Pelos Caminhos de Jesus

CAPÍTULO 4

GLÓRIA DA VIDA



Aquele se tornou um dia especial, assinalando um novo conceito de vida.

Vida em renovação, vida de paz.

A família de Betânia, que se fizera amada na pequena comunidade, hospedava Jesus nas diversas vezes em que Ele descia a Jerusalém, ou quando dali retornava.

Constituía um remanso, onde o amor se faz presente e a ternura se demora.

A casa dos irmãos gentis tornara-se ponto de referência obrigatória nos comentários da população, em face da preferência do Nobre Galileu que ali ensinava as lições libertadoras do "Reino dos Céus".

Tratava-se da notoriedade que envolvia o Mestre, em razão da Sua fascinante personalidade.

Além disso, a própria conduta da família feliz caracterizava-se pela elevação de propósitos e pelo fiel cumprimento das tradições mosaicas.

Muito natural, portanto, que o insólito acontecimento chamasse a atenção e se tornasse uma baliza divisória dos períodos que o antecederam e o sucederiam.

Com Jesus, o tempo perdia o significado habitual para adquirir outra dimensão, num ontem obscuro e num amanhã de claridades.

Lázaro, que era portador de uma dermatose de grave curso, houvera morrido e fora inumado na tumba da família, cavada na rocha viva a poucos metros do lar onde residia.

As irmãs desoladas mandaram informar ao Amigo, que se encontrava distante, e, em face disso, quando Ele chegou já se haviam passado quatro dias desde a infausta ocorrência.

A catalepsia vitimara Lázaro, que dormia, quase morto, conforme se encontrava.

O Mestre, apesar de haver-se comovido com a dor que se abatera sobre o grupo familiar querido, dirigiu-se ao túmulo com as pessoas que foram atraídas e, chamando o morto com voz enérgica, este se desembaraçou das mortalhas e adereços fúnebres, saindo à luz, ressurreto e triunfante.

As farpas da inveja cravam-se nas almas dos que vieram de Jerusalém e viram o acontecimento.

Os homens pigmeus sempre odiaram os grandes homens, os heróis, os sábios, os santos...

A pequenez moral urde ciladas, e o despeito gera conflitos, estabelecendo tricas e mesquinharias com que pretendem embaraçar os pés dos que avançam no rumo do porvir.

Jerusalém estava a menos de três milhas de Betânia, no entanto, havia uma imensurável distância moral e espiritual entre aqueles que habitavam as duas cidades.

Os homens ganham as distâncias físicas e opõem barreiras que impedem a aproximação nas distâncias morais.

Há, desse modo, homens-obstáculos e homens-pontes.

Jesus é o Homem-ponte entre os homens e entre estes e Deus.

Cessado o júbilo, que irrompeu espontâneo, em todos, superado o impacto, surgiram os comentários menos felizes.

Alguns daqueles que haviam testemunhado o fato, correram, bajuladores, a narrá-lo aos sacerdotes, permitindo que se reunisse o conselho dos fariseus e se programasse a morte de Jesus e Lázaro.

Quando não se pode competir e se é inferior, estabelece-se ao outro matar.

A vingança dos infelizes tem-lhes a própria, a dimensão deles mesmos.

Amesquinhados pela pequenez, perseguem, perseguidos, que vivem pela insânia na qual estagiam.

A hora, porém, do Justo, ainda não chegara...

A alma humana, sempre inquieta, arranja mecanismos de evasão, mesmo inconscientes, para deixar a realidade e permanecer na ignorância gerada pela ilusão.

Assim, é comum que, na impossibilidade de compreender os sucessos que defronta, e não desejando aprofundar-se nos seus delicados mecanismos, prefere negá-los, ou busca justificações levianas, graças às quais os confunde com os mitos em que se apoia ou as superstições que incorrerá do dia a dia, para evitar responsabilidades.

Foi o que aconteceu.

A maledicência popular, aliciada pela competição inescrupulosa dos sacerdotes ociosos, passou a considerar que a ressurreição de Lázaro fora lograda por interferência demoníaca, já que estava escrito na Torá que os "mortos não podiam voltar à vida".

A insistente invectiva aleivosa cresceu de tal forma, a princípio disfarçada, para, logo depois, agressiva e pública, que chegou ampliada ao conhecimento dos três irmãos, que ficaram assustados, sem saber como interromper o curso da maldade.

Naquela noite, logo após a refeição, um grupo de representantes da sociedade local veio a Jesus, com jactância e prosápia, interrogá-lo a respeito do fenômeno, e, ao mesmo tempo, não escondendo a intenção de devolver o liberado ao reino das sombras.

O Rabi recebeu-os com a jovialidade habitual, no caramanchão de rosas, na parte posterior da residência, sob um céu ornado de estrelas cintilantes, embora as lâmpadas de barro vermelho, onde crepitavam labaredas bruxuleantes, que ardiam em pavios embebidos em óleo...

Ventos, suavemente perfumados, varriam a noite silenciosa, que parecia aguardar o seu grande momento de esplendor.

Os visitantes, visivelmente inquietos, nervosos, após recepcionados amavelmente pelos familiares, dirigiram-se ao Mestre, inquirindo-O com aspereza.

A violência é arrogante porque teme e sabe-se iníqua, enquanto a calma resulta da segurança do dever e da probidade das próprias ações.

— Conforme não ignorais — indagaram —, é proibido trazer da sepultura aqueles que jazem amortalhados, aguardando o Juízo Final.

Esta ação, que alguns hoje testemunharam e que executastes, somente seria possível pela ação de Belzebu. Que dizeis?


O Senhor olhou a estultícia caprichosa dos interlocutores e respondeu com brandura:

— Se Lázaro houvesse morrido, ninguém o traria de volta... Ocorre que Lázaro se encontrava dormindo e eu somente o despertei, chamando-o para fora... Todavia, eu o fiz, porque meu Pai está comigo e não Belzebu, desde que o mal não faz o bem, nem a perversidade opera em favor da alegria... Além disso, é muito fácil acusar, quando se desconhece, mas, é bem difícil dizer-se a um cataléptico, que desperte e ande, e conseguir-se o êxito.

A voz timbrava com a tranquilidade do autoconhecimento, do poder pessoal.


Os aturdidos acusadores, sem retrocederem nos propósitos inferiores, voltaram a indagar, com acrimônia:

— Se não estava morto, por que Lázaro exalava o odor da podridão?


Paciente e compassivo, o Senhor fitou-os com o olhar transparente e elucidou:

— As feridas cobertas por ataduras não removidas degeneraram as carnes sem irrigação e não seria de surpreender que a exalação pútrida fosse registrada por quantos se adentraram na cova tumular.


Fez uma pausa natural, e, antes que os invigilantes presunçosos voltassem à carga, o Mestre prosseguiu:

— A morte mais grave, aquela que produz desgraça, arruinando o homem, é a que a ignorância propicia. Filha do egoísmo, ela corrompe a alma, enlouquecendo o ser e o deixando em trevas. A minha mensagem é de vida eterna, que penetra as densas sombras do desconhecimento e desalgema as suas vítimas, trazendo-as à luz da verdade e do Bem. "Há, também, a morte que resulta do cultivo das paixões dissolventes, das vinculações com a impiedade, em cujos elos a inveja e o ressentimento armam ciladas para aprisionar os que lhes tombam nas urdiduras. "Eu, porém, sou o Libertador, e quem se acerca de mim não permanece encarcerado, nem retido nas masmorras e elos da infelicidade. "(...) E mesmo quando lhe ocorre a morte do corpo, se o extinto crê em mim, este viverá, porque eu sou a ressurreição e a vida... "O importante é que Lázaro permanece vivo, e o poder que me foi delegado por meu Pai, para mantê-lo no corpo, igualmente consegue interromper o curso carnal de qualquer um de vós, que se anteponha em meu caminho dificultando-me a ação e eu me veja constrangido a afastá-lo... " Ante a eloquente severidade da advertência, os justiceiros ameaçadores abaixaram as cabeças, e, acabrunhados, receosos, pediram licença e se retiraram...

A ressurreição e a vida são os pontos altos da convivência com Jesus.

Com Ele, a noite aureola-se de estrelas e luar, enquanto que, sem Ele, o dia emurchece e cobre-se das sombras que jazem no íntimo de quem anda em agonia rebelde.

No dia imediato, Jesus se afastou com os Seus para as terras de Efraim, por lá se conservando por algum tempo, até quando se fizesse necessário voltar para não mais sair...

Betânia é um símbolo, e o que sucedeu ali, naquele dia, cindiu a grande noite moral dos homens, como se fosse um punhal de luz, marcando a história do futuro com a esperança da ressurreição perene e da vida eterna.