Abraão.

Zaqueu, todavia, encontrara no ofício exercido um meio que considerava nobre para viver e dignificar a família.

Naquele primeiro encontro com o Mestre, o dúlcido olhar de Jesus, em trânsito, penetrou-lhe como um raio de luz em noite escura.

Zaqueu desceu do sicômoro ouvindo a voz que lhe dissera: — "É-me lícito dormir hoje em tua casa".

Certamente esta declaração do Senhor chocou os ouvintes. Os comentários se fizeram inevitáveis e um certo rumor de desagrado percorreu a multidão.

E comum nas pessoas exigirem que os seus amigos se tornem adversários dos seus inimigos, na solidariedade ao erro.

O Mestre, que se não impressionava com as reações dos que O seguiam, prosseguiu tranquilo na direção do lar do cobrador de impostos.

Zaqueu excedeu-se em generosidade, ante o evento, retribuindo os seus serviçais com excesso de soldo, num gesto de alegria incontida.


* * *

Quando o silêncio desceu sobre a residência do nababo, após a ceia lauta, marcada pelos gestos de ternura, Zaqueu, emocionado, agradeceu ao Mestre e, não podendo sopitar o que lhe encontrava estrangulado na garganta, expôs: — Todos ou quase todos me odeiam...

Havia indecisão na voz e embargamento da emoção.

Aquele era, no entanto, o momento mais significativo da sua vida. Estimulado pela radiosa expressão do Rabi, prosseguiu: —A ninguém nunca prejudiquei e procuro ser justo. Sem embargo, me caluniam e agridem com palavras ásperas e olhares de reserva.

Que fazer, Senhor, dize-me, Tu que tudo sabes?

O Amigo Divino relanceou o olhar transparente pelo recinto e como se auscultasse a Natureza que cantarolava uma brisa sob o aplauso dos astros lucilantes, redarguiu: — Zaqueu, o dinheiro e a fortuna não são bons nem maus. O uso que deles se faz, a direção que se lhes dá é que os torna nobre ou desventurado. "A moeda que adquire o pão é a mesma que fomenta a guerra...

Quando o homem padece de fome, pode tornar-se um delinquente. O recurso que lhe mata a necessidade pode ser considerado como doação de Deus para a dignificação da criatura.

O indivíduo sem teto retorna ao primarismo do passado. O dinheiro que lhe concede o amparo torna-se expressão do progresso em nome da caridade que o libera das paixões primevas.

O órfão esquecido, quando recebe o apoio argentário e um lar, ergue-se para a vida, tornando os recursos amoedados a mais grandiosa manifestação do amor do Pai... " Fez um silêncio natural, e ante a alegria que extravasava a emoção do cobrador de impostos, continuou tranquilo: — O dinheiro fomenta o progresso da sociedade, equilibra a família, dignifica o homem, estimula a fraternidade, gera alegria e estrutura a esperança. "Sem dúvida tem sido mal-empregado, produzindo a usura e a insensatez das quais decorrem males sem conta, que respondem pela miséria moral, social e geral no mundo. "Deus não colocaria na Terra o dinheiro, se ele não tivesse a missão de acompanhar o homem na sua marcha ascensional na busca da perfeição. Dia virá em que a troca de valores se fará por meio de outras técnicas e de outros recursos, dispensando o dinheiro. Por enquanto, porém, ele é veículo para o bem e a felicidade que a todos cumpre desenvolver, mediante a correta aplicação dos tesouros que chegarem a quaisquer mãos. "Abençoada seja a riqueza que gera paz, a moeda que liberta do sofrimento, o dinheiro que impele à felicidade, o recurso que santifica no exercício do desprendimento e na ação do bem. " O Mestre calou-se, e a noite prosseguiu em clímax de beleza.

Posteriormente, o cobrador de impostos, após cumprida a tarefa da família e distribuindo os recursos, foi viver e pregar o Evangelho noutras terras, recordando o primeiro encontro do alto do sicômoro e o inesquecível diálogo na intimidade do seu lar, que lhe deu vida.